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Cais José Estelita

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Carta do Direitos Urbanos à Câmara Municipal sobre o Plano Urbanístico para o Estelita (PLE nº 08/2015)

nonpasaranEstelita

Quando a cidade passa a ser um dispositivo separador, eu sempre digo: mude de nome, não é mais cidade. É qualquer outra coisa. Bote um nome qualquer, mas cidade não é. O atributo da cidade é juntar. Pode chamar de Recife, mas não chame de cidade“.

Luiz Amorim, arquiteto e urbanista, professor da UFPE

Prezadas vereadoras e prezados vereadores,

chegou para a análise desta Casa o projeto de lei do executivo n 08 de 2015, referente ao Plano Urbanístico para o Cais de Santa Rita, Cais José Estelita e Cabanga, exigido pelo Plano Diretor da Cidade do Recife, em seu art. 193, XIII. Apesar da exigência pelo Plano Diretor e também da previsão, no caso específico do Cais José Estelita, desde a lei 16550 de 2000, a confecção desse plano urbanístico só começou a se tornar realidade após a intensa pressão da sociedade civil, motivada pela ameaça do Projeto Novo Recife e  iniciada pelo grupo Direitos Urbanos nesta mesma Casa Legislativa desde uma audiência pública em março de 2012. Essa mobilização tomou corpo, fez do tema do planejamento urbano um assunto de conversa cotidiana das pessoas na cidade e encarnou-se nas ruas e nas redes sociais em diversos protestos que culminaram com a ocupação do Cais José Estelita em maio de 2014, quando o Consórcio Novo Recife iniciou a demolição ILEGAL dos armazéns de açúcar do Cais.

Se cobrávamos desde 2012 a elaboração de um Plano Urbanístico para a definição do futuro do Estelita, é porque cobrávamos, como continuamos cobrando, a submissão do interesse dos empreendendores privados, voltado a tirar do solo urbano o máximo de mais-valia o mais rápido possível, ao interesse público, pensado a partir de uma visão global de que cidade nós queremos, considerando a sustentabilidade das formas de ocupação do espaço urbano, sua integração com a cidade de quase quinhentos anos e a inclusão sócio-espacial de sua população. Um plano urbanístico de verdade partiria de uma visão de cidade, construída a partir dos anseios de sua população com a mediação de técnicos de dentro e de fora do poder público para só aí se traduzir num projeto de lei. Mas não foi isso que chegou à Câmara.

O que a Prefeitura apresentou foi a completa inversão e perversão do planejamento urbano: construiu a parte formal do que seria uma visão do todo, a minuta de lei formalmente correspondente a um plano urbanístico, aceitando como sua premissa principal o dado de três grandes empreendimentos privados na área (dois já conhecidos, o Projeto Novo Recife e o Porto Novo, e outro no Cabanga, ainda não apresentado fora dos gabinetes da Prefeitura). A partir dessa premissa, construiu um simulacro de visão de cidade ao redor deles. E o fez num processo açodado, marcado por irregularidades, o que fez com que o plano chegasse à Câmara gravado por diversos vícios:

  1. Ausência de estudos preliminares obrigatórios, como um estudo aprofundado da mobilidade na área, incluindo a análise dos impactos no sistema de transporte público da região; um levantamento detalhado sobre o patrimônio histórico existente na área; um estudo sobre os efeitos dos empreendimentos previstos sobre o preço do solo e o risco de expulsão da população de baixa renda, dentre outros. Este projeto de lei autoriza um adensamento na ordem de mais de 600 mil m² e a provável atração de mais de dez mil automóveis para área sem ter havido qualquer cuidado com um diagnóstico detalhado da capacidade da infra-estrutura urbana suportar esse adensamento e sem um estudo dos efeitos desse adensamento sobre o Centro da Cidade.
  2. O projeto de lei não levou em consideração precauções quanto ao patrimônio histórico-cultural já reconhecido na área e uma das principais motivações para as manifestações que aconteceram. Não houve escuta do IPHAN, que recentemente inscreveu a área operacional do Pátio Ferroviário no registro da Memória Ferroviária Brasileira. Não se levou em consideração a candidatura do Forte das Cinco Pontas a Patrimônio da Humanidade e o impacto que empreendimentos na área poderiam ter sobre ela.  Não houve o reconhecimento do significado cultural inequívoco das edificações remanescentes na área do Cais, significado que se tornou ainda mais forte e arraigado na memória da cidade depois dos #OcupeEstelitas e da ocupação do interior do Cais, chegando a juntar mais de dez mil pessoas num dia festivo.
  3. O projeto de lei passou por cima do Plano Diretor, permitindo na área do Estelita uma área construída quase três vezes maior do que a do Plano Diretor e reduzindo a taxa de solo natural de 50% para 10%. Pior do que isso: o Plano se choca com as diretrizes que decorrem da definição daquela área como uma Zona de Ambiente Natural  e também com os objetivos previstos pelo Plano Diretor para esse tipo de plano específico, que incluem “promover a inclusão sócio-espacial” (art. 194, II) e “reabilitar e conservar o patrimônio histórico da cidade” (art. 194, IV). Todo esse desacordo com a lei que a Constituição Federal prevê como o instrumento básico da política urbana (art.182, §1º) torna inconstitucional o projeto de lei apresentado.
  4. O artigo 22 do projeto de lei em questão, ao permitir a construção de empreendimentos aprovados antes desta lei conforme os parâmetros da lei vigente à época, concede ilegitimamente ao empreendedor um direito adquirido de construir não reconhecido no ordenamento jurídico nacional, conforme reiterado pronunciamento do STF. Mas, de forma mais grave, dá ao empreendedor a capacidade de implodir unilateralmente um longo processo de participação e de planejamento da cidade, tornando o presente projeto de lei um pedaço de papel sem valor.
  5. O processo de discussão no Conselho da Cidade foi feito de forma irregular, descumprindo diversas previsões regimentais, como a necessidade de discussão do plano e das contribuições da audiência pública em uma Câmara Técnica, ocasião na qual as propostas da sociedade poderiam ser de fato incorporadas ao plano. Mas isso não aconteceu e o plano foi aprovado às pressas, da forma como a Prefeitura e o mercado imobiliário queriam, tratando a participação popular na gestão urbana, que deve se fazer presente desde o momento de diagnóstico e elaboração do plano, apenas como uma formalidade incômoda.

Um processo de participação irregular, meramente formal, sem que tivesse havido diálogo real com a população a respeito do que os recifenses queremos para uma área absolutamente simbólica e estratégica para o futuro da Cidade do Recife, resultou num plano com ajustes meramente cosméticos no Projeto Novo Recife e que não mudaram a sua natureza segregadora e excludente, abrindo ainda caminho para outros projetos de igual natureza.

Tivesse a Prefeitura realmente escutado as manifestações da sociedade civil que vêm desde 2012, haveria incorporado ao projeto de lei medidas tais como (a) determinação de uma cota de habitação de interesse social como contrapartida obrigatória de grandes empreendimentos na área; (b) ampliação da área do plano para incluir toda a Ilha de Antônio Vaz ou, pelo menos, o território que vai do Cais José Estelita até as margens do Capibaribe; (c) proteção como Imóvel Especial de Preservação dos imóveis na área do Estelita; (d) redução significativa do gabarito dos novos empreendimentos na área com a finalidade de preservar a paisagem e a harmonia do skyline do bairro de São José; (e) previsão de comércio popular na área, inclusive com a implementação de novos mercados públicos; (f) redução drástica das vagas de estacionamento obrigatórias ou permitidas com desconto no coeficiente de utilização.

Mas ficou patente que esse processo irregular e esse teatro de participação popular se destinaram somente a dar um amparo legal tardio a interesses privados na área do plano sem considerar os anseios e as necessidades dos diferentes habitantes da cidade e os interesses das futuras gerações a um ambiente urbano justo e equilibrado e à permanência da memória do Recife. A Câmara Municipal do Recife ainda pode reduzir danos, aprovando emendas que alterem a natureza segregadora e destruidora deste plano. Mas o que o grupo Direitos Urbanos reivindica é que, diante de todas irregularidades relatadas, o PLE nº 08/2015 seja REJEITADO para que seja reiniciado corretamente o processo de elaboração de um plano que a cidade do Recife realmente necessita.

Grupo Direitos Urbanos|Recife

Recife, 10 de abril de 2015

NOTA COLETIVA DE ASSOCIAÇÕES, COLETIVOS E ENTIDADES DO RECIFE SOBRE O PROJETO NOVO RECIFE

Faixa colocada no último #OcupeEstelita com entidades e movimentos do Coque que apoiam a luta contra o Projeto Novo Recife

Faixa colocada no último #OcupeEstelita com entidades e movimentos do Coque que apoiam a luta contra o Projeto Novo Recife

NOTA COLETIVA DE ASSOCIAÇÕES, COLETIVOS E ENTIDADES DO RECIFE SOBRE O PROJETO NOVO RECIFE

DENUNCIA DO SEQUESTRO DA REPRESENTAÇÃO DO POVO E APELO DE CORAÇÃO: NOVO RECIFE, NÃO!

Ontem saiu uma matéria no Jornal do Comércio sobre as expectativas em relação ao projeto Novo Recife: três moradores do Coque e dos Coelhos defendem o projeto e a matéria se posiciona como se estivesse falando em nome das comunidades inteiras. Além de não dar voz aos ditos “movimentos sociais” contrários ao Novo Recife, a matéria também deixa de mencionar que, entre esses movimentos, incluem-se também associações das próprias comunidades referidas.

A presença forte dos movimentos sociais das comunidades do Recife no último #OcupeEstelita, inclusive as citadas na matéria, comprova que a defesa do projeto Novo Recife não é consenso dentro delas. Existe a consciência de que empreendimentos como este, não só não os incluem, como prejudicam a eles e a toda a cidade.

Frei Aloísio, figura conhecida da Igreja progressista e das lutas do Coque, foi protestar contra o Projeto Novo Recife no #OcupeEstelita+1

Frei Aloísio, figura conhecida da Igreja progressista e das lutas do Coque, foi protestar contra o Projeto Novo Recife no #OcupeEstelita+1

Uma leitura minimamente atenta da matéria revela os argumentos questionáveis que procuram defender o projeto e sua perversidade:

1) o abandono atual da área como justificativa para aceitação de qualquer coisa que se construa ali, até 13 torres de 40 andares isoladas por muros e assentadas sobre gigantescas caixas de estacionamento;
2) a expectativa pelas vagas de emprego com os piores salários e menor qualificação, sem a menção da imensa improbabilidade de que os moradores do entorno se tornem usuários plenos do trecho de cidade que se pretende construir ali;
3) a esperança de dinamização do comércio local, sem considerar que a valorização fundiária por um modelo de cidade que preza pela exclusividade e não pela diversidade tende a expulsar e substituir não só os moradores como também o pequeno comércio e pequena indústria do entorno;
4) a confusão entre empreendedorismo e desenvolvimento.

A história nos ajuda a compreender as estratégias de captura de representação do povo: em 13/02/85 foi publicada uma matéria chamada “Moradores aprovam Shopping” que falava sobre um projeto de construção de um shopping center em terreno do Coque (reproduzida abaixo). A matéria tentava abafar a resistência no bairro que depois se mostrou tão forte a ponto de não apenas barrar a implantação do Shopping, como também efetivar a lei das Zonas Especiais de Interesse Social, que protegem o direito a moradia. Mais de 20 anos depois, acessamos essa mesma matéria para relembrar o poder público dos absurdos que estavam fazendo no Coque. Agora, os absurdos são para com a cidade como um todo. Seu centro, seu lugar de vida, poesia, memória.

Mapa no espaço da roda de diálogo entre comunidades no #OcupeEstelita+1 mostra como o Novo Recife é uma peça em um grande plano que incluía o Polo Jurídico e o Porto Novo

Mapa no espaço da roda de diálogo entre comunidades no #OcupeEstelita+1 mostra como o Novo Recife é uma peça em um grande plano que incluía o Polo Jurídico e o Porto Novo

Espanta-nos estas estratégias de sequestro de representação e a utilização de argumentos como se o morador de espaços pobres quisesse o desenvolvimento imediato e os movimentos sociais quisessem negá-lo. Longe disso: queremos que esses projetos sejam amplamente discutidos pelas instâncias comunitárias e populares.

Espanta-nos que, gestão após gestão, o poder estabelecido não seja capaz de inovar e se deixar ouvir a ampla pressão da sociedade civil para que o projeto seja revisto e as prioridades invertidas: ao invés de privilegiar o poder econômico das empreiteiras, que se privilegiem as relações humanas, os direitos à memória e à paisagem, a revitalização do centro a partir de seus próprios moradores e não por blocos de cimento em cima da memória da cidade.

Espanta-nos uma cidade onde se morre no mar, morre-se na calçada ao se passear com um cachorro, morre-se de bicicleta por não haver espaço para os ciclistas que pedalam no dia-a-dia. Morre-se de filariose e de leptospirose. Morre-se de chuva nos morros.

De que desenvolvimento estão falando?

Desejamos compartilhar essa denúncia e o prenúncio do surgimento de um pensamento de alvorada: que o nosso desejo, de multidão intensa e com muitos nomes, possa por fim a tanto desespero em nome de um progresso que não nos diz respeito.

No primeiro #OcupeEstelita, manifestantes já cobravam a preservação das ZEIS e apontavam para a ligação entre o projeto Novo Recife e as ameaças às comunidades carentes

No primeiro #OcupeEstelita, manifestantes já cobravam a preservação das ZEIS e apontavam para a ligação entre o projeto Novo Recife e as ameaças às comunidades carentes

É preciso perguntar ao recifense o que ele deseja daquele lugar. Será que a maioria responderia que são torres imensas, que agridem a paisagem com uma altura incompatível com a história e a memória do bairro de São José? Como bem definiu a arquiteta paisagista e professora Lúcia Veras:

Paisagem é identidade de um povo, porque é produto de uma relação necessária que o homem estabelece com a natureza para se consolidar e construir o seu território. Quando se destrói uma paisagem, perde-se de forma irreversível parte desta identidade, da memória e dos valores que se manifestam naquilo que é visível e que o olhar apalpa, mais ainda, aquilo que revela as especificidades dos lugares, das cidades, da sua história e das formas de se viver e de se interagir. Sendo produto coletivo, a paisagem é um direito de todos. Todos têm o direito à paisagem! […] O projeto Novo Recife destrói a paisagem do Velho Recife. […] O histórico bairro de São José do Recife, mais ainda, guarda o ‘espírito do nosso lugar’, conservando na linha de horizonte um panorama citadino onde, mesmo entre tempos distintos da Paisagem, é mantido o perfil horizontal que foi captado nas gravuras do século XVII de Franz Post. Entre dois terços de céu e um terço de água, a Mauritiopolis pintada por Post ainda pode ser identificada no Recife que se chega pelas águas. Esta é a última paisagem do Recife que, genuinamente, ainda guarda este patrimônio paisagístico.

Sob o apelo do “progresso” iremos continuar a destruir a nossa memória, a nossa história, o nosso passado, os nossos recursos naturais? Já não basta o horror e a violência que estão fazendo com as nossas águas e com um dos maiores manguezais urbanos do país, com a construção da Via Mangue?

Prefeito, o senhor quer ficar na história como o prefeito que transformou essa cidade em uma Selva de Pedra, construindo por cima dos nossos mangues, das nossas águas e da nossa paisagem?

Basta desse modelo de desenvolvimento depredador que dilapida o patrimônio cultural, ambiental e viola os direitos adquiridos de moradores que construíram suas existências nesses espaços. Não vamos nos contentar com essas migalhas apelidadas de progresso. Com esse modelo, o Recife está na contramão da história, não honrando a tradição do bom urbanismo, da boa arquitetura e da boa engenharia, que tantos mestres que já partiram defendiam e que ficariam horrorizados com o processo destrutivo de cidade que vem ocorrendo.

O Recife merece mais e melhor. E seus moradores também.

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Assinam a nota:

Ação Darmata / Alunos das Graduações e Pós-Graduações de Comunicação Social, Geografia, Sociologia, Educação e Desenvolvimento Urbano da UFPE / Associação Esperança do Coque / AVIPA – Associação dos Moradores da Vila do Papelão (Casinha) / Banda Palafita (Afogados) / Biblioteca Comunitária Amigos da Leitura (Alto José Bonifácio) / Biblioteca Popular do Coque / Centro de Cultura Luis Freire (CCLF)/ Centro de Estudos Budistas Bodisatva de Pernambuco – CEBB / Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social – Cendhec / Centro Popular de Direitos Humanos – CPDH / Cine Coque / Coletivo de Luta Comunitária – CLC / Coletivo Desclassificados (Coque) / Comitê Popular da Copa PE / Copa Favela 2014 / Coquearte (Coque) / Espaço Rosa dos Ventos / FERU – Fórum Estadual da Reforma Urbana / Habitat para a humanidade/ Igreja de São Francisco de Assis do Coque / Movimento Arrebentando Barreiras Invisíveis – MABI (Coque) / Movimento de Direitos Urbanos / Núcleo de Assessoria Jurídica Popular (Najup) / NEIMFA – Núcleo Educacional Irmãos Menores de Francisco de Assis (Coque) / Núcleo de Comunicação Caranguejo Uçá (Ilha de Deus) / Ponto de Cultura Espaço Livre do Coque / Pré-Vestibular Paideia (Coque) / Rádio Lama (Roda de Fogo) / Rede Favos – Favelas Organizadas e Solidárias (Coelhos) / Rede Coque Vive / Resistência Popular de Pernambuco

 

Tentativa de capturar algumas representações das comunidades para falar a favor de projetos de interesse do capital imobiliário já é antiga.  (via Coque Vivo)

Tentativa de capturar algumas representações das comunidades para falar a favor de projetos de interesse do capital imobiliário já é antiga. (via Coque Vivo)

A opinião do próprio Engº José Estelita sobre preservação do Patrimônio Histórico

José Estelita, Forte do Buraco e preservação

por Rodrigo Cantarelli, maio de 2013

 

O Recife hoje discute o papel de divisor de águas que o Cais José Estelita deveria exercer na forma equivocada como a cidade tem crescido nos últimos anos, marcada pela redução na qualidade dos seus espaços urbanos e pelo desrespeito a uma paisagem construída por quase cinco séculos de crescimento. Curiosamente, para a figura que dá nome ao lugar, o Engenheiro José Estelita, essas eram questões muito caras.

Formado pela Escola de Engenharia do Recife, Estelita além de ter trabalhado por muitos anos no Porto do Recife, onde exerceu cargos importantes como o de Diretor de Docas e Obras, também se envolveu com diversos projetos importantes na cidade, como a Avenida Guararapes, e chegou a ser professor de Urbanismo da Escola de Belas Artes do Recife. Bastante erudito, através de artigos publicados nos jornais e em outros periódicos da cidade, o engenheiro discutiu os problemas urbanos locais, relacionando-os aos de outras grandes cidades, se preocupado com a paisagem construída e a interação da cidade com os rios e o mar.

No final da década de 1920, quando Pernambuco começou a organizar a preservação do seu patrimônio arquitetônico através da criação da Inspetoria Estadual dos Monumentos Nacionais, num artigo publicado no dia seis de janeiro de 1929 no jornal A Província, José Estelita discutiu a iniciativa pioneira do governador Estácio Coimbra de uma forma bem direta, mostrando o arruinamento do Forte do buraco e a importância da questão patrimonial aqui e em outros lugares. Embora já tenha passado mais de oitenta anos da publicação, e o Forte ainda esteja abandonado, o texto apresenta questões por demais atuais.

[obs do editor: os destaques do texto abaixo não estão no original]

Forte do Buraco, Recife, 1912

Autor não identificado, 1912
Forte do Buraco
Coleção Benício Dias, acervo Fundação Joaquim Nabuco.

 

Pernambuco deve organizar a defesa dos seus monumentos

Devemos organizar um serviço de proteção aos sítios e monumentos de interesse não só histórico como artístico.

por José Estelita

Para evitar os constantes atentados ao nosso patrimônio artísticos e por temor aos desaparecimentos que se tem verificado do que se relaciona ao nosso passado histórico, o Congresso Legislativo do Estado discutiu e aprovou em julho do ano p. passado o projeto n.º5.

Este projeto autoriza o governo a criar um serviço de defesa do nosso patrimônio artístico e histórico e também um museu de arte retrospectiva que lhe deverá ser anexo, destinado a recolher tudo quanto tiver interesse histórico e artístico nacional ou regional.

O governo tomará as medidas necessárias para a conservação de todos os monumentos históricos e artísticos existentes no Estado, promovendo o levantamento de um inventário das obras que ofereçam qualquer interesse artístico ou histórico e a desapropriação por critério de utilidade pública do que convier.

Os monumentos nacionais sujeitos à inspeção do Estado não poderão sofrer modificações ou outros quaisquer reparos sem licença prévia do governo.

É uma ideia digna de amparo por parte da atual administração pública do Estado.
Tenho para mim que não haverá de ser um departamento público de resultados inúteis àquele que tomasse ao seu cargo, por meio de pessoas criteriosas, honestas e inteligentes, a defesa dos nossos objetos e monumentos legados pelas gerações passadas.

Deste modo procuram agir nos dias correntes as mais cultas nações do universo.
Defender, inteligentemente, o interesse geral contra o interesse particular, procurando salvaguardar o interesse do futuro, isto é, garantindo por lei os objetos e monumentos históricos e naturais sem preocupações exclusivas com o interessado presente, tem sido, de algum tempo a esta parte, a norma de ação surgida por todos os povos de grande cultura.

 

O abandono dos nossos monumentos históricos

Tenho nas mãos um excelente estudo do conhecido engenheiro Raoul de Clermont, membro da “Societé Française des Urbanistes”, onde ele nos mostra que a legislação de todos os países do mundo tem regulamentado a proteção dessas riquezas históricas e também das riquezas naturais.

Ao lado dos monumentos e das obras primas do passado, devidas exclusivamente à arte humana, existem em cada país monumentos naturais, sítios admiráveis pela sua rara beleza e que na opinião desse engenheiro bem mereciam os cuidados e a proteção dos poderes públicos.

Na vida de um povo as gerações transmitem as suas intelectualidades sucessivas, os seus hábitos, as suas riquezas, finalmente, tudo quanto Clermont denomina o capital Pátria.
Este capital, produto do esforço, da vontade, da inteligência e do talento manifesta-se pelos monumentos da arquitetura do passado que, pelas suas perfeições, sobrevivem aos séculos, manifesta-se também pelas obras primas das artes gráficas e plásticas que ornam os nossos museus, os nosso palácios e as nossas igrejas.

Assiste-nos, portanto, o dever de conservar com o máximo carinho esse capital para que possamos transmiti-lo, intacto, às futuras gerações, não se poupando esforços em preservá-lo tanto quanto possível da degradação, do abandono ou da destruição completa.

Infelizmente no Brasil não se tem procurado defender, mas destruir o que nos legaram as gerações passadas.

O autor do projeto n.º5 mostrou num interessante discurso apresentando o mesmo à baixa câmara estadual a que ficaram hoje reduzidas as igrejas de Igarassu, de Olinda, a capela da Ordem Terceira de S. Francisco, etc., finalmente, os nossos monumentos religiosos, “sobre os quais as tem abatido o furor de um pretenso modernismo e que outra coisa não tem conseguido senão destruir tudo quanto nos deixaram os nossos antepassados.”

Por um milagre não foi sacrificada a igreja da Madre Deus pelas obras de melhoramento do Porto.

O forte do picão sobre os recifes emergentes nada possui que demonstre hoje ter sido aquilo uma fortaleza. A fortaleza do Buraco apresenta ao viajante o aspecto mais desolável.

 

Ruínas da fortaleza do Buraco

Por conta da Repartição das Obras complementares do Porto, no último ano da administração passada, esteve ao meu cargo o término dos trabalhos do Molhe de Olinda, onde, para completa proteção do cabeço, tive de jogar com aparelhamento mecânico cerca de 10.000 toneladas de blocos naturais de primeira e segunda categorias.

Construí também na mesma ocasião os dois faroletes que iluminam a boca da barra ou a entrada do ancoradouro.

Na impossibilidade de fácil transporte marítimo fazia pela manhã e à tarde a minha viagem de fiscalização aos serviços técnicos num pequeno trolley empurrado por um homem, trolley que deslizava sobre a linha férrea disposta por cima dos enrocamentos lançados para facilitar o acesso à raiz do Molhe.

Eu era assim obrigado a passar duas vezes por dia junto às ruínas da velha fortaleza do Buraco. Vez por outra saltava do meu trolley e passava bons quartos de hora a me distrair no interior do antigo forte, passeando por sobre aquelas monstruosas paredes já desaprumadas.
O que mais me prendia era observar a audácia do sistema de construções de outrora.
Como me doía n’alma o descaso injustificável em que se encontravam aquelas vetustas paredes de alvenaria de pedra, algumas já soltas, em amarração no resto do edifício, paredes construídas com formidáveis espessuras, mas de material de primeira ordem e numa época em que os estudos técnicos de resistência eram um mito.

Ainda se observam debaixo dos escombros uns quartos que o vigia dos meus trabalhos me diziam servirem exclusivamente para abrigar durante uma noite vagabundos, mendigos, malfeitores procedentes das cidades de Recife e Olinda.

Não fosse o enrocamento de blocos naturais destinados à passagem da linha férrea, que de algum modo tem protegido os alicerces dos muros de contorno, e tudo aquilo já teria desaparecido, solapado pela impetuosidade das altas marés equinociais ou de sizígia.

O abandono em que se achava o forte do Buraco era completo, integral, absoluto. Nas minhas visitas costumeiras, muitas ocasiões houve em que me punha a pensar no modo pelo qual em nenhum aparelhamento mecânico poderiam os construtores ter levantados aqueles muros colossais empregando blocos naturais de toneladas.

Com recursos técnicos atuais ainda se explica. A mim, na obra do Molhe de Olinda, tudo era fácil, por não me faltavam resistentes cabos de arame de aço, modernos cadertaes (sic) de madeira, boas talhas de ferro, guindaste móvel, derrick (sic), etc., para levar blocos pesadíssimso e ter fiel desempenho à tarefa que me fora confiada.

A eles, porém, dos construtores daqueles muros formidáveis, como tudo deveria ter sido difícil…

Que trabalho insano não teria dado o levantamento de altas paredes com blocos naturais de toneladas… Como poderiam ter agido numa época em que não existia a mais ligeira aparelhagem mecânica e em que tudo era feito contando-se apenas com o fogo do patriotismo, o valor da boa vontade e as energias exclusivas do braço humano… E dizer-se que tudo aquilo está desaparecendo aos poucos, progressivamente, no mais lastimável descuido, e pensar-se que há de chegar um dia em que nada mais existirá se os homens animados de boa vontade e de cultura não vierem amparar o nosso patrimônio histórico.

Em qualquer país da Europa ou na América do Norte o forte do Buraco não teria chegado a semelhante estado de ruínas.

Não é de hoje que os povos adiantados têm procurado agir no sentido de uma proteção eficiente aos monumentos do passado.

O que se tem feito no estrangeiro

Em 1899 já o deputado M. Robert apresentara na câmara um projeto sobre a conservação dos monumentos históricos da França, tendo Georges Leygues proposto que a defesa deveria abranger também os monumentos naturais e legendários.

Reauquier, Maurice Faure, Dubuisson, Bérenger e outros muitos se associaram às ideias.
Em abril de 1906 o congresso deliberou e o presidente da França promulgou uma lei de reforma aos dispositivos já existentes no país.

De lá a esta parte ficou organizados um serviço de proteção aos sítios e monumentos naturais de interesse não só histórico como artísticos.

O artigo primeiro da lei autorizava formar-se uma comissão permanente para cuidar do assunto que seria constituída pelo prefeito da cidade, o engenheiro chefe do saneamento, o engenheiro chefe do serviço florestal, dois conselheiros gerais eleitos por seus colegas e mais cinco membros escolhidos pelo conselho geral entre as notabilidades em artes, ciências e literatura.
Em novembro de 1913 teve lugar uma conferência na cidade de Berne para examinar as medidas internacionais que se deveriam tomar para proteção das riquezas naturais nos diversos países.
No ano de 1905 o “Congrés de Associatien Littéraire et Artistique” estudou em Liége um projeto de lei relativa a defesa do patrimônio nacional.

Ficou assentado tratar-se da reação de um pequeno museu em cada povoação e onde fosse reservada uma vitrine para a história dos costumes e objetos referentes à arte popular, aos usos e às festas das localidades. Num congresso organizado em 1910 pela “Association Littéraire et Artistique Internationale”, em Luxemburgo, o Engenheiro Raoul de Clermont apresentou um interessante estudo e concluiu pedindo que fosse aprovado o seguinte:

  1. Que em cada país medidas legislativas fossem tomadas para garantir a conservação dos monumentos do passado, dos monumentos naturais e paisagens e sítios interessantes no ponto de vista artístico, histórico ou legendário.

  2. Que fosse dada fiel execução ao projeto do presidente Roosevelt, da América do Norte, de se organizar uma Conferência Internacional em Haia para a perfeita unificação, na medida do possível, das leis concernentes nos diferentes países à proteção dos monumentos aproveitáveis no ponto de vista artístico, científico, legendário e histórico.

  3. Que fosse criada uma federação internacional de todas as sociedades do mundo para a completa preservação das riquezas naturais e regionais.

  4. Que medidas legislativas fossem tomadas para a extensão racional, científica e artística das povoações e cidades.

No congresso de Schveningue, em 1913, Clermont ainda apresentou outras ideias, como a de incentivar por meio de concursos e distribuição de prêmio a arte popular, os usos, as festas e os costumes regionais.

Podia citar inúmeros outros congressos, conferências organizadas na Norte América no sentido de se estudar medidas legislativas a respeito da matérias.

Até no Japão já se tem procurado legislar nesse particular. O projeto n.º 5 discutido no congresso deste Estado, não está, portanto, fora de propósito, não autoriza a criação de departamento inteiramente inaproveitável ou inútil.

Não será o serviço de defesa ao nosso patrimônio histórico nacional uma inutilidade desde que as pessoas escolhidas para o desempenho da tarefa sejam tiradas dentre as que se dedicam com carinho ao assunto e tenham dado prova de cultivo, critério e inteligência.

 

A moral e a bioética do Recife em questão (Entrevista de Leonardo Cisneiros no portal de Luis Nassif).

Na sexta-feira (29/03/2013) foi publicada essa excelente entrevista concedida por Leonardo Cisneiros ao jornalista Antonio Nelson para o portal do Luis Nassif (original, aqui). Nela, um dos membros mais atuantes do grupo Direitos Urbanos fala sobre diversos aspectos da atividade do grupo, relatando suas características e funções, percorrendo as práticas, as reflexões e preocupações que vem dando novo contorno ao debate sobre os destinos da cidade do Recife. Ao falar do grupo pra fora, Leonardo dá uma explanada na cena geral e termina por explicar bem, tanto para quem está aqui imerso nos problemas, como também para quem está fora, a situação de Recife e de Pernambuco. As articulações feitas por ele durante toda a entrevista entre a realidade local e a de outros centros urbanos do país costuram uma lembrança de um antigo mote analítico: não é o acidente que explica a história, apesar dele aparecer como principal responsável por tudo aquilo que a necessidade histórica produziu. Apesar disso fazemos parte da história, no que ela tem de acidente e de necessidade. Abaixo, a entrevista. Imperdível.

Leonardo Cisneiros em visita ao Cais José Estelita.

Leonardo Cisneiros em visita ao Cais José Estelita.

Antonio Nelson – Você é professor nas áreas de Filosofia da Ciência e Ética/Bioética da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Por que a Filosofia?

Leonardo Cisneiros – Pergunta complexa. Mas acho que uma resposta simples é o interesse pelo debate público que está na filosofia. No começo, um interesse por política vem da minha família, bem politizada, e dos meus pais, que eram jornalistas de política em Brasília, onde vivi por um tempo na infância. E depois outra grande influência foi o Colégio Marista, onde tive um ótimo professor de filosofia, Evandro Costa, e todo um ambiente em que o debate crítico era muito estimulado. Tanto é que muitas amizades formadas àquela época do Marista permanecem hoje nas discussões e brigas no blog Direitos Urbanos.

De forma menos pessoal, eu não consigo deixar de ver na filosofia uma preocupação com questões que estão ao nosso redor. Não concordo com a tentativa de proteger a filosofia de uma concepção tecnocrática de educação, respondendo que ela é um fim em si mesmo, rejeitando por completo qualquer papel instrumental que ela possa ter. A abordagem filosófica de certos problemas tem um potencial de trazer uma nova compreensão deles, com implicações práticas, como mostra, por exemplo, no âmbito do DU, as discussões que meu amigo Érico Andrade, professor de filosofia da UFPE, faz do problema da mobilidade. E no âmbito nacional, diversas questões que têm mobilizado o noticiário político nacional tocam em dificuldades que são problemas filosóficos históricos, como a definição e critério de igualdade perante a lei na discussão das cotas e da união homoafetiva no STF, o problema da personalidade moral no caso do aborto de anencéfalos. Ou a defesa do Estado Laico diante do aumento de um discurso conservador intolerante.

Antonio Nelson – Por que o apreço pela Ética/Bioética?

Leonardo Cisneiros – A escolha profissional tem um bocado de acaso. Minha pesquisa vinha sendo em outras áreas. Mas para simplificar a resposta, posso dizer que ensinar filosofia com uma abordagem nessas áreas tem um aspecto bastante gratificante.Poder trazer para a aula esse impacto da filosofia sobre discussões atuais e iluminar a complexidade de problemas que aparecem no noticiário e muito frequentemente sem aprofundamento. Então, é interessante usar as mudanças do Código Florestal, ou a ideia dos créditos de carbono para falar dos limites do utilitarismo, ou usar o caso da proibição do véu na França para falar se a autonomia tem limites ou não. O mais iluminador e, ao mesmo tempo, divertido é poder sair de um recorte de jornal e mostrar como se pode chegar a discutir problemas tão fundamentais como a natureza da vontade.

Antonio Nelson – Você é o autor e está na linha de frente da Carta ao Prefeito Geraldo Júlio, abaixo-assinado pelo blog Direitos Urbanos I Também é autor do blog? Quais os principais personagens estão na mobilização do abaixo-assinado e do blog?Cidadãos: estudantes, docentes, artistas locais e intelectuais de Pernambuco?

Leonardo Cisneiros – No blog nós tentamos consolidar as discussões que acontecem no grupo. Ele funciona mais como uma ferramenta auxiliar do grupo de discussão, que é onde de fato acontece o debate mais intenso. Como o Facebook é uma ferramenta extremamente falha para a organização de informações mais extensas e consolidadas. Foi preciso usar um blog como arquivo ou para hospedar textos maiores, como um abaixo-assinado ou um manifesto. As pessoas que cuidam do blog e que moderam o grupo, e postam na fanpage são algumas que estão no grupo desde sua criação, e costumam acompanhar com maior frequência. Mas há o contínuo cuidado para que esse grupo não acabe virando uma espécie de coordenação, e que o peso do debate e das deliberações permaneça sempre no grupo aberto do Facebook.

Nesse grupo tem muita gente da área de arquitetura e urbanismo.  Mas também muitos sociólogos, alguns filósofos, muita gente da área jurídica e muitas pessoas de artes, como designers, cineastas, fotógrafos etc. Destaquei esses grupos específicos porque são um bom exemplo de como a discussão pelas redes sociais permite juntar habilidades e conhecimentos diversos, além de produzir novos conhecimentos. E uma análise mais aprofundada e completa dos problemas. O exemplo mais claro disso são as ações judiciais contra o Novo Recife: sem a comunicação intensa entre o pessoal do direito com o pessoal do urbanismo, teria sido muito difícil encontrar todas as falhas legais do projeto.

Antonio Nelson – O que está em jogo com o Projeto Novo Recife?

Leonardo Cisneiros – Estão em jogo duas coisas. Uma, que diz respeito à natureza do projeto: o risco de perder uma enorme oportunidade de fazer um projeto que efetivamente dê uma nova dinâmica para o centro da cidade. Que sirva como o marco de uma mudança na maneira como a metrópole cresce e se desenvolve. Em um terreno daquele tamanho, numa posição tão estratégica na cidade (na articulação entre diversos eixos viários e numa das mais espetaculares paisagens do Recife), fica mais patente o absurdo do modelo de ocupação do solo segregador, de condomínios fechados e conduzido somente pelos planos de curto prazo da iniciativa privada. Mas outra coisa que está em jogo, como foi ficando mais claro com o desenrolar do embate com a prefeitura, é a defesa da própria moralidade da administração pública e das instituições. “O que ficou explícito é que esse modelo de desenvolvimento urbano só se tornou possível com a conivência, passividade e, em muitos casos, ajuda ativa de um poder público que abdicou do dever de planejar o futuro da cidade e defender o interesse coletivo”.

A análise das falhas do processo de aprovação do Novo Recife mostrou uma catástrofe institucional formada por leis não regulamentadas, licenciamento ambiental sem os devidos estudos de impacto, completo desprezo pela transparência e participação popular, e extrema conivência com falhas na formação dos processos de licenciamento. Só para ilustrar bem isso: um dos pontos da Ação Civil Pública impetrada pelo Ministério Público estadual mostra que o projeto foi protocolado e aceito para análise sem documentos relativos ao parcelamento do solo cuja falta, segundo um decreto municipal, impediria o próprio protocolo do projeto na prefeitura. Isto é, como diz o decreto, não poderia ter sequer sido gerado um número de protocolo para o projeto. No entanto ele foi aceito e levado adiante mesmo que o processo de parcelamento do solo só viesse a ser protocolado três anos depois! Tudo isso para garantir índices construtivos anteriores ao Plano Diretor, já que o Plano veio considerar aquela área como uma área de relativa proteção ambiental, com índices construtivos três vezes menores do que os apresentados no Projeto Novo Recife.

ntonio Nelson – O que significa Pernambuco para você?

Leonardo Cisneiros – Bem, claro que tenho uma ligação de afeição, uma relação pessoal com o estado em que nasci, cresci, e ainda mais tendo me embrenhado nele no tempo em que morei no Sertão. Mas fico sempre com medo, diante de uma questão como esta, de cair num papo de pernambucanidade tão cultivado por aqui. A gente brinca, entra nesse jogo do orgulho da pernambucanidade. Canta o hino do estado até no carnaval, mas a impressão que tenho é que, em algum momento, essa brincadeira acaba levada a sério demais e embaça a percepção dos nossos problemas. Pernambuco viveu muito tempo na inércia da autoestima dos tempos em que era uma potência econômica por causa do açúcar, mas os efeitos da decadência econômica dos anos 80 e 90 foram bastante profundos. Houve, na última década, uma retomada do crescimento econômico extremamente pujante, sobretudo por causa dos investimentos federais em grandes obras de infraestrutura, e não nego a importância dessas políticas anticíclicas para colocar a economia nacional e a do estado de volta em movimento.

Porém, acho que o momento agora é de pensar se aproveitamos bem essa oportunidade para consolidar ganhos sociais reais e de longo prazo. O que vi, quando morava em Serra Talhada entre 2006 e 2011, foi muito dinheiro entrando na economia com obras como a Transnordestina, mas sem transformar a economia da cidade de maneira mais duradoura. E na parte social isso é mais gritante ainda. A educação pública em Pernambuco, por exemplo, é uma catástrofe. Os limites do modelo de desenvolvimento também se revelam claramente na forma como a proteção do meio ambiente é considerada só um entrave, um aborrecimento. Com a postura de que o meio ambiente é sempre descartável diante do “interesse social” de uma certa forma de incentivar o desenvolvimento, o atual governo do estado já autorizou, por exemplo, o desmatamento de quase mil hectares de vegetação nativa em áreas de preservação permanente no entorno do Porto de Suape.

Antonio Nelson – Quanto à ética jornalística e o interesse público em Pernambuco. Qual sua análise da cobertura midiática sobre o Projeto Novo Recife?

Leonardo Cisneiros – A cobertura da mídia tradicional segue os mesmos problemas da mídia no Brasil: vinculação com interesses políticos e econômicos que distorcem claramente a apresentação dos fatos. É claro que a maioria dos repórteres são bem intencionados, querem fazer seu trabalho direito e muitas vezes se identificam com as demandas do grupo, mas as matérias são barradas na editoria. Já ouvi de um repórter, depois de eu ter dado uma entrevista explicando longamente cada detalhe das ações judiciais contra o Novo Recife, que tinha sido mandado para o protesto na prefeitura com a instrução expressa de trazer de volta uma matéria sobre a “bagunça dos manifestantes”. No início da briga contra o projeto, antes do primeiro #OcupeEstelita, houve uma cobertura mais ou menos uniforme dos três principais jornais, mas logo depois do protesto, eu soube que houve instruções claras nas redações de dois deles para que se suprimissem notícias sobre a oposição ao projeto Novo Recife. Um desses jornais que suprimiram a cobertura sobre os protestos contra o projeto pertence a um grupo empresarial que tem interesses diretos no mercado imobiliário.  Construiu recentemente o maior shopping da cidade, exatamente do outro lado da ponte que liga a Zona Sul ao Cais José Estelita. Volta e meia, em graus variados de intensidade, há tentativas de desqualificação da oposição ao projeto como vindo de grupos que são contra o progresso ou como a manifestação de interesses partidários escondidos. Mesmo assim, o debate levantado pelo grupo acabou levando o tema dos rumos do desenvolvimento urbano do Recife para a pauta das discussões na cidade e os jornais, mesmo evitando o assunto do José Estelita. Acabaram absorvendo parte das preocupações. O tema geral também pautou o debate eleitoral da sucessão municipal e, em várias entrevistas, os candidatos a prefeito chegaram a ser perguntados especificamente sobre o Projeto Novo Recife. Mas, de todo jeito, fora desses poucos espaços nas redes sociais, sinto que a qualidade do debate público em Recife tem caído drasticamente.

Antonio Nelson – A Globo tem feito matéria sobre isso tudo?

Leonardo Cisneiros – Tem nada! Zero na Globo.

Antonio Nelson – Você tem filiação partidária? Sim ou Não? Por quê?

Leonardo Cisneiros –Não, por enquanto não. Não excluo a possibilidade, acho que a política partidária e institucional ainda tem um papel a cumprir, não acho que a internet vai dar conta de toda a política, mas acho interessante e desafiador explorar as possibilidades dessa forma de fazer política fora dos partidos. E até talvez mais eficiente mesmo.

Os recifenses e o espaço público estão sob ameaças desses grupos acima mencionados? Por que tudo que está acontecendo no Recife não é matéria na mídia nacional? Se o caso fosse em São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Belo Horizonte (MG) e em Brasília (DF) teria repercussão?

Leonardo Cisneiros – O poder de interferência da Moura Dubeux sobre a gestão da cidade ficou bastante claro há alguns anos quando do caso das Torres Gêmeas, dois prédios com mais de 140m de altura no perímetro do entorno de uma área histórica tombada a nível federal, bastante próximos do Recife Antigo e a poucos metros da margem do rio Pina. Isso dentro de uma área que deveria ser de preservação ou pelo menos restrição por questões ambientais. Diversas irregularidades foram apontadas no projeto, desde uma possível fraude no leilão do terreno até um erro possivelmente intencional na apresentação dos limites da área de tombamento federal do bairro de São José no projeto protocolado na prefeitura. O MPF entrou com ações judiciais questionando o impacto dessas torres sobre a visibilidade de diversos bens tombados pelo IPHAN, e também sobre a ambiência de todo o bairro histórico de São José, dando início a uma batalha judicial, na qual, infelizmente, a prefeitura do Recife acabou assumindo o lado da empreiteira. A partir desse caso, o nome da Moura Dubeux, que era uma marca valorizada no mercado de imóveis de luxo, ficou associado a essa interferência sobre o poder público e a uma forma de desenvolvimento urbano completamente descompromissada com a identidade de uma cidade histórica e a qualidade urbana. A suspeita sobre essas relações só tende a aumentar a cada caso como o do Projeto Novo Recife. E com a informação de que a construtora foi a maior doadora da campanha do atual prefeito.

Quanto a outros casos e a repercussão fora, esse modelo de desenvolvimento não é uma exclusividade do Recife. Outras cidades têm outros casos. Lembro do Porto Maravilha no Rio e operações urbanas, como a Nova Luz em São Paulo. Mesmo assim, o caso daqui consegue ser um tantinho pior. Os dois casos citados, do Rio e SP, são operações urbanas. Por piores que sejam, são iniciativas do poder público, o que, no mínimo, abre a possibilidade de um maior controle judicial, p.ex., dos erros. Tanto é que a Operação Urbana da Nova Luz caiu na justiça paulista pela falta de participação popular efetiva. O problema daqui é que, lendo a sentença que anulou a Operação Nova Luz, fiquei imaginando o riso de um típico desembargador pernambucano diante de argumentos como “falta de participação popular”. O problema daqui é que as instituições são tão incrivelmente falhas e o poder público está tão rendido à iniciativa privada que nem chegamos ao luxo de ter um problema como o Porto Maravilha ou a Nova Luz. Ainda que sejam extremamente problemáticos, esses projetos estão num patamar institucional bem superior ao encontrado em Recife.

Antonio Nelson – Quais os contrastes sociais que mais lhe inquieta no Recife?

Leonardo Cisneiros – Os de sempre. Com todo crescimento econômico do país na última década, ainda há, por exemplo, gente morando em palafitas numa situação sub-humana. Há remoções de comunidades populares e, pior, quando há alguma iniciativa oficial para tirar as pessoas de uma situação de moradia precária é porque algum grande projeto passa pelo local. E a alternativa acaba sendo conjuntos habitacionais mal projetados que, depois de utilizados no programa eleitoral, se tornam novos focos de miséria. A desigualdade social tem crescido bastante. Nota-se que há um aquecimento da economia sim, mas os benefícios desse aquecimento têm favorecido mais uns que outros. Mas creio que não é nada diferente do resto do Brasil.

Antonio Nelson – Quanto à juventude pernambucana! Está consciente dos contrastes da cidade?

Leonardo Cisneiros – Não posso falar sobre toda a juventude. Não tenho como avaliar em tal grau de generalidade. Mas, pelo menos vendo desde a atuação do blog Direitos Urbanos, dá sim para perceber um crescente interesse de uma parcela dessa juventude pela discussão dos problemas da cidade. E no caldeirão dos vários debates do grupo, o interesse que é motivado por só um aspecto do problema acaba levando ao contato com outros pontos de vistas e aspectos do problema. Então, muita gente pode entrar na discussão motivada pelo tema universal da cidade hoje em dia: a falta de mobilidade urbana. E acabar percebendo a ligação disso com um modelo de desenvolvimento da cidade protagonizado pela iniciativa privada e o papel de certas políticas no problema. Não sei se isso basta para mostrar o interesse da juventude nessas discussões, mas alguns dados da fanpage do grupo no Facebook (https://www.facebook.com/DireitosUrbanos) são ilustrativos: um terço dos curtidores da fanpage está na faixa de idade entre 18 e 24 anos, e dois terços, entre 18 e 34.

Antonio Nelson – Quanto à atuação dos artistas contemporâneos e veteranos? Há uma preocupação com a cidade?

Leonardo Cisaneiros – Recife tem uma boa tradição de artistas críticos, engajados nas discussões políticas, e também, é claro, como em qualquer lugar, de artistas da corte, alinhado com os chefes do momento. Mas creio que, no momento, a balança do meio artístico pende para o lado da postura crítica e do engajamento em discussões como as que o grupo promove. Inclusive, vários artistas fazem parte do blog Direitos Urbanos, colaboram com as nossas atividades. Muito da identidade dos nossos protestos se deve a essa presença maciça de artistas e pessoal da mídia. O OcupeEstelita, por exemplo, foi um grande evento cultural também, com grafitagem, shows de música, performances etc. Outro momento muito significativo nesse sentido foi quando promovemos no cinema mais icônico e significativo da cidade, o São Luiz, uma mostra de filmes sobre os problemas urbanos do Recife.Tema que tem sido muito presente na produção local, desde, pelo menos, o Enjaulados, curta de Kleber Mendonça, de 1997, até o seu premiadíssimo O Som ao Redor.

Antonio Nelson – A Revista Carta Capital, – Edição 732 -, com matéria

de Capa: OS SERVIÇAIS O Brasil tem o maior número de empregados domésticos do mundo e desenvolve inéditas modalidades de servilismo.

Há ainda um Recife muito conservador e reacionário? Quem são os personagens?

Antonio Nelson – Na mesma Edição acima, na página 48 | O mundo sem

vulgaridades | Nas sociedades civilizadas, ninguém faz outsourcing do

próprio bebê ou do seu automóvel. Nota-se isso com naturalidade no Recife? Como você vê isso?

Leonardo Cisneiros – Vou responder às duas perguntas remetendo a respostas anteriores. Já há muito se vem falando sobre esse espírito colonial da velha e da nova classe A recifense. E há pouco para acrescentar diante de tantas evidências e, sobretudoperanteo retrato tão realista pintado n’O Som ao Redor, já citado. Pois é, grande parte do Recife é aquilo mesmo, é a discussão na reunião de condomínio sobre demitir ou não o porteiro porque, dentre outras coisas, a revista Veja da moradora tem chegado fora do plástico. Aqueles personagens do filme (e do curta Enjaulados, que esboçou lá em 1997 algumas das ideais que aparecem no longa) são os que reclamam da cidade e correm para soluções individuais aos problemas coletivos, agravando estes.

São os que correm para comprar SUVs maiores, mais confortáveis, e que ocupam mais espaço na via e ameaçam mais ciclistas e motociclistas. E são os que “resolvem” o problema da segurança pública se trancando em condomínios cada vez mais isolados do espaço público, degradando este e o tornando cada vez mais deserto e inseguro. Vê-se isso em outras cidades, como São Paulo, mas aqui se nota muito claramente o quanto tudo isso é fruto de uma cultura centenária. O curta “Velho Recife Novo” (http://vimeo.com/40913933) nascido das discussões e lutas do blog Direitos Urbanos no ano passado, explora essa ideia muito bem.

*Antonio Nelson é jornalista.

Propaganda do Novo Recife esconde ilegalidades e liminar da Justiça

Prezados(as),

Não somos financiados ou apoiados por ninguém além de nós mesmos. Não somos instituição ou organização. Nossos recursos são a lei e o conhecimento. Nossos valores são a democracia e o interesse coletivo.

Ao decidirmos fazer uma carta com abaixo-assinado ao prefeito do Recife, nossos principais objetivos eram divulgar problemas sérios do desenvolvimento urbano recente e mostrar ao novo mandatário municipal que o povo quer ser ouvido em discussões sobre o futuro da cidade.

Um dos nossos desafios foi sintetizar em um texto curto e fácil algumas ameaças à qualidade de vida e ao estado de direito. Tarefa difícil, pois são inúmeras as ilegalidades e a parte urbanística pode parecer complicada a quem não é profissional da área. Felizmente, o número de adesões, próximo de 4 mil em menos de uma semana, indica que nosso trabalho não tem sido em vão. Seguimos mostrando a amigos e familiares que outra cidade é possível.

Os comentários deixados atestam o sentimento das pessoas. Por isso, os interesses privados que há anos fazem o que querem do solo do Recife acenderam o alerta. Demonstraram, através dos meios de comunicação, que nossa mobilização os preocupa.

Na sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013, o juiz José Ulisses Viana, da 7º Vara da Fazenda Pública, suspendeu o processo do Projeto Novo Recife. Ele reconheceu as ilegalidades denunciadas pelo Ministério Público Estadual e decidiu em caráter liminar que qualquer procedimento relativo ao projeto na prefeitura deve ser interrompido, sob pena de multa diária de R$ 10.000. O projeto, que ainda não foi aprovado, conforme explica a decisão, “ainda se encontra em tramitação, devendo percorrer de forma concatenada os caminhos legais determinados por atos procedimentais que o levará a uma apreciação final pela autoridade competente”.

A decisão pode ser lida aqui:

http://www.diariodepernambuco.com.br/app/noticia/vida-urbana/2013/02/22/interna_vidaurbana,424939/juiz-suspende-projeto-novo-recife.shtml#.USgXCUPVr6V

Um dos problemas que motivaram a decisão é justamente ausência de parcelamento prévio do solo, conforme apontado no rol de ilegalidades que consta da carta ao prefeito. Segundo o juiz, “não é razoável, conforme se encontra comprovado nos autos, que processos que irão alterar toda a estrutura urbana do centro da nossa cidade, sejam analisados pelo citado Conselho de forma fatiada, sendo omitido o projeto de parcelamento do solo, como muito bem situou o M.P. (Ministério Público)”.

Menos de uma semana após a publicação da carta ao prefeito, os empreendedores do Novo Recife promoveram um almoço para jornalistas e “formadores de opinião” em um restaurante situado em edifício da construtora Moura Dubeux. Hoje, domingo, 24 de fevereiro de 2013, apenas dois dias após a suspensão do projeto pela Justiça, os três principais jornais de Pernambuco veiculam informe publicitário do consórcio responsável. Uma propaganda de doze páginas que estimamos ter custado cerca de 300 mil reais só com a aquisição do espaço.

Golias anda preocupado. Em sua sede de lucro não mede as consequências de seus atos. O artigo 50 da lei 6.766/79, determina que:

Art. 50. Constitui crime contra a Administração Pública:

(…)

III – fazer ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo“.

Quarta-feira, dia 27 de fevereiro de 2013, haverá audiência pública sobre o projeto Novo Recife na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Estaremos mais uma vez presentes para exigir o cumprimento da lei e a retomada do planejamento urbano por parte do município. O evento é aberto ao público.

Mais informações na página da ALEPE e na fanpage do Direitos Urbanos no Facebook.

http://www.alepe.pe.gov.br/paginas/?id=3608&grupo=6&paginapai=3609%2F3596&dep=2965&numero=1812%2F2013&docid=8D621E091D9ECC4B83257B0500415A05

http://www.facebook.com/DireitosUrbanos

Atenciosamente,

Direitos Urbanos | Recife

Como tornar o Projeto Novo Recife ainda mais inaceitável

Forte das Cinco Pontas na época dos holandeses

Forte das Cinco Pontas na época dos holandeses

Durante a audiência – sem participação da sociedade – realizada na Câmara dos Vereadores na última quarta-feira, dia 20 de fevereiro, o secretário João Braga, além de reforçar a postura clara da atual gestão em dar por consumada a aprovação ilegal do Projeto Novo Recife pela gestão de João da Costa, conseguiu a proeza de piorar o que já tinha sido, na gestão anterior, uma defesa débil dos interesses da cidade na avaliação do projeto: ele sinalizou a possibilidade de recuar na exigência de demolição do Viaduto das Cinco Pontas, umas das mais propagandeadas compensações do Projeto Novo Recife. Esse recuo, no entanto, é inaceitável.

Em primeiro lugar, o viaduto deveria sim ser retirado dali, nem que seja em cumprimento do disposto no decreto 25 de 1937 que institui o patrimônio histórico nacional e que determina, no seu artigo 18, que construções que prejudiquem a visibilidade de bens tombados, como o Forte das Cinco Pontas, devem ser demolidas. Mas o viaduto também deve ser retirado por toda a desumanização que representa na mobilidade do local. Ele foi uma das peças-chave para bloquear o acesso das pessoas ao calçadão do Cais e criar o seu abandono, que hoje é usado como desculpa para se aceitar um projeto imobiliário qualquer como um projeto de revitalização. Além disso, o viaduto representa uma lógica de mobilidade totalmente centrada no carro e hostil ao pedestre, que é agravada, naquele trecho, pela impossibilidade de qualquer outro acesso mais seguro à mobilidade não motorizada. Recentemente o Diário de Pernambuco fez uma matéria mostrando como as dificuldades que a implementação de um modelo de mobilidade centrado no carro e na alta velocidade que o viaduto representa repercutem em todo o entorno, dificultando além de qualquer razoabilidade a vida do pedestre. A rendição à lógica errônea de que mobilidade é fluxo, é velocidade, é tal que, dentre as mitigações do Projeto Novo Recife consta uma passarela na Avenida José Estelita, maculando o que era vendido como um dos cartões postais do próprio projeto! Como o projeto pode ter algum traço de bom urbanismo se o acesso à frente d’água será interrompido por uma via expressa? É tão difícil subordinar os carros às pessoas?

Viaduto das Cinco Pontas obstruindo por completo a visibilidade do Forte

Viaduto das Cinco Pontas obstruindo por completo a visibilidade do Forte

Ou seja, a derrubada do viaduto é extremamente desejável e um passo significativo rumo um modelo de mobilidade mais humanizado, necessário para que a prometida revitalização da área, qualquer que seja o projeto implementado, seja real, com pessoas e não carros tomando conta do lugar. Mas, exatamente por causa dessa relevância, ela deveria ser tratada pela prefeitura como algo independente do Projeto Novo Recife, como de fato é. Tentar vincular uma coisa à outra foi uma tática de propaganda dos interessados no Projeto completamente injustificada, mas que seduziu muita gente. Para muitas pessoas, a derrubada do viaduto acabou sendo a principal vantagem do Novo Recife. Porém, nem mesmo o argumento de que só com o Novo Recife seria possível financiar a obra vale, pois os custos da demolição estão estimados em apenas R$ 2 milhões, ou seja, 0,047% do orçamento previsto para a Prefeitura do Recife em 2013. Em suma, tentar passar a idéia de que só era possível demolir o viaduto aceitando o Projeto Novo Recife era dizer que a cidade tinha que aceitar um projeto irregular, elaborado sem estudos de impacto, sem discussão com a sociedade, sem a orientação por um plano urbanístico elaborado pelo poder público, tal como exigido por lei, em troca de uma esmola que representa somente 0,047% do caixa da prefeitura. Mas agora, com o recuo em relação à demolição, o que devemos pensar? Que aquilo que ajudava a justificar a aceitação do Projeto de tão grande impacto agora, de uma hora para outra, não é mais importante? Isso leva a um segundo ponto, mais grave, e com implicações legais.

O CDU, ao avaliar os projetos em tramitação na prefeitura, deveria, em tese, fazer um cálculo de custo x benefício para avaliar se os ganhos do projeto para a coletividade superam os inevitáveis transtornos que um empreendimento classificado como “de impacto” certamente irá trazer. Nos casos em que os empreendimentos sejam em si mesmo justificáveis e de interesse da cidade, mitigações e compensações são cobradas como forma de equilibrar esse cálculo e fazer com que o interesse pública prevaleça. O CDU sistematicamente tem se omitido quanto à primeira variável desse cálculo, o mérito do próprio empreendimento, e tem se limitado a propor as mitigações ao projeto, aceitando sua realização como inevitável. Mas isso é absurdo, como mostra o caso do Templo da Assembléia de Deus na Mário Melo, também discutido na audiência do dia 20: a própria idéia de um megatemplo para 28 mil pessoas no Centro da cidade, um colossal pólo gerador de tráfego, é questionável em si. Em outras cidades, megatemplos comparáveis com este, como a Catedral Mundial da Fé, da Igreja Universal, são construídos no subúrbio ou fora da cidade. Mas, na lógica da Prefeitura do Recife, tudo o que se pode fazer é tentar diminuir o estrago de uma idéia urbanisticamente errada desde o princípio.

Porém, mesmo nesse papel acanhado e incompatível com as responsabilidade do CDU segundo o Plano Diretor, a aprovação do projeto é condicionada à realização das mitigações. Em tese, o equilíbrio entre estas mitigações e os impactos do projeto são um elemento essencial da análise e eventual aprovação do projeto pelo CDU. Na prática, como a Prefeitura tem convenientemente se omitido na regulamentação e exigência de estudos objetivos sobre os impactos do projeto, esse balanceamento em custos e compensações do projeto é feito sem nenhuma base objetiva e garantia de que não haverá problemas para a cidade. Mas, mesmo assim, do ponto de vista legal, essas mitigações, ainda que propostas “no chute”, se tornam obrigatórias após a análise do CDU. Por essa razão, se o secretário João Braga quiser voltar atrás na exigência da demolição do Viaduto das Cinco Pontas, deve voltar atrás também na aprovação do Projeto, submetendo-o novamente à discussão no CDU! Se não fizer isso estará usurpando a competência do Conselho representativo da sociedade civil para avaliar os custos e benefícios do Projeto.

A necessidade de se reabrir a discussão do Projeto Novo Recife no CDU fica ainda mais clara quando o secretário confessa na audiência na Câmara que será necessária a realização de estudos para avaliar como ficaria o trânsito após a derrubada do viaduto: “Tudo isso tem que ser avaliado para não se cometer o erro de derrubar um viaduto e depois constatar que piorou o trânsito. É preciso pensar a longo prazo, no que vai ocorrer com o Recife daqui a cinco anos, por exemplo, quando todas essas obras estiverem prontas. É um impacto grande na cidade“. Ora, então as mitigações foram pedidas pelo CDU sem os estudos necessários,  secretário? Era isso que os críticos do Projeto e da posição da prefeitura diziam desde sempre!

Como é dito pelo desembargador José Ivo de Paula Guimarães no próprio mandado de segurança a favor das empreiteiras, a aprovação pelo CDU não encerra a análise do projeto: “(…) A DELIBERAÇÃO DO CDU NÃO CONSTITUI ATO FINAL DE APROVAÇÃO DOS PROJETOS. Em verdade, acaso o conselho venha a emitir parecer favorável, os projetos seguiram [sic] ainda para aprovação final por parte da Secretaria de Desenvolvimento Urbano da Prefeitura da Cidade do Recife, quando então, acaso aprovados, haverá a instrumentalização do termo de compromisso para a realização das obras e concessão das licenças de construção“. Além disso, o eventual reconhecimento por parte da Prefeitura das irregularidades da aprovação às pressas do Projeto pela gestão João da Costa permite anular alguns atos administrativos e recolocar o projeto em discussão nas instâncias anteriores. Então, há menos impedimento legal do que falta de vontade política para que o Projeto seja analisado, discutido e alterado como obriga a lei e a defesa do interesse maior da cidade do Recife. Porém, o que é completamente inadmissível, imoral e, inclusive, possível objeto de novos questionamentos judiciais, é se dispor a voltar atrás na análise feita pela gestão João da Costa somente naquilo que representava um ganho para a sociedade. Se o secretário está insatisfeito com o acordo feito na gestão anterior, como muito de nós também estamos, que reabra a discussão de todo o projeto.

Várias audiências discutirão o Projeto Novo Recife e outros empreendimentos nas próximas semanas

A Audiência Pública sobre o Novo Recife de março do ano passado foi um grande momento de mobilização da sociedade civil para reinvidicar seu papel na discussão dos rumos da nossa cidade. Depois daquele momento a discussão sobre um projeto que estava sendo discutido a portas fechadas tomou conta da cidade nos #ocupeestelitas, em diversos debates, no debate eleitoral e na mobilização durante sua discussão no CDU. Agora, quase um ano depois, uma série de audiências públicas dos poderes legislativos municipal e estadual trazem de volta a discussão do Projeto Novo Recife e de outros projetos de igual magnitude. É importante a maciça participação de todos para cobrar das autoridades presentes explicações sobre todas as falhas na avaliação do Projeto e mudanças nos procedimentos da Prefeitura, mesmo sabendo que essas audiências do Poder Legislativo não satisfazem de fato os requisitos do Princípio da Participação Popular no planejamento da cidade.

Resumo das três audiências:

  • dia 20/02, 16h – audiência com o Secretário de Mobilidade e Controle Urbano, João Braga, sobre vários empreendimentos de impacto sob análise da Prefeitura (detalhes)
  • dia 27/02, 9h – audiência na Assembléia Legislativa sobre o Projeto Novo Recife (detalhes)
  • dia 07/03, 9h – audiência na Câmara dos Vereadores sobre o Projeto Novo Recife (detalhes)
Jornalista Mariana Moreira falando na audiência pública de Março de 2012
Jornalista Mariana Moreira falando na audiência pública de Março de 2012

Dia 20 de Fevereiro – Audiência na Câmara dos Vereadores com o secretário João Braga sobre diversos Projetos de Impacto

REQUERIMENTO Nº _______2013

Venho requerer a Mesa Diretora, cumpridas as formalidades regimentais, para que seja transformado o Grande Expediente do próximo dia 20 do corrente mês em Audiência, bem como seja encaminhado CONVITE ao Excelentíssimo Senhor JOÃO BATISTA MEIRA BRAGA, Secretário de Mobilidade e Controle Urbana da PCR, na condição de Palestrante.

Da aprovação deste, dê-se ciência a Dr. JOÃO BATISTA MEIRA BRAGA, Secretaria de Mobilidade e Controle Urbana, Prefeitura da Cidade do Recife, Cais do Apolo, 925, 12º andar – Recife/PE.

Cena da audiência pública sobre o Novo Recife - 22 Março de 2012. Interpelando a prefeitura pela falta de estudos prévios de impacto

Cena da audiência pública sobre o Novo Recife – 22 Março de 2012. Interpelando a prefeitura pela falta de estudos prévios de impacto

JUSTIFICATIVA

Tal solicitação prende-se a necessidade de transmitir aos Excelentíssimos Senhores Vereadores desta Casa, informações relacionadas as ações de impacto a serem adotadas na cidade do Recife, referentes a sua Pasta, notadamente no que se refere a Arena Sporte Clube, Ecocity do Jiquiá, Templo da Assembléia de Deus, Projeto Novo Recife e as PPP dos Edifícios Garagem.

É em atendimento ao justo pleito, que contamos com o apoio dos nossos pares para aprovação deste requerimento.

Sala das sessões da Câmara Municipal do Recife, em 06 de Fevereiro de 2013.

Ver. GILBERTO ALVES
Líder de Governo

Dia 27 de Fevereiro (9h) – Audiência na Assembléia Legislativa sobre o Projeto Novo Recife

Evento no Facebook: https://www.facebook.com/events/492006034190547/

Requerimento Nº 1812/2013

Requeremos à Mesa, ouvido o Plenário e cumpridas as formalidades regimentais que seja realizada uma Audiência Pública no auditório da Casa, perante a Comissão Permanente de Cidadania e Direitos Humanos, em data a ser definida, para tratar do projeto urbanístico que prevê a construção de 12 (doze) torres no Cais José Estelita, Centro do Recife, idealizado pelo Consórcio Novo Recife, tendo como convidados os constantes da relação abaixo:

Da decisão desta Casa, e do inteiro teor desta proposição, dê-se conhecimento ao Sr. Eduardo Moura – Diretor da Moura Dubeux (representando o consórcio); Sr. Frederico Almeida – Superintendente do Iphan em Pernambuco; Dra. Belize Câmara – Promotora de Justiça do Meio Ambiente; João Braga – Secretário de Mobilidade e Controle Urbano da Prefeitura do Recife; Tomás Lapa – Representante da Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano; Joaquim da Silva – Presidente do Parlamento Metropolitano; Amélia Reynaldo – Arquiteta com atuação no âmbito público; Vereadores de Oposição da Câmara Municipal de Recife – Aline Mariano, André Régis, Priscila Krause, Raul Jungmann; Líder da Oposição na Câmara Municipal do Recife – Vereadora Aline Mariano; Líder do Governo na Câmara Municipal do Recife – Vereador Gilberto Alves.

Justificativa

Público da audiência na Câmara ano passado

Público da audiência na Câmara ano passado

O projeto urbanístico que prevê a construção de 12 (doze) torres de até 40 (quarenta) pavimentos no Cais José Estelita, área central do Recife, foi tema de três reuniões realizadas no Conselho de Desenvolvimento Urbano da Cidade do Recife (CDU), nos dias 30 de novembro e 21 e 28 de dezembro de 2012. Nessa última data, foi aprovado por 18 votos dos 20 possíveis. Houve uma abstenção e uma ausência. O empreendimento abrange toda a área que vai do Cabanga Iate Clube até o Cais de Santa Rita.Idealizado pelo Consórcio Novo Recife, esse projeto foi alvo de críticas e protestos realizados por parcela da população recifense, inclusive pela secção pernambucana do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), que alega a falta de estudos de impacto do empreendimento.

Nas redes sociais, também houve repercussão acerca do projeto. Um grupo no Facebook intitulado “Direitos Urbanos”, com 8.008 membros, tem debatido as consequências urbanísticas dessa construção, se posicionando contrário ao empreendimento. São 8 (oito) torres residenciais, 2 (duas) empresariais, 2 (flats), além de 5 edifícios garagem. Outros pontos apontados como negativos são as ações exigidas pelas construtoras como subsídios para o empreendimento, como a demolição do Viaduto das Cinco Pontas e a transposição da linha férrea, que opera em apoio ao Porto do Recife. O grupo já entrou com duas ações populares para impedir a realização do projeto.

Outra iniciativa para impedir a construção do empreendimento partiu do Ministério Público de Pernambuco (MPPE) por meio de ação civil pública encaminhada ao Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) no dia 19 de dezembro de 2012. De acordo com a promotora de Meio Ambiente do MPPE, Belize Câmara, há diversas ilegalidades no projeto. Em defesa do município do Recife, o MPPE solicitou ao Poder Judiciário de Pernambuco a suspensão, em caráter liminar, de todo e qualquer ato administrativo referente ao projeto e, no mérito, a declaração de sua nulidade desde o início. Os pedidos estão em tramitação na 7ª Vara da Fazenda Pública.

Por outro lado, o consórcio argumenta sobre o abandono notório que hoje caracteriza o Cais José Estelita e a vitalidade que o empreendimento dará à área, ao levar residências, empresas e espaços culturais para o local. Destacando, inclusive, a criação de novos empregos e o aumento da arrecadação de impostos. Em negociações com a Prefeitura do Recife, ficou definido uma contrapartida das construtoras de quase R$ 30 milhões.

Em virtude da relevância do projeto e do impacto que vai gerar na Região Metropolitana do Recife, sobretudo no trânsito, o empreendimento trará consequências para diversos municípios. Assim, a audiência pública requerida servirá para conhecer melhor o empreendimento e as suas consequências, melhor esclarecendo a população.

Sala das Reuniões, em 1 de fevereiro de 2013.

Terezinha Nunes
Deputado
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Dia 7 de Março (9h) – Audiência sobre o Projeto Novo Recife na Câmara dos Vereadores

Evento no Facebook: https://www.facebook.com/events/423197554422641/

Segue abaixo requerimento da vereadora Aline Mariano (PSDB) solicitando a realização de audiência pública sobre o projeto Novo Recife, com mais detalhes.

REQUERIMENTO Nº ____ /2013

Requeiro à mesa, ouvido o plenário e cumpridas as formalidades regimentais, que seja concedida, para o dia 07 de Março de 2013, uma Audiência Pública a ser realizada no Plenarinho, das 9h às 13h, para discutir questões referentes ao Projeto Novo Recife.

Na oportunidade, farão parte do evento os seguintes convidados:

– O Exma. Representante do Ministério Público, promotora de meio ambiente, a Sra. Belise Câmara, situado à Av. Visconde de Suassuna, Nº99, Santo Amaro, CEP 50050-540, Recife-PE;

– A Ilma. Advogada, membro da Comissão de meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seccional de Pernambuco, a Sra. Liana Cirne Lins, situada à Rua do Imperador, Nº 307- Edf. Armando Monteiro Filho-1º andar- Santo Antônio- Recife-PE,

Vereador Liberato fazendo sua intervençaõ na audiência de março de 2012

– O Ilmo. Secretário de Desenvolvimento Econômico e Planejamento Urbano, o Sr. Antônio Alexandre, situado à av. Cais do Apolo, 925- 5º andar, Recife-PE, CEP: 50030-903;

– O Ilmo. Secretário de Mobilidade e controle Urbano da cidade do Recife e presidente do Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) da PCR, o Sr. João Braga, situado à av. Cais do Apolo, 925- 12º andar, Bairro do Recife, Recife-PE, CEP: 50030-230;

– O Ilmo. Secretário de Infraestrutura e Serviços Urbanos, o Sr. Nilton Mota, situado à av. Cais do Apolo, 925- 8º andar, Bairro do Recife, Recife-PE, CEP: 50030-230;

– O Imo. Secretário Superintendente do DNIT, o Sr. Euclides Bandeira de Souza Neto, situado à av. Engenheiro Antônio de Góes, nº 820, Pina, Recife-PE

JUSTIFICATIVA

O projeto Novo recife trará a construção de 12 Torres e outras Intervenções Urbanísticas no Cais José Estelita, centro do Recife. O projeto deve construir prédios empresariais e habitacionais no local onde estão cinco antigos galpões e estações ferroviárias da cidade. Esse projeto gerou uma grande polêmica e sofreu várias intervenções, inclusive do Ministério Público que apontou inúmeras irregularidades no projeto.

A Lei Orgânica da Cidade, em seu artigo 107, p. 3º., Incisos VI e VII, trata dos cuidados com a questão estética e o paisagismo, com aspectos culturais e monumentos na promoção de empreendimentos e do desenvolvimento urbano. Nesse caso é visível que o projeto Novo Recife insere um expressivo e elevado volume de concreto numa área predominantemente de imóveis com baixa estatura, frente à paisagem da Bacia do Pina com Brasília Teimosa.

Representante do IPHAN falando na audiência de Março de 2012

Assim sendo, em pouco tempo teremos um cinturão de torres, do Iate Clube aos fundos da Polícia Rodoviária Federal, na Avenida Antônio de Góes, uma cerca de alta renda apropriando-se da paisagem, desequilibrando-a sem qualquer sintonia e harmonia com as demais construções e usos que se poderiam fomentar na região, um autêntico arrastão dos ricos sobre os mais pobres, situação nada compatível com os princípios de transparência, participação popular, planejamento e desenvolvimento urbano previstos no Estatuto da Cidade, na Lei Orgânica e no Plano Diretor da Cidade do Recife.

Ademais, o Ministério Público distribuiu nota com um conjunto de irregularidades ainda existentes no Projeto e em sua tramitação como a análise pendente, pela FIDEM, de processos de parcelamento. Cita-se também a ausência de estudos de impacto de vizinhança (EIV), previstos no Estatuto da Cidade. Destaca a ausência de participação popular, como também prevê o Estatuto nas diretrizes gerais de política urbana, artigo 2º.

Pelos fatos acima expostos, certa de que o assunto é de grande relevância pra toda a população recifense, venho propor esta audiência Pública, afim de discutirmos com as autoridades competentes e toda a sociedade civil, acerca desse tema.

Sala das Sessões da Câmara Municipal do Recife, 01 de fevereiro de 2013.

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Aline Mariano
Vereadora

Câmara dos Vereadores convoca Audiência Pública sobre o Novo Recife para Março

Segue abaixo requerimento da vereadora Aline Mariano (PSDB) solicitando a realização de audiência pública sobre o projeto Novo Recife, com mais detalhes.

Jornalista Mariana Moreira falando na audiência pública de Março de 2012

Jornalista Mariana Moreira falando na audiência pública de Março de 2012

REQUERIMENTO Nº ____ /2013

Requeiro à mesa, ouvido o plenário e cumpridas as formalidades regimentais, que seja concedida, para o dia 07 de Março de 2013, uma Audiência Pública a ser realizada no Plenarinho, das 9h às 13h, para discutir questões referentes ao Projeto Novo Recife.

Na oportunidade, farão parte do evento os seguintes convidados:

– O Exma. Representante do Ministério Público, promotora de meio ambiente, a Sra. Belise Câmara, situado à Av. Visconde de Suassuna, Nº99, Santo Amaro, CEP 50050-540, Recife-PE;

– A Ilma. Advogada, membro da Comissão de meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), seccional de Pernambuco, a Sra. Liana Cirne Lins, situada à Rua do Imperador, Nº 307- Edf. Armando Monteiro Filho-1º andar- Santo Antônio- Recife-PE,

Vereador Liberato fazendo sua intervençaõ na audiência de março de 2012

Vereador Liberato fazendo sua intervençaõ na audiência de março de 2012

– O Ilmo. Secretário de Desenvolvimento Econômico e Planejamento Urbano, o Sr. Antônio Alexandre, situado à av. Cais do Apolo, 925- 5º andar, Recife-PE, CEP: 50030-903;

– O Ilmo. Secretário de Mobilidade e controle Urbano da cidade do Recife e presidente do Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) da PCR, o Sr. João Braga, situado à av. Cais do Apolo, 925- 12º andar, Bairro do Recife, Recife-PE, CEP: 50030-230;

– O Ilmo. Secretário de Infraestrutura e Serviços Urbanos, o Sr. Nilton Mota, situado à av. Cais do Apolo, 925- 8º andar, Bairro do Recife, Recife-PE, CEP: 50030-230;

– O Imo. Secretário Superintendente do DNIT, o Sr. Euclides Bandeira de Souza Neto, situado à av. Engenheiro Antônio de Góes, nº 820, Pina, Recife-PE

JUSTIFICATIVA

O projeto Novo recife trará a construção de 12 Torres e outras Intervenções Urbanísticas no Cais José Estelita, centro do Recife. O projeto deve construir prédios empresariais e habitacionais no local onde estão cinco antigos galpões e estações ferroviárias da cidade. Esse projeto gerou uma grande polêmica e sofreu várias intervenções, inclusive do Ministério Público que apontou inúmeras irregularidades no projeto.

A Lei Orgânica da Cidade, em seu artigo 107, p. 3º., Incisos VI e VII, trata dos cuidados com a questão estética e o paisagismo, com aspectos culturais e monumentos na promoção de empreendimentos e do desenvolvimento urbano. Nesse caso é visível que o projeto Novo Recife insere um expressivo e elevado volume de concreto numa área predominantemente de imóveis com baixa estatura, frente à paisagem da Bacia do Pina com Brasília Teimosa.

Representante do IPHAN falando na audiência de Março de 2012

Representante do IPHAN falando na audiência de Março de 2012

Assim sendo, em pouco tempo teremos um cinturão de torres, do Iate Clube aos fundos da Polícia Rodoviária Federal, na Avenida Antônio de Góes, uma cerca de alta renda apropriando-se da paisagem, desequilibrando-a sem qualquer sintonia e harmonia com as demais construções e usos que se poderiam fomentar na região, um autêntico arrastão dos ricos sobre os mais pobres, situação nada compatível com os princípios de transparência, participação popular, planejamento e desenvolvimento urbano previstos no Estatuto da Cidade, na Lei Orgânica e no Plano Diretor da Cidade do Recife.

Ademais, o Ministério Público distribuiu nota com um conjunto de irregularidades ainda existentes no Projeto e em sua tramitação como a análise pendente, pela FIDEM, de processos de parcelamento. Cita-se também a ausência de estudos de impacto de vizinhança (EIV), previstos no Estatuto da Cidade. Destaca a ausência de participação popular, como também prevê o Estatuto nas diretrizes gerais de política urbana, artigo 2º.

Pelos fatos acima expostos, certa de que o assunto é de grande relevância pra toda a população recifense, venho propor esta audiência Pública, afim de discutirmos com as autoridades competentes e toda a sociedade civil, acerca desse tema.

Sala das Sessões da Câmara Municipal do Recife, 01 de fevereiro de 2013.

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Aline Mariano
Vereadora

Por que a paisagem é importante? Por que conservar a paisagem histórica do centro do Recife?

Contribuição da arquiteta Lúcia Veras. Material de sua tese de doutorado sobre Paisagem Urbana, em desenvolvimento na Pós-graduação em Desenvolvimento Urbano da UFPE.

Mais que associar a paisagem à beleza cênica, paisagem é identidade de um povo, porque é produto de uma relação necessária que o homem estabelece com a natureza para se consolidar e construir o seu território. Quando se destrói uma paisagem, perde-se de forma irreversível parte desta identidade, da memória e dos valores que se manifestam naquilo que é visível e que o olhar apalpa, mais ainda, aquilo que revela as especificidades dos lugares, das cidades, da sua história e das formas de se viver e de se interagir. Sendo produto coletivo, a paisagem é um direito de todos. Todos têm o direito à paisagem!

Não por acaso, a conservação de paisagens que identificam cidades e lugares especiais é uma nova preocupação mundial como expressam os recentes Decreto da Convenção Europeia da Paisagem (2000), Lei de Regulamento, Proteção, Gestão e Ordenamento da Paisagem da Catalunha (2005), Convenção Global da Paisagem (2009), Carta Colombiana da Paisagem (2010) e em especial, o Memorando de Viena (2005) voltado especificamente para a conservação das Paisagens Urbanas Históricas. No Brasil, com a criação da ABAP – Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas em 1976, que teve como um dos fundadoreso paisagista Roberto Burle Marx, a Paisagem passa a ser uma preocupação não só do ponto de vista ambiental, mas também como espaço da vivência, do lazer, da cultura e da conservação da identidade das cidades brasileiras. Assim, em 2010 a ABAP em parceria com a IFLA – InternationalFederationsofLandscapeArchitects, apresentou a CARTA BRASILEIRA DA PAISAGEM, onde foram publicados 12 princípios (Carta Brasileira da Paisagem/2012):

  1. A Paisagem e seu papel coletivo;

  2. O reconhecimento das Paisagens Brasileiras e seus ecossistemas;

  3. As relações entre a Paisagem e a população: Paisagens culturais brasileiras

  4. A Paisagem como instrumento de planificação do desenvolvimento sustentável do país;

  5. A Paisagem e seu valor econômico para a sociedade brasileira;

  6. A necessidade do respeito e da preservação de nossas Paisagens;

  7. O direito democrático à qualidade ambiental e paisagística;

  8. Os princípios locais e nacionais para gestão efetiva da Paisagem no Brasil;

  9. A necessidade da visão integrada para os projetos e políticas governamentais;

  10. Intercâmbios paisagísticos na América através dos grandes compartimentos territoriais de nossas paisagens;

  11. As Paisagens Urbanas em degradação e as relações com o crescimento populacional nas metrópoles – problema a ser enfrentado com novas visões tecnológicas e

  12. A realidade das áreas rurais e a necessidade de valorização e restauração de Paisagens pioneiras.

Antes mesmo desta Carta Brasileira da Paisagem, a Prefeitura do Recife de forma pioneira, em 1996, criou o seu Código do Meio Ambiente e do Equilíbrio Ecológico da Cidade do Recife – Lei nº 16.243 de 13 de setembro de 1996 e em dois dos seus Artigos a Paisagem se destaca numa lúcida compreensão de que o equilíbrio ecológico se dá, inclusive, pela conservação da Paisagem como patrimônio. São os Artigos:

 “Art 86 – Consideram-se objeto de proteção imediata os seguintes espaços, ambientes e recintos detentores de traços típicos da paisagem recifense:

III – áreas de descortino e respectivas vistas consideradas, pelos órgãos municipais competentes, como de excepcional beleza, interesse paisagístico, histórico e estético-cultural que emprestam significado e prestígio à história da Cidade;

 Art 89 – Os pontos de contatos visuais entre a cidade e a paisagem distante, os remanescentes da paisagem natural próxima que constituam áreas de interesse ecológico, turístico e outros pontos focais notáveis terão seu descortino assegurado pelos instrumentos definidos neste Código.

Parágrafo 1º – Compete a SEPLAM (Secretaria de Planejamento ou similar) julgar os casos e situações existentes, bem como a conveniência de implantação de qualquer obra, equipamento ou atividade que obstrua a visualização da estética e da paisagem urbanas, inclusive as agressões ao vernáculo, a interferência nos monumentos históricos e na qualidade de vida dos cidadãos”. (Prefeitura do Recife, Leinº 16.243/96, grifos nossos).

 Se São José e Santo Antônio concentram o maior acervo de bens tombados do Recife, por leis municipais, estaduais e federais, fica claro que esta área se caracteriza por guardar “traços típicos da paisagem recifense”. É, portanto, uma paisagem objeto de proteção.

 O projeto Novo Recife destrói a paisagem do Velho Recife. Encobre a borda com uma muralha que impede o descortino à paisagem, direito de todos, que caracteriza o Sítio Histórico Santo Antônio/São José ao romper com uma “unidade de paisagem” que caracteriza o nascimento da cidade, parte indelével de sua identidade. A Unidade de Paisagem de São José se caracteriza, inclusive, pelo gabarito em média com quatro pavimentos, pelos telhados do casario, pelo perfil de borda que, historicamente, faz referência às águas da cidade, patrimônio natural que caracteriza o Recife anfíbio.

 O histórico bairro de São José do Recife, mais ainda, guarda o ‘espírito do nosso lugar’, conservando na linha de horizonte um panorama citadino onde, mesmo entre tempos distintos da Paisagem, é mantido o perfil horizontal que foi captado nas gravuras do século XVII deFrans Post. Entre dois terços de céu e um terço de água, a Mauritiopolis pintada por Post ainda pode ser identificada no Recife que se chega pelas águas. Esta é a última paisagem do Recife que,genuinamente,ainda guarda este patrimônio paisagístico.


“Mauritiopolis”. Gravura de Frans Post (1637-1645) do livro de Barlaeus (1647), mostrando a vista panorâmica de entrada pelas águas daquela que seria a cidade do Recife. In: Reis, Nestor Goulart. Imagens de vilas e cidades do Brasil colônia.  São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo: Imprensa Oficial do Estado: Fapesp, 2000.

O pioneirismo de Nassau e sua comitiva, de Roberto Burle Marx que inicia o paisagismo em Recife, dos técnicos da Prefeitura do Recife que construíram o Código de Meio Ambiente e do Equilíbrio Ecológico da Cidade do Recife pode ter continuidade com esta nova gestão municipal quando do século XVII ao XXI a paisagem possa revelar a integração entre novos e velhos tempos, consolidando a nossa identidade. Porque, mais que beleza cênica, a Paisagem é identidade, é parte constituinte de nossa carne. 

Primeiros passos do projeto Novo Recife na gestão Geraldo Julio

Por Cristina Gouvêa e Leonardo Cisneiros

Após o turbulento processo da passagem do Projeto Novo Recife pelo Conselho de Desenvolvimento Urbano no final do ano e do início da gestão de Geraldo Julio na Prefeitura, seguindo o mote da declaração do novo secretário de Mobilidade e Controle Urbano, João Braga, de que iria escutar apoiadores e críticos do projeto para então poder municiar as decisões da Prefeitura na condução do problema, alguns integrantes do Grupo Direitos Urbanos marcaram com ele uma reunião, que aconteceu no dia 8 de janeiro de 2013. Nesta reunião foi entregue ao secretário, em mãos, uma carta, endereçada também ao prefeito, que mostram a importância estratégica do Cais José Estelita e os graves erros na análise do projeto Novo Recife pela gestão João da Costa e pede que o processo volte para uma etapa que permita a realização dos estudos de impacto e da participação popular efetiva.

Estavam presentes um dos autores das Ações Populares contra a Prefeitura Leonardo Cisneiros, o presidente estadual do Psol Edilson Silva, a presidente do IAB-PE Vitória Régia, o representante do IAB no CDU Cristiano Borba, o Secretário João Braga, a Diretora de Urbanismo Taciana Maria Sotto-Mayor  e assessora da SCDUO Emília Márcia Teixeira. Para desapontamento do grupo, a aparência de abertura ao diálogo da nova gestão mostrou-se ilusória. Apesar da declaração de que ouviria ambos os lados da polêmica sobre o Projeto Novo Recife, no dia anterior à conversa com os integrantes do Direitos Urbanos, já havia ocorrido extensas conversas do Prefeito e do Secretário com os técnicos que conduziram a análise do projeto na gestão anterior e também com os próprios empreendedores. Sem observar o contraditório, isto é, a escuta de todas as partes envolvidas na discussão, a nova gestão municipal desperdiçou uma grande chance de tomar uma postura realmente nova em relação ao planejamento urbano, uma promessa de campanha de Geraldo Júlio, e acabou presa ao que já havia sido acordado a portas fechadas na gestão anterior, endossando o projeto, com todo seu caráter danoso à cidade, e também com todas as graves irregularidades administrativas questionadas em duas Ações Populares e uma Ação Civil Pública. Dentro dessa postura de aceitar como inevitável a aprovação do Projeto, o encaminhamento dado pelo Secretário, sob alegação de que nossa oposição seria somente fruto de falta de informação, foi o de marcar novo encontro dos críticos com os técnicos da área de urbanismo que permaneceram nos quadros após a transição e haviam trabalhado na análise do projeto, para que eles nos fizessem uma apresentação do processo e das mitigações exigidas pela Prefeitura.

Todavia, essa linha de defesa do projeto, adotada pelo secretário, é equivocada pelas seguintes razões, expostas a ele na reunião: (1) questões jurídicas precedem questões urbanísticas, no sentido de que se o processo de análise é nulo, não há base para se discutir mitigações, que são somente controle de danos e (2) se a prefeitura seguisse sua própria lei que determina a realização de um plano urbanístico para a área, o interesse coletivo seria o ponto de partida de qualquer projeto e não a vaga inspiração de ações pontuais  tomadas em função do projeto pronto, já considerado como dado incontestável. Mais grave ainda, insistir que a crítica ao Projeto vem de falta de informação, ou acusa implicitamente de incompetência entidades que vinham analisando minuciosamente o processo e que assumiram uma posição contrária e bem fundamentada ao projeto, ou acaba por admitir que nem todas informações necessárias estavam disponíveis mesmo para os conselheiros do CDU que pediram vistas ao processo.

Ainda assim, em nome do estímulo à abertura para o diálogo, formamos um grupo técnico para este segundo encontro, mesmo cientes de que não havia explicações sobre mitigações e contrapartidas que pudessem sanar o rol de ilegalidades essenciais apontadas nas ações judiciais. Esta ressalva foi feita desde o início da reunião, a fim de deixar claro que a participação nessa discussão não implicava aceitar suas premissas e que não estávamos lá para negociar melhorias pontuais. O representante do MDU-UFPE no CDU Tomás Lapa, Cristina Gouvêa, também autora das Ações Populares e Vitória Régia foram até a Prefeitura para receber de Taciana Maria e Emília Márcia alguns documentos, entre eles pareceres secretos até então, pois a reunião em que foram apresentados foi realizada a portas literalmente fechadas no dia 28 de dezembro do ano passado, além de alguns esclarecimentos processuais que confirmam novamente as acusações feitas nas ações judiciais e uma explicação detalhada sobre as mitigações exigidas pela Prefeitura.

Os dois novos pareceres, anexados ao processo na última hora, são os da Fundarpe e da FIDEM, que dão anuência ao empreendimento, abrindo mão, inexplicavelmente, de preocupações que já haviam sido anunciadas publicamente pelas instituições em ocasiões anteriores. A FIDEM delegou aos órgãos de tráfego a decisão sobre os termos da continuidade da Avenida Dantas Barreto, uma das exigências urbanísticas mais importantes e unânimes, e a Fundarpe, apesar de mencionar a paisagem como um item de grande importância para a área, não fez nenhuma observação ou recomendação a cerca da relação do gabarito dos edifícios propostos com a escala do espaço construído do Bairro de São José. Além disso, a mera anexação dos pareceres ao processo às vésperas da reunião decisiva é irrelevante: sua ausência tornava nulas, por falta de informações essenciais contidas neles, várias etapas da análise técnica do projeto na prefeitura e da discussão do projeto na Comissão de Controle Urbano e no Conselho de Desenvolvimento Urbano. Os pareceres deveriam ter sido lidos, analisados, e incorporados a um relatório que levasse em conta suas informações para a análise do projeto como um todo. Isso não foi feito e o argumento do Ministério Público sobre a nulidade do processo diante da ausência desses pareceres permance válido. 

Dentre desse contexto de grande passividade do poder público em relação ao crescimento da cidade, as mitigações foram apresentadas pelas técnicas como grandes conquistas da Prefeitura diante do poderio imobiliário. Entretanto, elas mesmas admitem que “sem os estudos de impacto ambiental e de vizinhança, não é possível mensurar objetivamente os impactos do empreendimento e, portanto, também não há como avaliar se as exigências são suficientes para mitigá-los e/ou compensá-los”.

Afirmou-se que o Projeto Recife-Olinda, plano de 2005 elaborado pelo poder público, foi tomado como referência para a análise, na tentativa de amenizar a falta do projeto especial exigido pelo Plano Diretor nos artigos 193 e 194. Como já perfeitamente esclarecido por Alexandre Bahia no texto em que comenta no seu blog o parecer da Comissão de Controle Urbano, o projeto Novo Recife, não só não atende como contraria as diretrizes do Recife-Olinda. Quando perguntadas sobre até que ponto o plano original pode ser adotado como referência para análise a resposta das técnicas é a seguinte: “até o ponto em que a legislação não era mais permissiva e até o limite em que foi possível negociar com os empreendedores”.

Nosso papel na reunião foi o de mais uma vez apresentar os fundamentos legais desrespeitados pela prefeitura na análise do projeto. Insistimos também que a falta de procedimentos ao longo do processo, como o projeto de parcelamento do solo, o plano urbanístico, dos estudos de impacto e da abertura para participação popular, geraram uma análise, além de ilegal, inconsistente e incompleta. Taciana Sotto-Mayor chegou a afirmar: “depois de quatro anos de processo, a gente acaba achando que o projeto é bom.” Quatro anos podem parecer muito, mas conduzidos desarticuladamente e sem estes elementos norteadores, não geram um resultado com amadurecimento correspondente ao tempo de processo. A inércia administrativa não pode ser a justificativa para a permissão de uma transformação tão radical e definitiva de uma área tão importante para a cidade, principalmente passando por cima do respaldo e da obrigação legal do poder municipal para assumir o protagonismo na determinação do destino do Cais.

Para garantir, em respeito à moralidade administrativa, que os erros da gestão anterior não prejudiquem a população, nem os empreendedores comprometidos com investimentos de vulto, cabe à atual gestão reconduzir o processo, encontrando uma alternativa. Este é o momento para tomar uma atitude séria e corajosa, retomando o papel do poder público de mediar os interesses reequilibrando os pesos com vistas ao bem coletivo. Não podemos esperar menos do que a anulação do processo de análise do Novo Recife e seu recomeço com base em um plano urbanístico. Se o plano for instrumentalizado através de uma operação urbana, será possível garantir um potencial construtivo superior ao previsto no Plano Diretor, semelhante ao que está sendo adotado hoje, por conta da data de protocolação anterior ao Plano. Assim, a reabertura da discussão do projeto não leva necessariamente a um prejuízo financeiro do empreendedor.  Entretanto, no contexto de uma operação urbana, estes índices construtivos seriam submetidos a um desenho urbano elaborado pela Prefeitura com pensamento abrangente, referente a todo o entorno, e obrigatoriamente balizado por um Estudo de Impacto de Vizinhança e pelas contribuições advindas da participação popular. O projeto Recife-Olinda precisa ser revisto e atualizado, principalmente à luz das definições a cerca do destino do Porto do Recife e da Ferrovia que precisam ser verificadas, mas apresenta-se como uma base bastante avançada e consistente para o novo plano. Com prazos bem estabelecidos e eficiência técnica e administrativa, o tempo necessário para a correção do processo nestes termos, não seria significativo em relação a viabilidade do empreendimento.

Acreditamos na importância de intervenção urbanística no Cais. Não partimos do princípio de que a incorporação imobiliária é nociva para a área, desde que ela atue com o devido direcionamento pelo poder público. Mas as questões sobre legalidade já ajuizadas devem ser respondidas em juízo e as questões sobre mitigação dizem respeito a um controle de danos que já pressupõe o projeto como um dado de forma que não há como entrar nessa discussão sem estar encerrada a discussão jurídica e administrativa preliminar. Só faz sentido a interlocução com a Prefeitura no sentido de encontrar soluções técnicas e administrativas se houver disposição para retornar etapas e corrigir os procedimentos ilegais e insuficientes. Isso não impede que possa haver diálogo e parceria nas várias outras questões urbanas que vêm por aí, como as ligadas à mobilidade ou a revisão da legislação urbanística municipal, mas se for confirmada a intenção em dar continuidade aos atos da gestão anterior, em relação ao Novo Recife, a única esfera de relacionamento possível com a Prefeitura passará a ser a judicial.

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Carta ao Prefeito Geraldo Julio e ao Secretário João Braga sobre o Novo Recife

Documentos anexados à carta:

– Abaixo-assinado CONTRA AS IRREGULARIDADES DA ANÁLISE DO PROJETO NOVO RECIFE E POR UMA DISCUSSÃO DE VERDADE COM A SOCIEDADE
– Nota pública do CENDHEC – Para vetar o projeto Novo Recife
– Fim de uma era: breves comentários sobre um parecer técnico (Alexandre Bahia sobre o parecer da CCU)
– Nota de Esclarecimento sobre o Projeto novo Recife da Promotora de Meio-Ambiente do MPPE
– Parecer Jurídico sobre Irregularidades na Composição do Conselho de Desenvolvimento Urbano

Carta ao Prefeito Geraldo Julio e ao Secretário João Braga sobre o projeto Novo Recife

Esta carta foi encaminhada ao novo Prefeito e novo Secretário numa reunião realizada no dia 8 de janeiro de 2013, juntamente com uma compilação de documentos que esclarecem os argumentos dos opositores ao projeto e as irregularidades administrativas que tornam nulo seu processo de análise pela Prefeitura na gestão anterior.

CARTA AO PREFEITO GERALDO JULIO E SECRETÁRIO JOÃO BRAGA SOBRE O PROJETO NOVO RECIFE

Ao Excelentíssimo Prefeito da Cidade do Recife, Sr. Geraldo Júlio,
Ao Excelentíssimo Secretário Municipal de Mobilidade e Controle Urbano, Sr. João Braga,

Em termos de importância urbanística para o centro da cidade o Cais José Estelita jamais pode ser tomado como um lote qualquer. O terreno tem proporções que não se confundem com quase nenhum outro na cidade, 10 hectares, fica no ponto de articulação entre a Zona Sul e o Centro da cidade e é vizinho de uma área do Centro degradada e subutilizada (a região da rua Imperial) mas também de outra com intenso uso popular (o entorno do Mercado de São José). O projeto que será feito ali pode determinar uma mudança de rumo no desenvolvimento da cidade, com um Centro vibrante, novamente referência da cidade como um todo, ou pode enterrar essa possibilidade, agravando problemas de mobilidade na ligação com o bairro de Boa Viagem, isolando ainda mais a área degradada do entorno da rua Imperial, destruindo a identidade histórica do Centro e segregando ainda mais ou levando a uma expulsão branca dos usuários populares do bairro de São José.

Por essa razão um projeto para aquele local deveria ter um tratamento especial, sendo conduzido com o protagonismo do Poder Público, na observância do que já exige a legislação urbanística municipal que impõe a realização por parte da prefeitura de um plano urbanístico para  área do Cais José Estelita. Além disso, em respeito às disposições legais do Estatuto das Cidades e do Plano Diretor da Cidade do Recife, qualquer projeto de tal porte deveria ser discutido e analisado com ampla transparência e participação popular, informada pelo devidos Estudos de Impacto de Vizinhança e Ambiental.

Na elaboração e análise do Projeto Novo Recife, no entanto, todos esses cuidados deixaram de ser observados. Do ponto de vista urbanístico, o projeto peca por tratar uma área de vital importância para o Centro como um terreno privado qualquer, oferecendo um modelo de ocupação com alto impacto na paisagem, com um padrão típico de outros bairros e alheio ao do Centro, sem real diversidade de uso e sem integração completa com o bairro de São José. A capacidade desse modelo de ocupação servir como vetor de revitalização e dinamização econômica do entorno é bastante reduzida, como já demonstrado com o caso dos edifícios de alto padrão no Cais de Santa Rita. Dessa forma, o discurso sobre os possíveis benefícios econômicos do Projeto precisa ser sempre contrastado com as possibilidades de ganhos bem maiores oferecidos por outras alternativas, elaboradas a partir de um plano urbanístico integrado para o Centro do Recife e dos instrumentos legais correto, e que não teriam tanto impacto sobre a paisagem e a identidade do Centro, fatores importantes, por exemplo, na atratividade turística da cidade.

Do ponto de vista legal, todo o processo de análise do Projeto está eivado de vícios desde o seu princípio. Além da já citada falta de observância à obrigatoriedade de um plano urbanístico para a área e da realização dos devidos estudos de impacto, o projeto não poderia ter sido protocolado sem a conclusão prévia do processo de parcelamento do terreno, ele mesmo um processo de análise de um projeto de impacto, submetido às mesmas exigências. Nas etapas posteriores do processo, houve também uma grave falha em uma análise técnica que deu parecer favorável ao projeto mesmo antes da emissão de pareceres de órgãos como FIDEM, IPHAN, FUNDARPE, DNIT e ANTT, pareceres estes que poderiam implicar alterações substanciais nos projetos de arquitetura. Por fim, o processo foi submetido, mesmo com essas falhas, à análise de um Conselho de Desenvolvimento Urbano cuja composição irregular e não paritária o tornou incapacitado para exercer seu papel legal de órgão de participação popular e de controle e fiscalização do poder discricionário do Executivo municipal. Todas essas irregularidades, detalhadas nos documentos anexos, foram argüidas nas reuniões do CDU, mas foram monocraticamente desconsideradas por sua então presidente. Agora encontram-se em discussão na Justiça, em ações movidas pelo Ministério Público e por cidadãos integrantes do grupo Direitos Urbanos.

A oposição ao Projeto Novo Recife não é uma oposição a qualquer projeto para a área, uma oposição ao desenvolvimento econômico, nem mesmo uma oposição à verticalização em si. É antes de tudo a oposição a um modelo de desenvolvimento urbano ultrapassado, fundado na visão fragmentária e de curto prazo de uma iniciativa privada que age sem a orientação e o protagonismo do poder público. É a defesa de que o desenvolvimento econômico deve sempre ser encarado como um meio para a conquista de uma melhor qualidade de vida e uma cidade mais justa. Mas, com o desenrolar do processo de análise do Projeto pela prefeitura e a descoberta de suas várias irregularidades, essa oposição tornou-se também uma defesa da moralidade administrativa e dos princípios constitucionais de defesa do meio ambiente e da “função social da cidade”.

A atuação da Prefeitura do Recife na análise desse Projeto não se encontra de modo algum encerrada. Diante de tantas irregularidades, da importância do Cais José Estelita para a cidade e dos riscos trazidos por um Projeto desse porte, é imperativo que a Prefeitura busque retomar a discussão sobre a urbanização do Cais de volta para o interesse maior da cidade e também

Por isso pedimos ao Senhor Prefeito e ao Senhor Secretário que, em cumprimento à lei, determine a nulidade da reunião do CDU em que supostamente foi aprovado o projeto arquitetônico intitulado Novo Recife e faça cumprir todas as imposições legais cabíveis que vêm sendo desatendidas até o momento, observe o princípio da participação popular para discutir com a sociedade civil recifense e com os empreendedores o melhor projeto de urbanização para área, evitando o modelo autoritário de planejamento urbano desenhado sem a participação da população e analisando democraticamente todas as alternativas possíveis que tragam desenvolvimento econômico e integração para a área.

Atenciosamente,
integrantes do grupo Direitos Urbanos

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– Abaixo-assinado CONTRA AS IRREGULARIDADES DA ANÁLISE DO PROJETO NOVO RECIFE E POR UMA DISCUSSÃO DE VERDADE COM A SOCIEDADE
– Nota pública do CENDHEC – Para vetar o projeto Novo Recife
– Fim de uma era: breves comentários sobre um parecer técnico (Alexandre Bahia sobre o parecer da CCU)
– Nota de Esclarecimento sobre o Projeto novo Recife da Promotora de Meio-Ambiente do MPPE
– Parecer Jurídico sobre Irregularidades na Composição do Conselho de Desenvolvimento Urbano

Parecer Jurídico sobre as irregularidades do processo sobre o Novo Recife na Prefeitura

Este foi o parecer elaborado pela professora doutora Liana Cirne Lins,  professora da Faculdade de Direito do Recife, da UFPE, e membro da Comissão de Meio Ambiente da OAB, e pela arquiteta urbanista Clara Moreira mestre pelo MDU/UFPE a pedido de membros do grupo do Direitos Urbanos|Recife e de outros membros da sociedade civil de grande representatividade para a discussão sobre os rumos da cidade para a segunda reunião do Conselho de Desenvolvimento Urbano sobre o Projeto Novo Recife, no final do mandato do Prefeito João da Costa, dia 21 de dezembro de 2012. O texto não pode ser lido na reunião pois a ela foi sustada após a intimação das rés Maria di Biase, Secretária de Desenvolvimento Urbano e Obras e Virgínia Pimentel, Secretária de Planejamento, pela liminar fruto de uma Ação Popular que denunciava ilegalidades na composição do Conselho. Interessa a publicação no blog, pois o documento resume ilegalidades do processo que tornam nulos os processos administrativos conduzidos pela Prefeitura até aqui em relação ao projeto.

PARECER TÉCNICO JURÍDICO

SOLICITANTES: Tomás Lapa, Cristiano Borba, Luis de la Mora, Norma Lacerda, Leonardo Cisneiros, Cristina Gouvêa, Vitória Régia de Lima Andrade

OBJETO: Processos administrativos Nºs. 07.32990.4.08; 07.32986.7.08; 07.32987.3.08; 07.32989.6.08; e 07.32988.0.08 – Projeto inicial, para construção de empreendimento de uso empresarial e flat, situado na Rua Bom Sucesso esquina com Av. Engenheiro José Estelita, lote 01, Quadras A, B, C, D e E, no bairro de São José referentes ao empreendimento Novo Recife – Cais José Estelita

a. DA ILEGALIDADE PELA INEXISTÊNCIA DE ESTUDO DE IMPACTO AMBIENTAL E ESTUDO DE IMPACTO DE VIZINHANÇA

A obrigatoriedade do prévio estudo de impacto ambiental para a implantação de projetos potencial ou efetivamente poluidores é uma imposição constitucional disposta pelo art. 225, §1º, IV, da Carta Magna.

Há para a Administração Pública o dever de exigir dos empreendedores que realizem, às suas expensas, o estudo prévio de impacto ambiental, o qual não pode ser dispensado, sempre que se trate de licenciamento de atividade ou instalação efetiva ou potencialmente poluidora ou causadora de degradação ambiental.

Em face da obrigatoriedade do EIA/RIMA para projetos potencial ou efetivamente poluidores, de que é exemplo claro o Projeto Novo Recife, o processo administrativo que desrespeite essa exigência constitucional deve ser reconhecido como nulo.

Conforme dispõe a Lei Municipal nº 16.176/96, Lei de Uso e Ocupação do Solo da Cidade do Recife:

Art. 61. Os Empreendimentos de Impacto são aqueles usos que podem causar impacto e/ou alteração no ambiente natural ou construído, ou sobrecarga na capacidade de atendimento de infra-estrutura básica, quer sejam construções públicas ou privadas, habitacionais ou não-habitacionais.
Parágrafo único. São considerados Empreendimentos de Impacto aqueles localizados em áreas com mais de 3 ha (três hectares), ou cuja área construída ultrapasse 20.000m² (vinte mil metros quadrados), e ainda aqueles que por sua natureza ou condições requeiram análises especificas por parte dos órgãos competentes do Município.

Além disso, as leis municipais adiante mencionadas impõem a realização prévia do EIA, posto que o imóvel em discussão sofrerá loteamento, pois nele serão abertas vias e logradouros.

A lei municipal nº 16.243/96, Código do Meio Ambiente e do Equilíbrio Ecológico da Cidade do Recife, exige que os loteamentos na cidade do Recife causadores de impacto ambiental, preventivamente sofram Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental.

Art 10. As alterações do meio ambiente que acarretem impactos ambientais serão prevenidas ou reprimidas pelo Poder Executivo, através de medidas que visem à preservação ou manutenção das condições de qualidade ambiental sadia em benefício da comunidade recifense.
§1º – São indispensáveis para o exercício das atribuições previstas no “caput” deste Artigo o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), os quais obedecerão às disposições da Resolução nº 01, de 23 de janeiro de 1986, do CONAMA e demais normas legais e regulamentares pertinentes. […]
Art 11 – Para efeito da aplicação deste Código, são consideradas como fontes de impacto ambiental as relacionadas no Anexo II, cuja instalação dependerá de autorização e aprovação da SEPLAM. […]
ANEXO II
RELAÇÃO DAS PRINCIPAIS FONTES DE ALTERAÇÃO E IMPACTO AMBIENTAL
VI – loteamentos de terreno, independentemente do fim a que se destinem;

Finalmente, quanto à cogência do Estudo de Impacto de Vizinhança, igualmente ausente nos processos sob análise, dispõe o Plano Diretor da Cidade:

Art. 188 São considerados empreendimentos de impactos:
I – as edificações não-habitacionais situadas em terrenos com área igual ou superior a 2,0 ha (dois hectare) ou com área construída igual ou superior a 15.000 m² (quinze mil metros quadrados);
II – as edificações habitacionais situadas em terrenos com área igual ou superior a 3,0 ha (três hectares) ou cuja área construída ultrapasse 20.000 m2 (vinte mil metros quadrados);
§ 2º A aprovação dos Empreendimentos de Impacto fica condicionada ao cumprimento dos dispositivos previstos na legislação urbanística e à aprovação, pelos órgãos competentes da Administração Municipal, de Estudo de Impacto de Vizinhança, a ser apresentado pelo interessado.

b. DA ILEGALIDADE PELA AUSÊNCIA DE PRÉVIO PARCELAMENTO DO IMÓVEL E PELA VIOLAÇÃO AO ART. 186 DA LEI MUNICIPAL N° 16.292/97 E AO ART. 1°, §1°, DO DECRETO MUNICIPAL N° 23.688/08

Além das nulidades anteriormente apontadas, há de ser analisado, ainda, vício de forma impeditivo não somente do desenvolvimento do projeto arquitetônico engendrado pelo PROJETO NOVO RECIFE, mas inclusive impeditivo da sua propositura.
O parcelamento é requisito lógico para o desenvolvimento de obras de arquitetura em solo urbano.

O parcelamento é requisito lógico para o desenvolvimento de obras de arquitetura em solo urbano, uma vez que define o formato e as dimensões dos lotes que são condicionantes do estabelecimento dos parâmetros urbanísticos. Conforme lição de José Afonso da Silva:

Os índices urbanísticos constituem, com a dimensão dos lotes, os intrumentos normativos com que se definem os modelos de assentamento urbano, em função da densidade populacional e edilícia desejável para determinada zona ou área.
O dimensionamento dos lotes é conceito fundamental para a definição dos modelos de assentamento urbano. (SILVA, Direito Urbanístico Brasileiro, 2012, p. 249).

O Decreto municipal nº 23.688/2008 estabelece:

Art. 1º Os interessados em formalizar processos urbanísticos e/ou administrativos perante as Gerências Regionais da Diretoria de Controle Urbano da Secretaria de Planejamento Participativo, Obras e Desenvolvimento Urbano e Ambiental, preencherão os formulários apropriados, estes acompanhados dos documentos constantes no Anexo Único deste Decreto.
§ 1º A falta de um dos documentos indicados no Anexo Único deste Decreto, bem como a ausência do formulário ou o preenchimento deste de modo incompleto, incorreto ou contendo rasuras, emendas ou entrelinhas, impossibilitará a formalização do processo, não gerando qualquer número de protocolo.

O Anexo do referido decreto explicita os documentos necessários para a protocolização dos alvarás de serviço sem reforma e de projeto inicial, senão vejamos:

“Projeto Inicial
Documentos/Informações necessários ao ingresso do processo:
“Projeto Arquitetônico em 04 cópias, heliográficas ou plotadas em papel opaco, assinadas pelo responsável técnico do projeto. OBS: É facultada a apresentação inicial de 02 jogos do projeto para a fase de análise. Para a aprovação do mesmo, serão exigidos 04 jogos completos e corrigidos.
“Seqüencial (ais) ou nº (s) da(s) Inscrição (ões) Imobiliária(s) atualizada(s) do(s) imóvel (is);

Disso se conclui pela necessidade prévia ao protocolamento do projeto inicial, como requisito inafastável à formação do processo administrativo, a inscrição imobiliária do imóvel, cuja obtenção deve ser precedida do parcelamento deste.

Entretanto, no momento da formação dos processos administrativos em comento, não estavam registrados os lotes e nem mesmo definidos. Assim, não havia o número sequencial exigido para o protocolamento do processo de projeto inicial.

Mais grave ainda: até hoje tais lotes permanecem indefinidos e tampouco possuem número de sequencial próprio!

De tal modo, uma vez ausente o requisito, de acordo com o art. 1º, § 1º do Decreto, não poderiam os processos sequer ter sido formalizados. Tem-se, portanto, vício de forma a macular, completamente, o desenvolvimento do projeto inicial.

c. DA ILEGALIDADE PELA IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DOS PROCESSOS PELO CDU DEVIDO À AUSÊNCIA DE PARECERES DO IPHAN E DO DNIT

A área onde se pretende instalar o empreendimento imobiliário “Novo Recife” está situada no terreno da antiga RFFSA, na Av. Engenheiro José Estelita, Bairro de São José e, conforme atesta a Diretoria de Controle Urbano da Prefeitura do Recife, parte do empreendimento está inserido em poligonal de entorno de monumentos tombados pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Artístico e Histórico Nacional), conforme ofício Nº. 021/98 – 5ª GR IPHAN – MinC, de 21/01/1998, o que torna cogente análise técnica sobre possibilidade ou não do projeto inicial “Novo Recife”.

Da mesma forma, em qualquer área de ferrovia existem faixas de domínio, de segurança e non aedificandi, cuja intervenção impõe consulta prévia ao DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), que deve ser obrigatoriamente ouvido para verificar se estão sendo respeitadas as distâncias mínimas exigidas em lei para essas áreas.

Por essa razão, na tramitação do Projeto Novo Recife e em qualquer outro que tenha como destino a área em questão, torna-se imprescindível a realização de consulta/ouvida prévia do DNIT acerca dos parâmetros construtivos nas faixas de segurança das linhas operacionais, consoante reconhece o próprio Município.

Ocorre que, até o presente momento, nem IPHAN nem DNIT não foram consultados ou apresentaram pareceres técnicos favoráveis acerca do projeto inicial em exame.

A Lei Municipal Nº. 16.292/1997 (Lei de Edificações e Instalações) determina que:

Art. 271. Os processos que dependam da anuência prévia ou parecer do órgão de outras esferas de governo só poderão ser aprovados, pelo Município, quando o interessado cumprir as exigências emanadas daquele órgão.

Finalmente, nos documentos que encaminham os presentes Processos de Projeto Inicial da CCU para o CDU, está explícita a falta de anuência dos órgãos IPHAN, ANAC, Corpo de Bombeiros; a falta de pronunciamento conclusivo dos órgãos IPHAN, DNIT, ANTT, a falta de assinatura de termos de compromisso com os órgãos IPHAN, DNIT, ANTT e com a própria Prefeitura. Ou seja, a CCU ao enviar processos com tais pendências agiu em clara desobediência ao art. 271 da Lei Municipal Nº. 16.292/1997. O CDU por sua vez, não poderia ter recebido estes processos e incorre em ilegalidade se proceder com a análise desta matéria.

O CDU não pode receber matérias da CCU que não estejam “devidamente instruídas dos elementos que embasaram seus pareceres e/ou outros pronunciamentos” , consoante Decreto Municipal Nº. 17.324/1996, que regulamenta a CCU, que dispõe:

Art. 19. A CCU somente encaminhará, para decisão final, ao titular da SEPLAM, ou ao seu substituto legal e/ou ao CDU, conforme o caso, matérias devidamente instruídas dos elementos que embasaram seus pareceres e/ou outros pronunciamentos, sem o que aquelas matérias não serão conhecidas ou recebidas pela SEPLAM ou pelo CDU.

Art. 22. As matérias a serem submetidas a CCU serão examinadas e analisadas por 2 (dois) relatores, designados pelo Presidente, sendo 1 (um) representante do Poder Público e 1 (um) representante da Sociedade Civil, os quais emitirão parecer técnico a ser encaminhado à Presidência com antecedência de 7 (sete) dias da data da reunião na qual aquelas serão discutidas e decididas.

Assim, além de ilegal, a análise dos projetos sem os documentos citados acima, é impossibilitada uma vez que as decisões relativas a estes documentos faltantes poderão acarretar em mudanças do traçado do parcelamento proposto e mudanças no conjunto de parâmetros urbanísticos aplicáveis. Ou seja, a proposta apresentada ainda não está consolidada: Poderá ser alterada mediante exigências por vir.

d. OUTRAS IRREGULARIDADES VERIFICADAS

a. A Lei de Uso e Ocupação do Solo do Recife (LUOS – Lei Municipal Nº. 16.176/1996) em consideração ao memorial justificativo (previsto na mesma LUOS) não prevê outra forma para ações mitigadoras que não sejam obras, conforme o §2º do artigo 62:

Artigo 62, §2º. O Poder Executivo poderá condicionar a aprovação do Memorial Justificativo ao cumprimento, pelo empreendedor e às suas expensas, de obras necessárias para atenuar ou compensar o impacto que o empreendimento acarretará.

Entretanto, dentre as ações mitigadoras propostas no âmbito do Projeto Novo Recife incluem-se outras formas de contrapartida, portanto não previstas na legislação aplicável.

b. A “quadra E” proposta não cumpre a Lei Municipal 16.286/1997 (parcelamento do solo) em seu artigo 33: Não deve ter extensão superior a 300m.

c. O “lote 01/QE” proposto não cumpre a Lei Municipal 16.286/1997 (parcelamento do solo), em seu artigo 36 e observando-se o § 4° do Artigo 37: Deve apresentar 3ª face.

Recife, 20 de dezembro de 2012.

Liana Cirne Lins
Professora Adjunta da Faculdade de Direito do Recife/UFPE
Professora do Mestrado em Direitos Humanos/UFPE
Membro da Comissão de Meio Ambiente/OAB
Pesquisadora do Moinho Jurídico
Mestra e Doutora em Direito

Clara Gomes Moreira
Arquiteta e Urbanista
Mestra em Desenvolvimento Urbano
Pesquisadora no Observatório Pernambuco de Políticas Públicas e Práticas Socioambientais

Faltam argumentos e sobra desespero aos defensores do Projeto Novo Recife

Por Edilson Silva, presidente do PSOL-PE

Em 2006 fui convidado pelo jornalista/blogueiro Jamildo Melo a escrever artigos de opinião para o seu Blog do Jamildo. Aceitei o convite para escrever artigos semanais, dividindo espaço à época com Fernando Lyra, Gustavo Krause, Luciano Siqueira e outros que não lembro agora. Nestes mais de 6 anos foram mais de 200 textos produzidos e publicados. Absolutamente nenhum texto foi censurado, pois eu também sempre me mantive escrevendo com responsabilidade – mesmo tendo que responder judicialmente por vários deles. Contudo, há poucos dias venho tentando publicar um texto que se choca com o Projeto Novo Recife, mas o blog não publica, enquanto se presta a fazer permanente campanha para este projeto e para a empresa que o encabeça, a Construtora Moura Dubeux. Agradeço ao Jamildo pelo espaço e pela parceria enquanto esta respeitava a opinião deste colaborador. Mas, não sendo mais assim, não há mais por que manter a dinâmica acordada. Em tempo: conferi há poucos minutos a enquete sobre o Projeto Novo Recife que o Blog do Jamildo fez e os contrários ao projeto já ultrapassavam os 60%, logo, meu texto censurado estava em consonância com os leitores. Amizade é a mesma, Jamildo!

Faltam argumentos e sobra desespero aos defensores do Projeto Novo Recife

Não me lembro de outra oportunidade em que um projeto de intervenção urbana na cidade do Recife tenha gerado tanta discussão e que tenha ficado tão nítido a forma não republicana como as gestões públicas agem nestes casos. Diante da absoluta falta ou fragilidade de argumentos dos que defendem o projeto, lamentavelmente parece ter sobrado a estes a tentativa de desmoralização dos que pensam diferente e buscar levar o debate para o ambiente da jocosidade.

Alguns “argumentos”: “O projeto é privado e então ninguém pode se meter”. “O projeto representa progresso”. “Vai gerar emprego e renda”. “Melhor isto do que a área degradada como está”. “Vamos ser a nova Dubai!”. “Quem é contra são maconheiros e desocupados”. “Onde estavam os contrários quando a área estava lá parada e degradada?”. “Porque os que são contra não lutam contra outros problemas mais graves na cidade?”. “Se não gostou, deita na BR!”.

Estes argumentos só servem para um não-debate, para um ambiente de briga de torcidas – que parece interessar aos que pensam em lucrar muito com este projeto. Basta descermos ao ambiente da racionalidade, da legalidade e do bom senso, e tudo fica claro com extrema simplicidade.

O fato de o terreno e o projeto estarem em mãos privadas não significa que pode tudo. Se o dono de um limpa-fossa compra uma área vizinha ao seu prédio, significa que ele pode fazer ali uma estação de decantação? Claro que não. A lei garante que é preciso licença para funcionamento, estudo de impacto ambiental e de vizinhança, caso contrário a cidade vira uma selva urbana. Da mesma forma uma área de 100 mil m² na região central da cidade.

Progresso é um termo muito relativo. A RFFSA (Rede Ferroviária Federal) – proprietária última daquela área do José Estelita, foi privatizada em nome do progresso, com os contrários à sua privatização sendo desqualificados à época como jurássicos. O que vimos depois foi a desativação do ramal ferroviário que ligava Recife ao agreste e ao sertão, ramal que hoje nos faz falta para garantir uma integração ferroviária entre o Recife e Caruaru, por exemplo. O que parecia progresso foi na verdade um brutal retrocesso.

O argumento de que vai gerar emprego e renda e que é melhor este projeto do que o que existe hoje é absolutamente desonesto. Existia/existe outro projeto para área, também transformador, também gerador de emprego e renda, denominado à época Projeto Urbanístico Recife/Olinda. Reproduzo aqui a íntegra da fala da urbanista Raquel Rolnik, que em 2005 era Secretária de Assuntos Urbanos do Ministério das Cidades: “A base do projeto (Projeto Urbanístico Recife/Olinda) era a disponibilização de espaço público e de transporte público de qualidade, interligando as duas cidades, e estavam previstos, por exemplo, 1/3 de habitação popular nas novas áreas a serem construídas e recursos para a urbanização de todas as favelas contidas neste perímetro. Uma proposta inicial – não totalmente desenvolvida e ainda não sacramentada por todos os envolvidos – foi lançada para debate público. Em 2007, no entanto, após as eleições, o governo de Pernambuco mudou e a nova gestão simplesmente não deu continuidade ao projeto.”. Portanto, é ignorância ou má-fé afirmar que os que somos contrários ao projeto Novo Recife não apresentamos alternativas à situação atual.

Quem definiu que queremos ser uma nova Dubai? A maior riqueza de Recife é sua originalidade, seu conjunto cultural, sua arquitetura, sua geografia, sua história, sua antiguidade. Recife pode e deve se modernizar, mas jamais pode se descaracterizar, pois nossas características originais são nossa identidade e nossa maior riqueza. O projeto Novo Recife descaracteriza e empobrece violentamente nossa cidade. Quando se vai à Europa ou para outras localidades do mundo, não se vai em busca de uma nova Dubai, mas sim em busca do que aquela terra tem de original.

Os que são contrários ao projeto Novo Recife são pessoas que tem suas vidas engajadas na luta por uma sociedade melhor. São arquitetos, advogados, operadores de telemarketing, pescadores, desempregados, lideranças partidárias, sindicalistas, jornalistas, estudantes, ciclo-ativistas, engenheiros, aposentados. Alguns são maconheiros? Pode ser. E daí?

Além disso tudo, o Projeto Novo Recife está em total ilegalidade. Está sendo encaminhado com profundos vícios, como de forma impecável asseverou a Promotoria do Meio Ambiente do Ministério Público de Pernambuco, através da Promotora Belize Câmara e também conforme representou junto ao Ministério Público o vereador do PPS Raul Jungmam.

Portanto, vamos ao debate, sem jocosidade, sem desqualificações e dissimulações, respeitando a legislação e, fundamentalmente, a democracia e o respeito à cidadania.


Presidente do PSOL-PE

Texto da 2ª Ação Popular contra as irregularidades na composição do CDU

AO EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA 7ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DO RECIFE/PE 

Processo distribuído por dependência ao processo n. 0195268-24.2012.8.17.0001. 

CRISTINA LINO GOUVÊA, brasileira, solteira, arquiteta e urbanista, título eleitoral nº xxxx.xxxx.xxxx, inscrita no RG sob o nº xx.xxx.xxx-x SSP/SP e no CPF sob o nº xxx.xxx.xxx-xx, residente nesta Comarca, com domicílio na xxxxxxxxx.

LEONARDO ANTÔNIO CISNEIROS ARRAIS, brasileiro, solteiro, professor universitário, título eleitoral nº xxxx.xxxx.xxxx, inscrito no RG sob o nº xxxxxxx (SSP/PE) e no CPF sob o nº xxx.xxx.xxx-xx, residente nesta Comarca, com domicílio na xxxxxxxxx.

Os autores, por meio de sua advogada signatária, conforme instrumento de mandato (doc. 01), que recebe suas intimações na xxxxxxxxx, telefones (xx) xxxx-xxxx e xxxx-xxxx, endereço eletrônico xxxxxxxxx@xxx.com.br, eleitores devidamente alistados (doc. 02), com fundamento no art. 5º, LXXIII da CF e no art. 1º, § 1º da Lei n. 4.717/65, movem a presente 

AÇÃO POPULAR com pedido liminar em face de

 MUNICÍPIO DO RECIFE, pessoa jurídica de direito público, situada na Av. Cais do Apolo, 925, Bairro do Recife, nesta Comarca, CEP 50.030-903, representado pelo seu Procurador, o Sr. PREFEITO DA CIDADE DO RECIFE, o Sr. João da Costa, a Sra. SECRETÁRIA DE CONTROLE E DESENVOLVIMENTO URBANO E OBRAS DO MUNICÍPIO DO RECIFE, Sra. Maria José de Biase e a Sra. SECRETÁRIA DE ASSUNTOS JURÍDICOS DO MUNICÍPIO DO RECIFE, Sra. Virgínia Pimentel, todos podendo ser citados e intimados no mesmo endereço, pelas razões de fato e de direito que passam a expor. 

DA URGÊNCIA JUSTIFICADORA DO PLANTÃO JUDICIÁRIO: 

I – Nos termos do art. 1º da Resolução n. 71/2009 do Conselho Nacional de Justiça, alterada pela Resolução n. 152/2012 do mesmo Conselho, alínea ‘f’, o Plantão Judiciário destina-se ao exame de “medida cautelar, de natureza cível ou criminal, que não possa ser realizado no horário normal de expediente ou de caso em que da demora possa resultar risco de grave prejuízo ou de difícil reparação”.

II – Os réus da presente ação foram regularmente intimados, em data de 21/12/2012, para cumprimento imediato de ordem judicial exarada nos autos da Ação Popular tombada sob o n. 0195268-24.2012.8.17.0001 – com a qual a presente ação guarda conexão – para “sustação da reunião do CDU designada para o dia 21.12.2012”, conforme cópia da decisão judicial (doc. 03).

III – Julgaram os autores populares que a Presidenta do Conselho, Sra. Maria José de Biase, verificaria que o vício de composição que torna írritos os atos praticados por aquele CDU deveria ser regularizado antes de serem retomadas suas atividades de um modo geral.

IV – Não foi o que aconteceu. Nova reunião do Conselho foi designada para data de amanhã, dia 28/12/2012, sem que sua composição tenha sido sanada. O anúncio da reunião irregular se deu no término do expediente forense regular, ou seja, no dia 21/12/2012, aproximadamente às 14 horas, justificando o cabimento e a necessidade da atividade jurisdicional de urgência do Plantão Judiciário. 

DA CONEXÃO ENTRE AS AÇÕES POPULARES:

V – A ação popular ora proposta guarda conexidade com a Ação Popular tombada sob o n. 0195268-24.2012.8.17.0001 por tratarem do mesmo fundamento jurídico: a moralidade administrativa e a ilegalidade da composição do Conselho de Desenvolvimento Urbano da Secretaria de Controle e Desenvolvimento Urbano e Obras da Prefeitura do Recife.

VI – Na primeira ação proposta, pediu-se apenas a nulidade dos processos referentes ao projeto arquitetônico inicial do empreendimento “Novo Recife”. Na presente ação, o pedido é para que se determine a nulidade de todos os atos administrativos que vierem a ser praticados até que se regularize a composição do Conselho. Tratam-se, portanto, de causas cuja causa de pedir é comum.

VII – Diante disso, os art. 103 e 105 do CPC determinam a reunião das ações para julgamento simultâneo. 

DA LEGITIMIDADE PASSIVA:

VIII – Nos termos do art. 6º da Lei n. 4.717/65, a ação popular será proposta contra as pessoas públicas ou privadas e as entidades referidas no art. 1º, contra as autoridades, funcionários ou administradores que houverem autorizado, aprovado, ratificado ou praticado o ato impugnado, ou que, por omissas, tiverem dado oportunidade à lesão, e contra os beneficiários diretos do mesmo.

DOS FATOS:

IX – O Conselho de Desenvolvimento Urbano – CDU – está previsto no art. 202 do Plano Diretor, bem como no art. 113 Lei Orgânica do Município do Recife e integra a Secretaria de Controle e Desenvolvimento Urbano e Obras da Prefeitura do Recife, de que é atual Secretária a Sra. Maria José de Biase.

X – Ao Conselho de Desenvolvimento Urbano compete, dentre outras atribuições, decidir sobre a aprovação de projetos que interessem ao desenvolvimento urbano, inclusive quanto à criação de programas de urbanização e de zonas especiais e aprovar memorial justificativo de empreendimentos de impacto, conforme art. 6°, caput, VIII e X do Regimento Interno do CDU (doc. 05).

XI – O Conselho de Desenvolvimento Urbano é órgão de composição paritária e deve compor-se por 28 (vinte e oito) conselheiros, sendo 14 (quatorze) do Poder Púbico e 14 (quatorze) da sociedade civil, ficando estabelecido que cada Conselheiro terá um Suplente que o substituirá nas suas faltas e impedimentos, conforme art. 3º da Lei 16.704/2001 da Cidade do Recife e art. 3º do Regimento Interno do CDU, assim distribuídos:

DO PODER MUNICIPAL:

a) titular da Secretaria de Controle, Desenvolvimento Urbano e Obras

b) titular da Secretaria de Finanças;

c) 1 (um) representante da Comissão de Obras e Urbanismo da Câmara de Vereadores do Recife;

d) 8 (oito) representantes da Municipalidade a serem indicados pelo Prefeito do Município, sendo 1(um) obrigatoriamente, Secretário Municipal;

e) 1 (um) representante da Fundação de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife – FIDEM;

f) 1 (um) representante da Caixa Econômica Federal – CEF;

g) 1 (um) representante da Universidade Federal de Pernambuco, Mestrado de Desenvolvimento Urbano – MDU/UFPE.

DA SOCIEDADE CIVIL

a) 01 representante do Fórum do PREZEIS;

b) 04 (quatro) representantes de associações comunitárias e não governamentais;

c) 05 (cinco) representantes de conselhos profissionais e sindicatos;

d) 04 (quatro) representantes de entidades vinculadas às classes produtoras.

XII – Nos termos do art. 4º, § 5º do Regimento Interno do CDU, os conselheiros titulares e suplentes serão designados por ato do Prefeito, a quem compete destituir os representantes do Município.

XIII – A atual composição, entretanto, dispõe tão somente de 11 Conselheiros Representantes da Sociedade Civil, conforme Relação de Conselheiros datada de novembro de 2012 (doc. 06), estando vacantes três das quatorze vagas relativas à Sociedade Civil.

XIV – Em relação à composição pelo Poder Municipal, a vaga atinente à Comissão de Obras e Urbanismo da Câmara de Vereadores do Recife está sendo ocupada por vereador não integrante dessa Comissão, qual seja, o Sr. Augusto José Carreras Cavalcanti de Albuquerque, de acordo com a relação de Comissões da Câmara Municipal do Recife (doc. 07) e também conforme Relação de Conselheiros.

XV – A composição irregular do Conselho de Desenvolvimento Urbano foi confirmada pela Ata da 2ª Reunião Extraordinária (doc. 08) ocorrida no dia 30/11/2012 – e a ser assinada na próxima reunião ordinária ou extraordinária do CDU – em que se vê, representando a Sociedade Civil, os seguintes Conselheiros, listados de forma linear e aqui organizados para melhor compreensão do vício de composição:

a)     4 (quatro) representantes de associações comunitárias e não governamentais:

1)      Maria Lúcia da Silva – FIJ (titular)

2)      VACANTE

3)      VACANTE

4)      VACANTE

b)      5 ( cinco) representantes de conselhos profissionais e sindicatos:

1)      Leonides Alves da Silva Neto – CREA/PE (titular) / Roberto Montezuma Carneiro da Cunha – CAU/PE (suplente)

2)      Miguel Romualdo de Medeiros – CORECON/PE (titular) / Ana Carolina Wanderley Beltrão – CORECON/PE (suplente)

3)      Augusto Ferreira de Carvalho Lócio – OAB/PE (titular)

4)      Jorge Luiz Dantas Roma – CUT/PE  (suplente)

5)      Cristiano Felipe Borba do Nascimento – IAB/PE (titular) / Ricardo Jorge Pessôa de Melo – IAB/PE (suplente)

c)         4 (quatro) representantes de entidades vinculadas às classes produtoras:

1)      Marco Aurélio M. Estela de Melo – SINDUSCON (titular) / Antônio Benévolo Carrilho – FIEPE (suplente)

2)      Paulo José Pessoa Monteiro – CDL/Recife (titular)

3)      João Geraldo Siqueira de Almeida – ACP (titular) / Gleyson Vitorino de Farias – FEMICRO (suplente)

4)      Eduardo Fernandes de Moura – ADEMI/PE (titular) / José Antônio de Lucas Simon – ABIH (suplente)

d) 1 (um) representante da Comissão de Obras e Urbanismo da Câmara de Vereadores do Recife:Augusto José Carreras C. de Albuquerque – CMR (titular)

XVI – Nos termos da própria Relação de Conselheiros de novembro de 2012, a Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – ABONG retirou-se do Conselho, o representante da Movimento Nacional de Luta pela Moradia – MNLM/PE permanece aguardando indicação e a 14ª vaga nem sequer está prevista na relação.

XVII – O Conselheiro Tomás Lapa, ocupante da vaga relativa ao Mestrado em Desenvolvimento Urbano MDU/UFPE requereu questão de ordem em que denunciou a irregularidade na composição do CDU, visto que a composição não estaria paritária, em flagrante desrespeito a todas as imposições legais atinentes, tendo lido Parecer Jurídico (doc. 09) de autoria da advogada signatária. A ata da reunião não faz referência direta à questão de ordem, restringindo-se a descrever que o Conselheiro “fez a leitura de um documento, titulado [sic]: PARECER JURÍDICO”.

XVIII – A questão de ordem foi afastada por decisão unilateral da Presidente do CDU, Sra. Maria José de Biase, em desrespeito ao art. 11º, V do Regimento Interno do CDU, segundo o qual aos membros do CDU compete “votar e apresentar questões de ordem”.

XIX – Embora a Ata da Reunião faça constar como palavras da Sra. Maria José de Biase que “Quanto às ausências de algumas instituições que não estão comparecendo à reunião, permanecemos com as vagas”, houve clara adulteração do teor da manifestação da Secretária, pois a sua fala foi, consoante gravação da íntegra da reunião:

“A outra questão que o senhor colocou aí, a de que estão faltando membros do CDU, estes membros estão faltando há muito tempo, o que significa que nenhuma reunião então valeu, pois todos os conselheiros estavam aqui antes e votaram e isso nunca foi questionado.

Aqui nesse CDU tem representação da sociedade civil que deve ser respeitada e precisa de consideração.

Outra coisa: o seu protesto vai ficar registrado e se o MDU e o IAB se sentirem à vontade depois podem requerer entrar judicialmente e se acharem que devem inclusive anular todos os outros processos que foram votados aqui com a participação deles porque não tinha essas duas representações, está registrado e podem fazer tudo que lhe é de direito.” (doc. 10)

XX – Com base nesses fundamentos, os autores populares propuseram ação pedindo declaração de nulidade dos atos e deliberações praticados na reunião do Conselho de Desenvolvimento Urbano do Recife realizada no dia 30/11/2012, bem como a nulidade de quaisquer atos e deliberações do Conselho de Desenvolvimento Urbano para julgamento e aprovação dos processos nºs 07.32990.4.08; 07.32986.7.08; 07.32987.3.08; 07.32989.6.08; e 07.32988.0.08 – Projeto inicial, para construção de empreendimento de uso empresarial e flat, situado a Rua Bom Sucesso esquina com Av. Engenheiro José Estelita, lote 01, Quadras A, B, C, D e E, no bairro de São José intitulado Empreendimento Novo Recife, bem como suspensão liminar de natureza acautelatória dos efeitos de quaisquer atos e deliberações da reunião realizada na data de 30/11/2012 e suspensão liminar de natureza acautelatória de quaisquer atos e deliberações da reunião a realizar-se no dia 21/12/2012 e intimação dos réus para ciência e cumprimento da decisão, sem ouvida da parte contrária, antes da realização da audiência.

XXI – O Douto Magistrado da 7ª Vara da Fazenda Pública decidiu, em sede de liminar, que na hipótese submetida “se encontra razoavelmente demonstrado que da forma como vem deliberando o CDU, considerando a importância dos temas submetidos à sua apreciação, podem causar danos irreversíveis à coletividade recifense, na medida em que estão em jogo as políticas públicas que devem garantir o pleno ordenamento e desenvolvimento das funções sociais da cidade com o objetivo precípuo de garantir o bem estar da população” (doc. 03).

XXII – Intimadas a Secretária de Assuntos Jurídicos do Município do Recife, Dra. Virgínia Pimentel e a Secretária de Controle e Desenvolvimento Urbano e Obras do Município, Sra. Maria José de Biase, às 11h30, conforme Certidão da Oficiala de Justiça (doc. 11), “que de tudo ficaram cientes mas não emanaram suas notas de ciente e não receberam a contrafé, tendo mesmo assim continuado a reunião”.

XXIII – Após a regular intimação, e conforme certidão, decidiram dar continuidade à reunião, aguardando o parecer da Procuradoria sobre se deveriam ou não sujeitar-se à decisão, mantendo os Conselheiros na sala até que concluíssem se seria ou não o caso de cumprir a ordem. Não bastasse isso e não obstante o dispositivo da decisão determinar a “a sustação da reunião” [como um todo e não apenas da parte da reunião que tratasse dos processos referentes ao projeto arquitetônico Novo Recife], decidiu-se dar continuidade aos demais pontos de pauta, nos seguintes termos, de acordo com a gravação do áudio da reunião (doc. 12):

1:11:19 – BIASE – Gente, vamos aguardar. O procurador-geral vai analisar. A reunião está suspensa temporariamente. O procurador-geral vai analisar, então eu vou estar aqui aguardando a resposta, a decisão do procurador-geral..

1:11:42 – BIASE – Está suspensa temporariamente.

1:12 – BIASE – [incompreensível]… pronunciamento da SAJ e a distribuição dessa cópia que vai vir. Não saiam até que chegue essa resposta, está bom?

1:13:28 – BIASE – Gente, por favor, vamos sentar e nos organizar porque a Dra. Virginia quer dar um informe para vocês.

1:13:46 – VIRGINIA – Para esclarecer os conselheiros, eu solicitei à Secretaria de Assuntos Jurídicos que tirasse cópia do mandado, da petição inicial e da decisão judicial para que fosse entregue a cada um porque aí todos vão poder tomar conhecimento. Foi promovida uma Ação Popular, não um mandado de segurança, contra o Município do Recife e também contra o Prefeito e a Secretária de Desenvolvimento, Controle Urbano e Obras. O mandado veio para intimar o Município, a procuradoria já tomou conhecimento da ordem judicial, que é para sustar a análise desses processos específicos do primeiro ponto, que inclusive estão detalhados na [incompreensível]… que estão detalhados os números dos processos. Então fica suspensa a analise dos processos 073299048, 0732986708, 0732987308, 073298968, 0732988008.

São todos… Esses estão suspensos. A Procuradoria vai fazer junto com a entrega das cópias um pronunciamento da própria Procuradoria. E a sugestão é que a reunião passe pro segundo ponto. Aí como a ordem é específica para esse, então esse por decisão judicial está suspensa, então o segundo ponto pode continuar [a numeração antes das falas refere-se ao tempo da gravação do áudio para facilitar o exame da prova pelo Douto Magistrado].

XXIV – Após isso, por iniciativa dos Conselheiros, foi travado um debate sobre a extensão da decisão e se seria ou não contrário à ordem dar seguimento aos demais pontos de pauta. Por volta das 14 horas (duas horas e meia após a intimação), a reunião foi terminada, tendo sido designada nova reunião para tratar de outros pontos de pauta para amanhã, dia 28/12/2012, mesmo que a composição do CDU continue irregular e desigual.

XXV – De fato, a Sra. Secretária de Controle e Desenvolvimento Urbano e Obras da Prefeitura do Recife, leva às últimas consequências sua convicção de que é necessário requerer judicialmente a regularização do Conselho. Na reunião do dia 30/11/2012, a Sra. Maria José de Biase disse aos Conselheiros que denunciaram a sua composição ilegal e irregular que deveriam buscar a via jurisdicional. Na reunião do dia 21/12/2012, após intimada da decisão que considerou afronta à moralidade administrativa “a forma como vem deliberando o CDU”, decidiu, ao lado da Secretária de Assuntos Jurídicos, Dra. Virgínia Pimentel, que tanto seria possível a reunião continuar quanto aos demais pontos de pauta como seria possível designar nova reunião mesmo sem regularização da composição do Conselho.

XXVI – Com isso, as autoridades mencionadas tornaram necessária e urgente a presente ação – a cujo fundamento é rigorosamente idêntico à da outra – e que seria despicienda caso houvesse boa-fé suficiente para concluir que se a moralidade administrativa estaria sendo ferida em um caso, igualmente estaria sendo ferida nos outros.

XXVII – Como a Presidenta do CDU não autorizou a gravação da reunião do dia 21/12/2012 por outra equipe de filmagem além da contratada pela própria Prefeitura e como tampouco entregou cópia dos DVDs dessa filmagem, a despeito dos pedidos protocolados, tanto pelos autores (doc. 13) como pelo Ministério Público de Pernambuco (doc. 14), e tendo em vista não terem enviado nenhum email ou convocação para os Conselheiros (comportamento altamente duvidoso por parte da Administração Pública) os autores populares fizeram prova da ameaça de lesão ao direito à moralidade administrativa de que goza a coletividade , confirmando a reunião designada para amanhã, dia 28/12/2012, através de ligação telefônica para a secretaria do CDU, de que o autor Leonardo Cisneiros é um dos interlocutores (doc. 15). Como é cediço, toda e qualquer ligação telefônica em que é partícipe sujeito da relação processual é admitida como prova lícita e plenamente apta a produzir seus efeitos processuais. Igualmente, juntamos cópia do email da Dra. Belize Câmara, Promotora de Justiça do Meio Ambiente e do Patrimônio Histórico-Cultural da Capital, informando que se encontra há três horas na sede da Prefeitura do Recife sem que o DVD lhe seja disponibilizado (doc. 16).

DA PARITARIEDADE COMO CARACTERÍSTICA ESSENCIAL DO CONSELHO E DA IMPOSSIBILIDADE DE REALIZAÇÃO DOS TRABALHOS DO CDU ATÉ REGULARIZAÇÃO DE SUA COMPOSIÇÃO:

XVI – O Conselho de Desenvolvimento Urbano foi instituído pela Lei Orgânica do Recife (LOR), que atendendo aos reclamos de participação popular na gestão do Município, assim o previu, com a alteração provocada pela Emenda nº 05/1993:

Art. 113. O Conselho de Desenvolvimento Urbano, órgão colegiado de composição paritária entre representantes do Município, da FIDEM (Fundação de Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife), Caixa Econômica Federal, Universidade Federal de Pernambuco, através do Mestrado de Desenvolvimento Urbano e a sociedade civil, exercerá as funções de acompanhamento, avaliação e controle do Plano Diretor.” (grifos nossos).

XVII – A composição paritária do CDU é de observação compulsória, conforme os termos do art. 202 do Plano Diretor do Recife (Lei Municipal Nº. 17.511/2008), bem como art. 1º do Regimento Interno, que prevê que o CDU é órgão institucional de participação paritária entre o Poder Municipal e a Sociedade Civil.

Art. 202. O Conselho de Desenvolvimento Urbano é órgão colegiado integrado paritariamente por representantes da sociedade, órgãos de classe e do poder público de caráter permanente e deliberativo, cuja composição será definida por lei própria.

Art.1º. O Conselho de Desenvolvimento Urbano – CDU – instituído pela Lei Orgânica do Recife (LOR) e disciplinado pelas Leis Municipais nº 15.735, de 21 de dezembro de 1992 e 15.945, de 26 de agosto de 1994, órgão institucional de participação paritária entre o Poder Municipal e a Sociedade Civil, tem por objetivo deliberar, no âmbito do Poder Executivo, nos processos de elaboração atualização, acompanhamento, avaliação e controle do Plano Diretor de Desenvolvimento da Cidade do Recife (PDCR) e da Lei de Uso e Ocupação do Solo (LUOS). (grifos nossos)

XVIII – A vacância de três das quatro associações comunitárias e não governamentais que devem obrigatoriamente compor o Conselho de Desenvolvimento Urbano – CDU, constitui flagrante ilegalidade, pois viola a determinação de composição paritária entre o Poder Publico e a Sociedade Civil deste Conselho e determina a IMEDIATA SOLUÇÃO DE CONTINUIDADE DOS TRABALHOS DO CDU, como reforçam os termos do caput do art. 14 do Regimento Interno do CDU.

Art.14.Os conselheiros poderão se afastar do CDU, temporariamente ou definitivamente, devendo, em qualquer hipótese, apresentar seu pedido de afastamento com 15 (quinze) dias de antecedência, para evitar solução de continuidade dos trabalhos do CDU. (grifos nossos)

XIX – Outra irregularidade verificada em relação à composição do Conselho de Desenvolvimento Urbano é a representação da Câmara de Vereadores. Conforme os exatos termos da letra ‘c’ do item I do art. 4º do Regimento Interno, o CDU, entre os representantes do poder municipal, deve haver 1 (um) representante da Comissão de Obras e Urbanismo da Câmara de Vereadores do Recife, contudo a reunião não contou com a participação de quaisquer dos membros relacionados na composição da Comissão no atual momento, nomeadamente Sr. André Ferreira, Sr. Amaro Cipriano, Sr. Osmar Ricardo, Sr. Rogério de Lucca e Sr. Carlos Gueiros, consoante relação de Comissões da Câmara Municipal do Recife (doc. 05).

Art. 4º – O CDU é composto de 28 (vinte e oito) conselheiros sendo 14 (quatorze) representantes do Poder Municipal e 14 (quatorze) representantes da Sociedade Civil, assim distribuídos:

I – DO PODER MUNICIPAL:

[…]

c) 1 (um) representante da Comissão de Obras e Urbanismo da Câmara de Vereadores do Recife

XX – Assim, além de tornar a composição do Conselho iníqua e afetar diretamente o resultado das votações submetidas aos Conselheiros, a atual composição não paritária, a vacância de assentos de representantes da sociedade civil em prazo superior ao admitido e sem a substituição tempestiva, e a irregular representação da Câmara de Vereadores necessária e cogente dos seus membros torna írritos quaisquer atos praticados por esse conselho até a completa regularização de sua composição, uma vez que eivados de vício formal insanável ensejador de nulidade absoluta.

DA ILEGALIDADE E LESIVIDADE DOS ATOS IMPUGNADOS:

XXI – O art. 2º da Lei n. 4.717/65 dispõe que são nulos os atos lesivos nos casos de incompetência e vício de forma, determinando seu parágrafo único que:

b) o vício de forma consiste na omissão ou na observância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência ou seriedade do ato;

c) a ilegalidade do objeto ocorre quando o resultado do ato importa em violação de lei, regulamento ou outro ato normativo;

XXII – Na lição de José Afonso da Silva, “a Lei n. 4.717, que regulou a ação popular, fincou um sistema próprio de invalidades de atos lesivos ao patrimônio público, nos art. 2º, 3º, e 4º. Cortou controvérsias, considerando-os nulos em todos os casos que ela enumera” (SILVA, Ação Popular Constitucional, 2007, p. 134).

XXIII – Não há que se negar a efetiva lesão destas condutas à moralidade administrativa. Conforme ensina Rodolfo Camargo Mancuso, a ofensa ao bem jurídico da moralidade administrativa foi erigida como fundamento autônomo da Ação Popular pela CRFB/88. Por essa razão, afirma, citando Clovis Beznos, que “a ampliação do objeto da ação popular, introduzida pelo Texto Constitucional de 1988, sujeitando a contraste judicial a lesão à moralidade administrativa, faculta o ajuizamento da mesma independentemente do tradicional requisito da lesão patrimonial” (MANCUSO, Ação Popular, 2011, p. 117-118).

XXIV – Ressalte-se que esta imoralidade não diz respeito ao conjunto de regras éticas que orientam a ação do homem comum em sociedade, mas consistem no conjunto de regras de conduta proba, eficaz e responsável tiradas da disciplina interior da Administração e que abarcam, também, a razoabilidade mesma da conduta.

XXV – Nesse sentido, jurisprudência consolidada no âmbito do STJ abriga a utilização da moralidade administrativa como fundamento autônomo e bastante à procedência da ação popular:

ADMINISTRATIVO. AÇÃO POPULAR. CABIMENTO. ILEGALIDADE DE ATO ADMINISTRATIVO. LESIVIDADE AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO. NECESSIDADE.

1. A ação popular visa proteger, entre outros, o patrimônio público material, e, para ser proposta, há de ser demonstrado o binômio “ilegalidade/lesividade”. Todavia, a falta de um ou outro desses requisitos não tem o condão de levar, por si só, à improcedência da ação. Pode ocorrer de a lesividade ser presumida, em razão da ilegalidade do ato; ou que seja inexistente, tais como nas hipóteses em que apenas tenha ocorrido ferimento à moral administrativa.

(…)

(REsp. 479.803-SP, Rel. Min. João Otávio Noronha, DJ 22.09.2006 p. 247)

DA URGÊNCIA E DA EVIDÊNCIA DA TUTELA:

XXVI – O Conselho de Desenvolvimento Urbano teve designada reunião para o dia 28/12/2012, amanhã, sem que tenha sido tomada nenhuma medida de regularização da composição não-paritária do Conselho, pra tratar de outros projetos não citados expressamente  na decisão preferida nos autos da Ação Popular n. 0195268-24.2012.8.17.0001.

XXVIII – Caso venha a ser realizada a reunião, haverá dano irreparável à moralidade administrativa, face à flagrante ilegalidade do procedimento, de que estão as autoridades competentes devidamente cientes. Eis por que devem ser cautelarmente suspensos todos os atos e deliberações do Conselho até regularização de sua composição.

XXX – Como afirma Luiz Guilherme Marinoni, quando a ação “é proposta para impedir a continuação ou a repetição do ilícito, não há muita dificuldade para se demonstrar o perigo do ilícito. Quando um ilícito anterior já foi praticado, da sua modalidade e natureza se pode inferir com grande aproximação a probabilidade da sua continuação ou repetição no futuro” (MARINONI, Tutela Inibitória. Individual e Coletiva, 2000, p. 48).

XXXI – Trata-se, pois, de hipótese de tutela da evidência, visto não se tratarem de violações transversas ao texto da lei, mas de afrontas diretas às exigências legais, passíveis de plena verificação através da prova documental produzida.

XXXII – Ainda, tendo em vista ter o pedido de urgência natureza meramente acautelatória, uma vez que objetiva apenas resguardar o objeto da ação para o final julgamento da lide, nada se pedindo antecipadamente, não se aplicam as disposições restritivas da Lei n. 9.494/97.

XXXIII – Finalmente, é necessário igualmente afastar qualquer cogitação sobre a aplicação da Lei n. 8.437/92 no caso em tela, pois, como demonstra Rodolfo de Camargo Mancuso:

“é preciso levar na devida conta o fato de que a ação popular não vem proposta contra o Poder Público e sim em face dele, e, não raro, em seu prol, na medida em que o autor intenta proteger um interesse difuso, socialmente relevante. Daí já ter decidido o STJ: ‘O art. 1º da Lei 8.437/92 veda liminares em favor de quem litiga com o Estado. A vedação nele contida não opera no processo de ação popular. É que, neste processo, o autor não é adversário do Estado, mas seu substituto processual’. (STJ, 1ª T., RMS 5.621-0, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 31.05.1995, negaram provimento, v.u., DJU 07.08.1995, p. 23.020). No mesmo sentido: STJ, 6ª T., REsp 73.083-DF, rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 09.09.1997, não conheceram, v.u., DJU 06.10.1997, p. 50.063” (MANCUSO, Ação Popular, 2011, p. 241).

XXXIV – O pedido desuspensão de quaisquer atos e deliberações do Conselho de Desenvolvimento Urbano, até que se providencie a regularização de sua composição, é, com fulcro normativo no art. 5°, § 4° da Lei da Ação Popular, medida de caráter meramente cautelar, necessária para resguardar o objeto principal da presente ação.

XXXV – Com efeito, há um risco de que a continuação dos trabalhos do CDU no dia 28/12/2012 traga prejuízos irreparáveis para a coletividade, que veria seu legítimo interesse no cumprimento das formalidades procedimentais para aprovação de projetos urbanísticos de grande envergadura violado.

XXXVI – Necessário, ainda, afirmar que a Prefeitura do Recife não estaria sujeita a qualquer espécie de prejuízo, pois assim que ocorrer a regularização da composição do Conselho de Desenvolvimento Urbano, nova reunião deverá ser convocada, o que pode ser feito sem nenhuma dificuldade.

XXXVII – O risco de dano irreparável pela prática de atos administrativos ilegais e atentatórios à moralidade administrativa é, portanto, unilateral, suportado apenas pela coletividade que ficaria desprotegida diante de qualquer deliberação tomada sem o respeito às formalidades legais exigidas.

DOS PEDIDOS:

Ante o exposto, requerem os autores:

  1. A citação dos réus para responder a presente ação popular nos prazos e formas legais, podendo ainda, se o quiserem, nos termos do art. 6º, § 3º da Lei n. 4.717/65, abster-se de contestar o pedido ou atuar ao lado dos autores.
  2. A declaração de nulidade de todos os atos e deliberações do Conselho de Desenvolvimento Urbano a partir da data em que houve a denúncia por um dos Conselheiros de composição irregular do Conselho, em 30/11/2012 até que a composição do Conselho tenha sido regularizada.
  3. A suspensão liminar de natureza acautelatória de quaisquer atos e deliberações da reunião a realizar-se no dia 28/12/2012, suspensão liminar de quaisquer atos e deliberações em geral do CDU até regularização de sua composição e INTIMAÇÃO DOS RÉUS PARA CIÊNCIA E CUMPRIMENTO DA DECISÃO, SEM OUVIDA DA PARTE CONTRÁRIA, ANTES DA REALIZAÇÃO DA AUDIÊNCIA, a fim de se resguardar o objeto da ação até seu final julgamento.
  4. A admissão da prova documental produzida, e a produção de todos os meios de prova admitidos em direito que se fizerem necessários.
  5.  A intimação do representante do Ministério Público Estadual para acompanhar a ação, em obediência aos art. 6º, § 4º e 7º, I, a da Lei n. 4.717/65.
  6.  Que se oficie o Ministério Público de Pernambuco para que se exerça sua opinio actio quanto à possibilidade de ter sido praticado, pela Sra. Virgínia Pimentel e pela Sra. Maria José de Biase, crime de desobediência da decisão judicial exarada nos autos da nos autos da Ação Popular tombada sob o n. 0195268-24.2012.8.17.0001.
  7. Isenção de custas judiciais e ônus sucumbenciais, nos termos do art. 5º, LXXIII da CF.

Dá à causa, para fins meramente fiscais, o valor de R$ 1.000,00 (mil reais).

Recife, 27 de dezembro de 2012.

 Liana Cirne Lins

OAB/PE 832-B

Documentos anexos:

1)      Procurações

2)      Prova do alistamento eleitoral

3)      Cópia da decisão judicial exarada nos autos da Ação Popular tombada sob o n. 0195268-24.2012.8.17.0001

4)      DVDs com gravação da íntegra da reunião do dia 21/12/2012

5)      Regimento Interno do CDU

6)      Relação de Conselheiros datada de novembro de 2012

7)      Relação de Comissões da Câmara Municipal do Recife

8)      Ata da 2ª (Segunda) Reunião Extraordinária – Dia 30 de novembro de 2012

9)      Parecer Jurídico lido na reunião de 30/11/2012

10)  DVD com gravação dos trechos da reunião de 30/11/2012 citados na presente ação

11)  Cópia da certidão da Oficiala de Justiça

12)  Áudio da reunião de 21/12/2012 até momentos após a intimação da decisão judicial realizada pela Oficiala de Justiça

13)  Cópia do requerimento do DVD com a gravação da reunião do dia 21/12/2012

14)  Cópia do ofício do Ministério Público de Pernambuco solicitando DVD com a gravação da reunião do dia 21/12/2012

15)  Áudio da conversa telefônica protagonizada pelo autor da ação confirmando a reunião do CDU para data de 28/12/2012

16)  Cópia do email da Dra. Belize Câmara, Promotora de Justiça do Meio Ambiente e do Patrimônio Histórico-Cultural da Capital

“a reunião em que pretensamente foi aprovado o projeto é NULA DE PLENO DIREITO” por Liana Cirne Lins

Professora Liana Lins chegando ao 12º andar da Prefeitura para entregar o parecer contra a realização da reunião

Liana Cirne Lins

Com esta mensagem, enviada com cópia para Maria José de Biase, presidente do Conselho de Desenvolvimento Urbano, e para todos os conselheiros, Liana Cirne Lins, respondeu a mensagem anterior, do professor Luís de la Mora, que lamentava a condução do processo referente ao Projeto Novo Recife pelo Conselho e por toda a administração pública:

 

“Caríssimo Professor Luís de la Mora,

A reunião em questão foi impedida de acontecer por uma ordem judicial datada de 27/12/2012. A Presidenta do CDU e a Secretária de Assuntos Jurídicos do Município foram validamente citadas e intimadas dessa decisão a que descumpriram.

A desculpa utilizada para tentar mascarar a ilegalidade de tal descumprimento foi a existência de uma liminar do juízo plantonista do TJPE que derrubava a liminar proferida nos autos de OUTRA ação popular, anterior.

Qualquer estudante de direito sabe perfeitamente que um recurso (ou sucedâneo recursal) não tem jamais o condão de cassar uma decisão que não lhe foi submetida, devendo necessariamente restringir-se ao objeto da decisão impugnada.

Isso quer dizer que a liminar de 27/12/2012 obtida nos autos da segunda Ação Popular que impetramos contra o Município e as citadas rés é plenamente válida e a reunião em que pretensamente foi aprovado o projeto é NULA DE PLENO DIREITO, por determinação dessa ordem judicial.

No mínimo, temos pela frente uma batalha judicial longa e na qual temos argumentos jurídicos muito superiores.

Quanto à imoralidade e falta de legitimidade política a que o senhor se refere, creio que basta dizer que o fundamento legal das nossas ações – suficiente para convencer dois juízes até o momento – é justamente a moralidade administrativa que não vem sendo observada.

Mas é a seriedade, a correção e a luta limpa de pessoas como o senhor que nos inspiram a buscar justiça e dignidade.

E embora queiram nos fazer crer que somos minoria e que estamos vencidos, é justamente o contrário que se passa.

Abraços fraternos,

Liana Cirne Lins

Advogada
Professora da Faculdade de Direito do Recife/UFPE
Professora do Mestrado em Direitos Humanos/UFPE
Membro da Comissão de Meio Ambiente/OAB-PE
Pesquisadora do Moinho Jurídico”