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#OcupeEstelita

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Democracia na rua: Ocupe Estelita

Por Érico Andrade,
ericoandrade@gmail.com
Filósofo e prof. Dr. UFPE / Ativista dos Direitos Urbanos

O que faltou na votação fraudulenta do projeto Novo Recife na câmara dos vereadores em 5 de maio de 2015 transbordou nas ruas do Recife, a saber, a legitimidade popular. Enquanto na câmara alguns poucos vereadores decidiram rasgar os devidos procedimentos legais e legislaram em função dos seus patrões (os que investem nas suas campanhas eleitorais), nas ruas as pessoas tomavam a cidade para si. Enquanto o prefeito sancionava um projeto irregular distante da cidade, espacializando a distância que guarda cotidianamente da cidade, pessoas tornaram viva a voz de quem é o fim e deveria ser também o meio da política, o povo.

O Recife das revoluções libertárias ganhou corpo heterogêneo que transitava por todas as idades. Gerações se encontram no espaço público para discutir a coletividade dos espaços da cidade. Protesto no Centro Comercial RioMar: tanto inusitado quanto sem completa unidade; próprio de um movimento horizontal, espontâneo e que se unifica no desejo de participar da decisão política sobre a cidade. Fizemos do nosso corpo um território político. Nosso corpo tornou coletivo o que era público: a rua; mesmo a rua que foi sequestrada pelo capital privado, como no caso do RioMar. Ocupar as ruas é uma forma de decentralizar o poder conferido às instituições que ditam o desenho urbano ao sabor do gosto individual e individualizante do mercado imobiliário. Ocupar o RioMar não apenas denuncia um projeto comum de gentrificação e, posteriormente, privatização dos espaços da cidade, que liga o RioMar ao Novo Recife, mas faz ecoar dentro, como diz Lucas Alves, da simulação do espaço público que é o shopping, sempre asséptico, padronizado e homogêneo – o oposto da cidade -, um grito por uma cidade para todas as pessoas e diferentes pessoas.

A indiferença do poder público em relação às manifestações, a tentativa dos vereadores de impedirem a entrada de pessoas e a sonegação de informações por parte da mídia mostram que ocupar as ruas deve ser o primeiro passo para 1) democratizar as instâncias públicas, retirar a concentração de poder dos vereadores e, consequentemente, das empreiteiras que lhes financiam, formando conselhos políticos com a presença de todos os setores sociais e com poder de veto e deliberação; 2) para tirar o poder dos vereadores de barrar a entrada da população naquilo que deveria ser a sua casa, isto é, a câmara dos vereadores; 3) para acabar com a farsa das audiências públicas; estéreis porque nelas somos apenas ouvidos para as atrocidades da prefeitura e não temos poder de rejeitá-las; 4) para democratizar a mídia e veicular outras percepções de mundo e de cidade.

Ocupar é um passo, mas precisamos transformar o ocupe em vigília permanente para que outros passos sejam dados no sentido de mostrar que a legitimidade da democracia se constrói nas ruas. Se os gregos erraram por restringirem a democracia aos homens com posses, nós ainda permanecemos num passo anterior quando achamos que a decisão de alguns vereadores pode representar a vontade da cidade.

Carta do Direitos Urbanos à Câmara Municipal sobre o Plano Urbanístico para o Estelita (PLE nº 08/2015)

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Quando a cidade passa a ser um dispositivo separador, eu sempre digo: mude de nome, não é mais cidade. É qualquer outra coisa. Bote um nome qualquer, mas cidade não é. O atributo da cidade é juntar. Pode chamar de Recife, mas não chame de cidade“.

Luiz Amorim, arquiteto e urbanista, professor da UFPE

Prezadas vereadoras e prezados vereadores,

chegou para a análise desta Casa o projeto de lei do executivo n 08 de 2015, referente ao Plano Urbanístico para o Cais de Santa Rita, Cais José Estelita e Cabanga, exigido pelo Plano Diretor da Cidade do Recife, em seu art. 193, XIII. Apesar da exigência pelo Plano Diretor e também da previsão, no caso específico do Cais José Estelita, desde a lei 16550 de 2000, a confecção desse plano urbanístico só começou a se tornar realidade após a intensa pressão da sociedade civil, motivada pela ameaça do Projeto Novo Recife e  iniciada pelo grupo Direitos Urbanos nesta mesma Casa Legislativa desde uma audiência pública em março de 2012. Essa mobilização tomou corpo, fez do tema do planejamento urbano um assunto de conversa cotidiana das pessoas na cidade e encarnou-se nas ruas e nas redes sociais em diversos protestos que culminaram com a ocupação do Cais José Estelita em maio de 2014, quando o Consórcio Novo Recife iniciou a demolição ILEGAL dos armazéns de açúcar do Cais.

Se cobrávamos desde 2012 a elaboração de um Plano Urbanístico para a definição do futuro do Estelita, é porque cobrávamos, como continuamos cobrando, a submissão do interesse dos empreendendores privados, voltado a tirar do solo urbano o máximo de mais-valia o mais rápido possível, ao interesse público, pensado a partir de uma visão global de que cidade nós queremos, considerando a sustentabilidade das formas de ocupação do espaço urbano, sua integração com a cidade de quase quinhentos anos e a inclusão sócio-espacial de sua população. Um plano urbanístico de verdade partiria de uma visão de cidade, construída a partir dos anseios de sua população com a mediação de técnicos de dentro e de fora do poder público para só aí se traduzir num projeto de lei. Mas não foi isso que chegou à Câmara.

O que a Prefeitura apresentou foi a completa inversão e perversão do planejamento urbano: construiu a parte formal do que seria uma visão do todo, a minuta de lei formalmente correspondente a um plano urbanístico, aceitando como sua premissa principal o dado de três grandes empreendimentos privados na área (dois já conhecidos, o Projeto Novo Recife e o Porto Novo, e outro no Cabanga, ainda não apresentado fora dos gabinetes da Prefeitura). A partir dessa premissa, construiu um simulacro de visão de cidade ao redor deles. E o fez num processo açodado, marcado por irregularidades, o que fez com que o plano chegasse à Câmara gravado por diversos vícios:

  1. Ausência de estudos preliminares obrigatórios, como um estudo aprofundado da mobilidade na área, incluindo a análise dos impactos no sistema de transporte público da região; um levantamento detalhado sobre o patrimônio histórico existente na área; um estudo sobre os efeitos dos empreendimentos previstos sobre o preço do solo e o risco de expulsão da população de baixa renda, dentre outros. Este projeto de lei autoriza um adensamento na ordem de mais de 600 mil m² e a provável atração de mais de dez mil automóveis para área sem ter havido qualquer cuidado com um diagnóstico detalhado da capacidade da infra-estrutura urbana suportar esse adensamento e sem um estudo dos efeitos desse adensamento sobre o Centro da Cidade.
  2. O projeto de lei não levou em consideração precauções quanto ao patrimônio histórico-cultural já reconhecido na área e uma das principais motivações para as manifestações que aconteceram. Não houve escuta do IPHAN, que recentemente inscreveu a área operacional do Pátio Ferroviário no registro da Memória Ferroviária Brasileira. Não se levou em consideração a candidatura do Forte das Cinco Pontas a Patrimônio da Humanidade e o impacto que empreendimentos na área poderiam ter sobre ela.  Não houve o reconhecimento do significado cultural inequívoco das edificações remanescentes na área do Cais, significado que se tornou ainda mais forte e arraigado na memória da cidade depois dos #OcupeEstelitas e da ocupação do interior do Cais, chegando a juntar mais de dez mil pessoas num dia festivo.
  3. O projeto de lei passou por cima do Plano Diretor, permitindo na área do Estelita uma área construída quase três vezes maior do que a do Plano Diretor e reduzindo a taxa de solo natural de 50% para 10%. Pior do que isso: o Plano se choca com as diretrizes que decorrem da definição daquela área como uma Zona de Ambiente Natural  e também com os objetivos previstos pelo Plano Diretor para esse tipo de plano específico, que incluem “promover a inclusão sócio-espacial” (art. 194, II) e “reabilitar e conservar o patrimônio histórico da cidade” (art. 194, IV). Todo esse desacordo com a lei que a Constituição Federal prevê como o instrumento básico da política urbana (art.182, §1º) torna inconstitucional o projeto de lei apresentado.
  4. O artigo 22 do projeto de lei em questão, ao permitir a construção de empreendimentos aprovados antes desta lei conforme os parâmetros da lei vigente à época, concede ilegitimamente ao empreendedor um direito adquirido de construir não reconhecido no ordenamento jurídico nacional, conforme reiterado pronunciamento do STF. Mas, de forma mais grave, dá ao empreendedor a capacidade de implodir unilateralmente um longo processo de participação e de planejamento da cidade, tornando o presente projeto de lei um pedaço de papel sem valor.
  5. O processo de discussão no Conselho da Cidade foi feito de forma irregular, descumprindo diversas previsões regimentais, como a necessidade de discussão do plano e das contribuições da audiência pública em uma Câmara Técnica, ocasião na qual as propostas da sociedade poderiam ser de fato incorporadas ao plano. Mas isso não aconteceu e o plano foi aprovado às pressas, da forma como a Prefeitura e o mercado imobiliário queriam, tratando a participação popular na gestão urbana, que deve se fazer presente desde o momento de diagnóstico e elaboração do plano, apenas como uma formalidade incômoda.

Um processo de participação irregular, meramente formal, sem que tivesse havido diálogo real com a população a respeito do que os recifenses queremos para uma área absolutamente simbólica e estratégica para o futuro da Cidade do Recife, resultou num plano com ajustes meramente cosméticos no Projeto Novo Recife e que não mudaram a sua natureza segregadora e excludente, abrindo ainda caminho para outros projetos de igual natureza.

Tivesse a Prefeitura realmente escutado as manifestações da sociedade civil que vêm desde 2012, haveria incorporado ao projeto de lei medidas tais como (a) determinação de uma cota de habitação de interesse social como contrapartida obrigatória de grandes empreendimentos na área; (b) ampliação da área do plano para incluir toda a Ilha de Antônio Vaz ou, pelo menos, o território que vai do Cais José Estelita até as margens do Capibaribe; (c) proteção como Imóvel Especial de Preservação dos imóveis na área do Estelita; (d) redução significativa do gabarito dos novos empreendimentos na área com a finalidade de preservar a paisagem e a harmonia do skyline do bairro de São José; (e) previsão de comércio popular na área, inclusive com a implementação de novos mercados públicos; (f) redução drástica das vagas de estacionamento obrigatórias ou permitidas com desconto no coeficiente de utilização.

Mas ficou patente que esse processo irregular e esse teatro de participação popular se destinaram somente a dar um amparo legal tardio a interesses privados na área do plano sem considerar os anseios e as necessidades dos diferentes habitantes da cidade e os interesses das futuras gerações a um ambiente urbano justo e equilibrado e à permanência da memória do Recife. A Câmara Municipal do Recife ainda pode reduzir danos, aprovando emendas que alterem a natureza segregadora e destruidora deste plano. Mas o que o grupo Direitos Urbanos reivindica é que, diante de todas irregularidades relatadas, o PLE nº 08/2015 seja REJEITADO para que seja reiniciado corretamente o processo de elaboração de um plano que a cidade do Recife realmente necessita.

Grupo Direitos Urbanos|Recife

Recife, 10 de abril de 2015

Por uma possível genealogia das resistências culturais

Por Beto AzoubelIMG_4854

Uma matéria publicada nesta semana no jornal O Globo gerou uma recepção controversa entre os amigos recifenses. Seu título: “Produção cultural do Movimento Ocupe Estelita ganha fôlego no Recife e já é chamada de ‘novo mangue beat’”. Um enunciado um tanto sensacionalista (nada diferente do que é de costume nos nossos grandes veículos de comunicação – eles sempre precisam vender algo) e um conteúdo que desencadeou leituras variadas. Boa parte delas trataram de se ater a comparações na “exegese” (esclarecimento ou minuciosa interpretação de um texto) das produções culturais de uma ou de outra movimentação. E aí, como não podia deixar de faltar nas discussões estéticas, a questão do valor veio à tona. Cheguei a ler em um comentário de um post de um amigo: “qual a produção artística fruto do Estelita tão relevante quanto qualquer coisa do Manguebeat?”. Entendo a sedução das comparações e a própria matéria pode ter induzido a tais balanças.

No entanto, creio que o texto, escrito pela jornalista Mariana Filgueiras, no leque de suas livres leituras, aponta em direção de um caminho precioso ao se insinuar para uma possível construção genealógica das resistências culturais do Recife. Se esticarmos essa corda no sentido de um passado recente passaremos pelos poetas marginais, pelos coletivos das artes visuais, pelo movimento Super-8 dos anos 70, pelo Vivencial Diverciones, ali no limite das cidades-irmãs…

Retomando os dois exemplos de movimentações culturais em questão (Mangubeat/Ocupeestelita), para além das discussões de mérito/valor da “carne” (conteúdo) de seus “textos” (suas produções culturais), consigo perceber semelhanças bastantes relevantes como a pegada urbana, o olhar cosmopolita, a transformação do espírito da cidade, o grito de pessoas sem vínculos com poder local… Aspectos que são sim essencialmente políticos – e aqui faço coro aos que criticaram o depoimento do músico China na matéria nos comentários do post do grupo Direitos Urbanos que veiculou o texto em questão – e extremamente importantes na construção do espírito de insubordinação e insurreição do velho Recife. No entanto, como colocou o Rud Rafael, citando o filósofo esloveno Slavok Zîzek, num dos comentários da postagem que acabo de mencionar, é preciso que “estejamos atentos: ‘não nos apaixonemos por nós mesmos’”. Há muita água a correr por nossos rios. Ainda que tudo isso (essa genealogia) seja realmente bonito pra danar. (Ocupar e) Resistir é o que nos une.

Representação ao MPPE sobre a audiência sobre o Projeto Novo Recife

Na proposta para o processo de “negociação” apresentada pela Prefeitura do Recife após a ocupação do Cais José Estelita, estavam previstas duas audiências: uma para a discussão das diretrizes urbanísticas para o Cais e outra para a discussão da nova versão do projeto, redesenhado à luz daquelas diretrizes urbanísticas. O processo todo, no entanto, logo foi se mostrando um teatro, com uma reintegração de posse atropelando acordos, com o movimento excluído das reuniões técnicas para a sistematização das contribuições apresentadas na audiência, com o desrespeito aos prazos propostos somente em função de preocupações eleitorais, com o esforço contínuo da Prefeitura para evitar que o assunto fosse tratado no espaço legitimado e competente para tal, o Conselho da Cidade… Agora, uma nova linha é escrita na peça interpretada nesse teatro com a convocação completamente irregular da segunda audiência, ignorando os vários requisitos estabelecidos pela lei municipal 16745 e a necessidade, reconhecida pelos juristas que tratam da participação popular, de ampla informação sobre o assunto a ser debatido para que se garanta que haja um debate de verdade. Em vista disso, denunciamos essa convocação como ILEGAL, chamamos todos para um protesto no local e vamos acionar os meios para garantir que ela seja realizada em conformidade com a lei e com os requisitos para que ocorra uma participação popular de verdade.

Segue abaixo a representação ao Ministério Público entregue ontem. Uma observação: após a entrega da representação, a Prefeitura enviou a convocação para a reunião extraordinária do Conselho da Cidade, marcando-a para o dia 14 de Novembro, 35 dias corridos após a entrega do requerimento.

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Ao Sr. Promotor de Cidadania e Direitos Humanos, Maxwell Vignolli

Eu, Lucas Alves, xxxxxxxxxxxxxxxxx,

venho por meio deste expor os seguintes fatos e solicitar providências junto ao Ministério Público de Pernambuco

 

  1. Está em curso, desde maio do corrente ano, após a ocupação da área não operacional do Cais José Estelita pelo Movimento #OcupeEstelita em defesa do direito à cidade e à participação popular na gestão urbana,  uma negociação intermediada pela Prefeitura do Recife e diversas entidades representativas da questão urbana a respeito do destino do Cais e do projeto imobiliário proposto para ele, denominado Projeto Novo Recife. A Prefeitura propôs um protocolo de negociações, questionado pelo movimento e por algumas entidades que se retiraram da mesa de negociações e cujas irregularidades já foram objeto de representação prévia ao Ministério Público. Foi denunciado que as negociações continuaram mesmo sem o assentimento do MPPE e MPF à proposta de procedimentos, tal como inicialmente previsto, e, o mais importante, que uma negociação sobre diretrizes urbanísticas para a área do Cais José Estelita e adjacências, uma matéria de planejamento urbano, estava sendo conduzida fora da instância institucional competente para discutir o tema, o Conselho da Cidade do Recife, instituído pela lei municipal 18013/14.
  2. Para corrigir essa distorção no processo de planejamento da cidade, quinze entidades que compõem o Conselho da Cidade do Recife protocolaram em 10 de outubro de 2014 requerimento de realização de reunião extraordinária (anexo 1), incluindo na pauta a discussão pelo Conselho do caso do Cais José Estelita e do Projeto Novo Recife. A lei municipal que institui o Conselho, a 18013 de 2014, dispõe em seu art. 16, que o Conselho pode se reunir extraordinariamente por convocação de ⅓ de seus membros e, no § 2º do mesmo artigo, que o interstício mínimo entre a convocação de uma reunião extraordinária e sua realização é de dez dias. Após o recebimento do requerimento, a Secretaria de Desenvolvimento e Planejamento Urbano convocou reunião ordinária do Conselho para o dia 29 de outubro passado, mais de dez dias após o recebimento do requerimento e sem incluir na pauta os pontos apresentados no requerimento de reunião extraordinária. Nesta reunião ficou acordado que o requerimento assinado por ⅓ dos membros tinha caráter vinculado e que a reunião com aqueles pontos de pauta deveria ser imediatamente convocada. No entanto, até a presente data ainda não o foi.
  3. No dia seguinte a esta reunião do Conselho da Cidade em que foi cobrada a convocação da reunião extraordinária com o Projeto Novo Recife na pauta, dia 30 de outubro, foi publicado no Diário Oficial do Município “Aviso de Audiência Pública”, assinado pelo Secretário Antônio Alexandre, presidente do Conselho da Cidade na ausência do Prefeito municipal, informando da realização de audiência pública sobre o redesenho do Projeto Novo Recife no dia 7 de novembro próximo.
  4. Ora, a lei municipal 16745, que rege a realização de audiências públicas pelo Executivo ou Legislativo municipal, dispõe em seu artigo 5º que “As audiências públicas serão convocadas com antecedência mínima de 15 (quinze) dias, através de aviso publicado no órgão de imprensa oficial do Município, devendo conter informações sobre seus objetivos, data, horário, local, prazos e condições para inscrição, além da agenda básica da audiência [negrito meu]”. Resta, portanto, claro que tal prazo foi violado nesta convocação. Além disso, também não consta na convocação quaisquer informações sobre “condições para inscrição”, como forma de garantir a intervenção oral na audiência, tal como requerido pelo artigo supracitado da lei municipal. Também não houve qualquer esclarecimento se será atendido o requisito legal de concessão de igual tempo de exposição para defensores de opiniões contrárias sobre a matéria (art. 8º, § 2º da lei supracitada), nem mesmo como proceder para a inscrição como expositor (art. 7º).
  5. Além disso, a mera convocação para a audiência pública sem publicação prévia do material a ser discutido nela deturpa sua finalidade e faz dela somente um momento de publicidade de informações ao invés de um momento adequado de escuta da população:

    toda documentação que for exibida na audiência pública deverá ser disponibilizada anteriormente para a população. (…) Conhecer o teor do material apenas no dia da audiência pública é tolher o direito à informação e inibir o processo democrático, pois o poder de argumentação e debate fica enormemente reduzido” (DI SARNO, Daniela Campos; “Audiência Pública na Gestão Democrática da Política Urbana” in DALLARI & DI SARNO (coord.); Direito Urbanístico e Ambiental. Belo Horizonte: Forum, 2011 p. 56)

  6. Resta claro que, diante da denúncia pelo #OcupeEstelita da completa ausência de escuta da população no processo de aprovação do Projeto Novo Recife, ao arrepio da Constituição Federal e do Estatuto da Cidade, a Prefeitura da Cidade do Recife resolveu responder com um mero teatro da participação popular, em um processo de suposta negociação em que somente um interessado dá todas as cartas e o poder público submete o planejamento da cidade ao interesse privado. Os fatos recentes apontam para um índicio de manobra para tolher o direito dos conselheiros subscritores do pedido de reunião extraordinária e, em última instância da população da cidade, de ver o assunto do destino do Cais José Estelita discutido no forum legalmente competente para tal. Além disso, com a convocação açodada e irregular da audiência pública sobre o Projeto Novo Recife, sem observância do devido interstício entre convocação e realização, abre-se a suspeita de que se trata de mais uma manobra para impedir que o assunto seja discutido no Conselho da Cidade.

Diante do exposto, requer desta Promotoria que:

  • recomende a imediata suspensão da audiência prevista para o dia 7 de novembro e a edição de nova convocação, em conformidade com a lei 16745 e com o princípio de publicidade, acompanhada da publicação prévia do material a ser discutido.
  • envide todos esforços para garantir o direito dos membros do Conselho da Cidade que subscrevem o requerimento de reunião extraordinária à sua realização e à discussão no fórum legalmente legitimado sobre o Projeto Novo Recife.

 

Recife, 03 de Novembro de 2014

O novo mundo nasce no Recife, debaixo de um viaduto.

Post de Felipe Melo, professor de ecologia do CCB da UFPE, no Facebook, sobre o evento do Som na Rural na praça do Cabanga, ontem, dia 22.06.14

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Nunca havia posto os pés na praça que fica ao lado do viaduto Capitão Temudo. Quantos recifenses já caminharam por lá? A praça é um projeto paisagístico lindo, com um lago artificial, bem arborizada mas, cercada por todos os lados por vias de alta velocidade (sic) e maltratada. O‪#‎OcupeEstelita‬ nos deu essa oportunidade, com somente ocupar o lugar, atrair a multidão e transformar um sítio fantasmagórico num espaço de convivência precioso. De repente, estávamos todos lá e felizes. Entre uma conversa e outra, nos dávamos conta de que avançamos definitivamente num debate que congrega as mais variadas perspectivas.

O #OcupeEstelita é tão impressionante que havia lixeiras por todos os lados, sendo constantemente esvaziadas e recolocadas. Saí já tarde e não se percebia rastros significativos de que ali houve uma reunião massiva com atividades culturais e consumo de bebidas e lanches. Até os próprios vendedores de cerveja recolhiam os restos de suas vendas. Tudo cooperativo, auto-organizado graças ao esforço daqueles que defendem um novo mundo. Saí dali para o Recife Antigo, espaço explorado pelo comércio desorganizado, com carros estacionados de todas as maneiras, cadáveres de lata ocupando o espaço que poderia estar cheio de pessoas. Não há lógica de apropriação coletiva da cidade nesses espaços oficiais, mas um aglomerado de usurpação privada dos espaços, cada um como pode. Nunca foi tão triste ir ao Recife Antigo.

O mais importante é que a luta do #OcupeEstelita denunciou claramente os atores responsáveis pelo caos urbano. As empreiteiras, maiores doadoras em campanhas eleitorais, são o grande “lobby” político na realidade atual brasileira. Eles não estavam acostumados sequer a serem contrariados, nunca imaginariam que tivessem um megaempreendimento detido pela força democrática, pela informação da sociedade. Quando antes as empreiteiras tiveram que disputar a opinião pública com uma população informada e criativa, que derruba cada argumento deles? Quando antes, as forças políticas do Recife tiveram que tomar partido num debate desses? Daí o incômodo de João Lyra quando divulga uma nota técnica e tenta “lava as mãos” do sangue que ele sabe que derramou. Daí a ausência de posicionamento veemente de qualquer político de peso em favor das empreiteiras e do projeto Novo Recife. Ninguém defendeu publicamente as empreiteiras, deixaram essa tarefa para seus vários seus porta-vozes disfarçados de jornalistas. É sintomático que um debate dessa magnitude tenha o lado das empreiteiras sendo difundido pela mídia comprada, editoriais agourentos, e propaganda disfarçada de notícia. Nenhum “figurão” de nosso estado comprou a briga pelo lado daqueles que os financiam. Do contrário, aumenta a cada dia os apoios ao #OcupeEstelita e todos orgulhosos do apoio declarado.

Estamos ganhando!

Cais José Estelita: a Democracia em Estado de Sítio

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Texto de Érico Andrade, professor da UFPE. Email: ericoandrade@gmail.com

Quando a polícia, que tem o monopólio da violência para proteger os interesses do Estado, se transforma no exército dos interesses privados é hora de repensar os rumos da democracia. O que aconteceu na reintegração de posse do Cais Estelita dilata-se para além das fronteiras da justa luta por uma cidade humana. Trata-se de uma luta contra o estado sequestrado por interesses privados – interesses das empreiteiras financiadoras das campanhas dos prefeitos do Recife – e que usam a polícia como forma de coibir manifestações não apenas pacíficas como necessárias para o fortalecimento de nossa jovem democracia.
A reintegração de posse do Cais Estelita desrespeitou as principais diretrizes que caracterizam um Estado de direito e democrático. Não houve negociação com os manifestantes no sentido de garantir a tranquilidade da reintegração. Eles ficaram impedidos de sair do Estelita. De modo ainda mais grave; eles estavam, após serem agressivamente encurralados pela polícia, na linha férrea, que não faz parte da reintegração expedida pelo juiz, e foram, nesse momento, alvo de balas de borracha, spray e gás lacrimogêneo. Também foi vedado o acesso dos advogados ao local em que ocorreram essas arbitrariedades. A polícia continuou nos agredindo, mesmo depois da reintegração de posse, fora do Estelita. Ela não poupou agressão de cassetete e deferiu golpes em mulheres grávidas e na advodaga da ocupação e militante do DU. Covardia é palavra mais suave para denunciar essa arbitrariedade.

A violência institucionalizada é a falência do Estado. Ela finca muros para que os cidadãos não exerçam livremente o direito de discutir e planejar a cidade. A violência da política é também covarde porque se estrutura na assimetria das forças. Enquanto nossas armas são o desejo por uma cidade planejada coletivamente e priorizando a coletividade, a polícia dispõe de armas que ferem não apenas os nossos corpos, mas, sobretudo, tentam ferir a nossa dignidade. Contra a força desproporcional da polícia dispomos apenas da coragem de quem luta não para garantir seu investimento – como fazem aqueles empreiteiros que vão aos debates dizendo cinicamente que estão pensando a cidade –, mas de quem sonha cidades. Contra o forte poder do capital imobiliário temos a consciência de que a nossa luta não é para tirar vantagens ou subtrair dividendos. Queremos o direito de querer, isto é, desejamos um Estado que não esteja subordinado às empreiteiras como Moura Dubeux e Queiroz Galvão, mas que sirva aos interesses da maioria, materializados num plano diretor amplamente discutido pela sociedade.

O que aconteceu no Estelita é a censura ao diálogo. O acordo com a secretária de direitos humanos de uma reintegração de posse pacífica e que não ocorreria no alvorecer do dia foi quebrado; o ministério público não foi acionado para garantir a tranquilidade da desocupação, a polícia agiu não para reintegrar a posse, que seria questionada juridicamente no outro dia, mas para atacar covardemente a sociedade civil organizada. Eles agiram para dispersar a luta e se transforam em capangas institucionalizados dos novos senhores de engenho. Tentaram nos vencer com o terror e mostraram a falta crônica de diálogo do governo e da prefeitura. Esqueceram, contudo, de que nós não fugimos à luta porque guardamos a coragem dos que resistem até o último tiro.

Em Pernambuco, nada mais subdesenvolvido que o “Novo Recife”

#OcupeEstelita

Por Pablo Holmes

Professor de Teoria Política da Universidade de Brasília (UnB)

Hoje, em Pernambuco, poucas coisas representam melhor o significado social, econômico e político do termo “subdesenvolvimento” que o empreendimento imobiliário levado a cabo pelo consórcio “Novo Recife”, no Cais José Estelita.

De fato, a palavra “desenvolvimento” expressa um dos conceitos mais contestados das ciências sociais. Hoje, até mesmo a teoria econômica prefere outras palavras e critérios, como o “crescimento econômico”, à vagueza e imprecisão da ideia de “desenvolvimento.

Em seu sentido tradicional, “desenvolvimento” implica uma sequência temporal de etapas, seja no nível psicológico-cognitivo, como no nível societal, que se desdobraria em níveis de complexidade cada vez maiores chegando a algum nível “superior”.

Desse modo, o conceito precisa supor não só uma sequencia padrão de estágios, como também um modelo final de comportamento individual (na psicologia) ou de funcionamento social (na vida social).

Em outras palavras, haveria ao final de um “processo de desenvolvimento” algo como uma forma social ideal, uma forma de existência social que todos almejariam, por ser a “mais evoluída”, a “melhor”,  “superior”.

Esse tipo de raciocínio, típico do século XIX, fez história no pensamento social e econômico, assim como na economia política. Depois de mais de 50 anos de críticas vindas de todos os lados, ele precisa, porém, ser reespecificado.

O Desenvolvimento hoje

Hoje, a ideia de desenvolvimento passou a ser um desses velhos artefatos conceituais, que são usados, mas que perderam em grande medida seu significado original.

Poucos acreditam que se pode conceber um modelo a ser seguido e que siga de padrão. Nada mais problemático do que noções estagiadas de desenvolvimento que tratam realidades distintas sob um mesmo critério, normalmente tomado de um contexto particular, a ser transposto para outras realidades.

A crítica ao conceito de desenvolvimento, ademais, não é mais exclusividade da sociologia ou da antropologia. Com efeito, essas disciplinas foram talvez as primeiras a perceber, há algumas décadas, que não é possível sustentar um “modelo de estágios” universal. Seja porque contextos sociais são diferentes e qualquer transposição implica uma violência radical, seja porque não há quaisquer garantias em relação à superioridade de uma realidade em relação a outra: até porque essas realidades estão normalmente reciprocamente implicadas em uma sociedade mundial tão inter-relacionada.

A disciplina econômica, que foi o palco privilegiado de surgimento de uma verdadeira “teoria do desenvolvimento”, demorou mais para incorporar essas críticas. Por um longo tempo, várias gerações de economistas se ocuparam em procurar os padrões que fariam uma sociedade, ou uma nação, tornar-se “desenvolvida”.

E, assim, a partir da década de 1950, países da América Latina, África e Ásia se tornaram verdadeiras cobaias de “planos” econômicos e modelos políticos que deveriam gerar “desenvolvimento”.

Vários desses “planos” de desenvolvimento entendiam, inclusive, ser desnecessário pensar em democracia, em participação pública e política, em inclusão social, sem que o problema do “desenvolvimento” fosse resolvido. Em alguns casos, pensava-se até mesmo que uma ditadura seria mais capaz de produzir “desenvolvimento”, pois nela os líderes poderiam perseguir sem limites as “políticas econômicas necessárias”. Desenvolvimento era um problema para técnicos

Mais recentemente, porém, também a teoria econômica passou a criticar a noção de “desenvolvimento” nesses termos. Pesquisas empíricas que usavam dados mais abrangentes passaram a observar que não existe uma fórmula única para se produzir crescimento econômico.

Em realidade, percebeu-se que algumas instituições eram capazes de gerar crescimento econômico no longo prazo se associadas a conjunções de acasos, mas não havia uma política única que as instituições deveriam perseguir. O problema consistia mais em uma questão de forma que de conteúdo: as instituições corretas tenderiam a produzir as respostas adequadas a depender do seu contexto. E, na verdade, dever-se-iam evitar exatamente impor instituições em nome de soluções criadas por experts e tecnocratas.

Além disso, passou-se a perceber uma forte corelação entre crescimento econômico e instituições capazes de produzir inclusão social e inclusão política. Quanto mais capazes de produzir inclusão nos processos de decisão e quanto mais capazes de incluir os cidadãos na produção, na arte, na cultura, na educação etc, as instituições sociais seriam mais capazes de produzir, consequentemente, crescimento econômico.

Definitivamente, hoje, há um forte consenso de que o problema do “desenvolvimento” não tem nada a ver com “um” plano; muito menos com a ideia de seguir “um” modelo de país que seja mais “avançado” que os outros.

Em lugar disso, trata-se de produzir instituições que possibilitem que os indivíduos possam decidir o que fazer com suas vidas, individual e coletivamente. Construir realidades locais em que a inclusão política, econômica, artística, cultural e educacional possa se reproduzir e gerar uma sociedade dinâmica e flexível.

O subdesenvolvimento do “Novo Recife”

Nesse contexto, não é difícil perceber o quanto as cidades se tornam centrais. Elas são os palcos dos eventos mais importantes, assim como das decisões políticas, econômicas e culturais que mais influenciam o planeta, nos nossos dias.

E, portanto, elas são talvez o lócus central e quem se reproduzem dinâmicas de inclusão e exclusão social.

Cidades são espaços privilegiados de produção e criação, nas mais diversas áreas da vida social. Elas também são fundamentais para o crescimento econômico.

E, nesse ponto, também as novas teorias e concepções sobre o “desenvolvimento” parecem convergir: as cidades mais capazes de se tornar inclusivas e atrair a diversidade cultural e econômica tendem a ser também economicamente importantes. Mas, assim como não existe um modelo de sociedade a ser seguido, não há uma cidade ideal.

Se pensamos na nossa realidade, poderíamos dizer que Recife não precisa se tornar mais ou menos parecida com Paris, Londres, Miami ou Nova Iorque para se tornar mais ou menos desenvolvida. Não se trata disso.

Uma cidade se torna rica, nos mais diversos sentidos, à medida em que ela pode atrair pessoas criativas, e fixar dinâmicas sociais diversas. Pois são essas dinâmicas que fazem de uma cidade um espaço relevante econômica-, social e culturalmente.

E isso nos leva à relação direta entre o Projeto “Novo Recife” e a ideia de desenvolvimento.

Se, por um lado, as ideias de desenvolvimento e subdesenvolvimento foram desafiadas, as novas teorias do desenvolvimento que associam crescimento econômico à existência de determinado tipo de instituições podem nos dizer um pouco acerca dos mecanismos, relacionados à vida urbana, que mantêm populações em situação de pobreza e sofrimento e dos que são capazes de criar dinâmicas inclusivas.

Se a cidade é o espaço dos mais importantes processos sociais dos nossos dias, as estruturas urbanas baseadas em esquemas inclusivos têm relação direta com essas dinâmicas de crescimento e prosperidade social, cultural e também econômica.

A essa altura, todos já sabem em que consiste o projeto “Novo Recife”. Ele reproduz uma lógica conhecida de exclusão e divisão da cidade entre os que fazem parte da vida econômica, cultural e política, e todo o resto são dela excluídos.

O “Novo Recife” isola espaços para os que podem pagar e exclui deles os que não podem; reduz os espaços comuns de convivência, troca e mistura sociais. De acordo com o triste projeto do consórcio de empresas imobiliárias, os espaços comuns se reduzem mais uma vez às vias de circulação que são, novamente, privatizados  por automóveis.

O projeto de empreendimento insiste em uma lógica urbana feita para excluir, em nome da proteção. Ele reproduz as divisões sociais ao invés de combatê-las. E, acima de tudo, ele é o resultado de um processo de construção do espaço urbano que não leva em conta interesses coletivos, que não se baseia no compartilhamento de espaços e no convívio.

Ao pensarmos desenvolvimento como o resultado de dinâmicas de inclusão, capazes de tornar uma sociedade flexível, dinâmica e próspera, resta evidente que nada representa melhor o “subdesenvolvimento”, hoje, no Recife, do que o Projeto “Novo Recife”.

A imprensa classe média

Érico Andrade (prof. UFPE, doutor filosofia pela Sorbonne e membro dos direitos urbanos)

ericoandrade@gmail.com

Mais de 5.000 pessoas participaram do #OcupeEstelita do dia 1º de junho

Mais de 5.000 pessoas participaram do #OcupeEstelita do dia 1º de junho

É estranha a omissão dos jornais no que diz respeito à divulgação de um dos maiores movimentos da história da cidade. Várias pessoas ocupando o cais Estelita, milhares de pessoas participando das atividades culturais, realizadas pelos Direitos Urbanos em parceria com outros atores políticos, como o Som da Rural e o movimento Ocupe Estelita, e a suspensão de um projeto retrógrado para a cidade durante esses dois últimos anos, não podem ser negligenciados. A imprensa não precisa ser contra o Novo Recife (afinal não podemos esquecer de que o JC faz parte do grupo de JCPM responsável por várias construções irregulares), nem precisa ser imparcial. Ela só não pode ser indiferente.

Quando trata com indiferença o pleito por participação popular nas decisões da cidade, presentes tanto nas redes sociais quanto no movimento Ocupe Estelita, a imprensa assume que a liberdade de expressão é facultada apenas para mostrar um lado da história. Ela é livre apenas para ser unilateral. A liberdade da imprensa passa a ser uma forma de ditar um único discurso na esperança, nefasta, de expressar a opinião pública sem que o público se manifeste quanto à sua própria opinião.

Quando constrangida pela força notável das manifestações a imprensa continua agindo no sentido contrário à liberdade de expressão. Ela desqualifica, diminui os manifestantes e os reputa como defensores de ruínas e burgueses sem causa. Essa tática é um acinte a qualquer forma de diálogo porque desrespeita o interlocutor. Várias linhas foram gastas para inibir esse ataque gratuito e arbitrário. Aqui resumo no seguinte argumento. Caso a luta pelo Estelita se resumisse a um desvario juvenil, não teríamos tido a vitória de barrar a construção de uma catástrofe urbanística cujo despropósito começa pelo nome: Novo Recife, nem muito menos teríamos conseguido suspender o alvará de demolição dos armazéns. Mesmo com toda força do capital imobiliário conseguimos essas vitórias.

Para a imprensa é preciso dizer que queremos mais do que a suspensão do Novo Recife sem deixar de dizer, contudo, que já somos vitoriosos porque a especulação imobiliária e o desrespeito ao planejamento urbano, bem como o desrespeito às leis que regem a cidade começam a ser combatidas. As armas dos Direitos Urbanos são, sabemos: as leis, a consistência dos argumentos sólidos e técnicos e, principalmente, a participação de milhares de pessoas que se encarregam de publicizar o direito ao contraditório que a imprensa se nega a mostrar.

É preciso dizer ainda que nos acusar de burgueses é uma tentativa sorrateira de condenar a classe média ao papel de classe média que acha que a política se resume ao combate à corrupção, que dá credibilidade aos meios de comunicação sem saber o poder do capital que está por trás deles, que acredita na dicotomia progresso com destruição ou estagnação e que, por fim, acredita que só se faz bem ao Recife quando se pensa em ganhar seu próprio dinheiro. O que mais choca os que criticam os Direitos Urbanos é saber que somos a classe média que se recusa a ser esse protótipo de classe média com os pés fincados em Miami. Sabemos que ninguém tem culpa de ser classe média, mas deveria ter culpa por não lutar para que todos pudessem desfrutar dos benefícios materiais de ser classe média. Somos a classe média que não foge à luta. Por isso, somos todos e todas Coque (R)existe, Salve o Caiçara, Removidos da Copa e OcupeEstelita.

Mídia Capoeira

Érico Andrade (prof. UFPE, doutor filosofia pela Sorbonne e membro dos direitos urbanos) ericoandrade@gmail.com

É estranha a omissão dos jornais no que diz respeito à divulgação de um dos maiores movimentos da história da cidade. Várias pessoas ocupando o cais Estelita, milhares de pessoas participando das atividades culturais, realizadas pelos Direitos Urbanos em parceria com outros atores políticos, como o Som da Rural e o movimento Ocupe Estelita, e a suspensão de um projeto retrógrado para a cidade durante esses dois últimos anos, não podem ser negligenciados. A imprensa não precisa ser contra o Novo Recife (afinal não podemos esquecer de que o JC faz parte do grupo de JCPM responsável por várias construções irregulares), nem precisa ser imparcial. Ela só não pode ser indiferente.

Quando trata com indiferença o pleito por participação popular nas decisões da cidade, presentes tanto nas redes sociais quanto no movimento Ocupe Estelita, a imprensa…

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O que a luta pelo direito à cidade tem a ver com o Ocupe Estelita?

Por Pedro César Josephi, advogado, mestrando em Direitos Humanos pela UNICAP e integrante da Frente de Luta pelo Transporte Público de Pernambuco

artigo foto

Este texto é uma atualização dos sentimentos esposados quando do início da luta em defesa da cidade nos primeiros questionamentos sobre a destinação do Cais José Estelita surgiram.

Impulsionado pelos megaeventos que acontecerão e pela difusão do consumismo de produtos e espaços exclusivos para um setor da sociedade que se pretende diferente de outro setor emergente (a midiática “nova classe média”), temos assistido, no Brasil, o pulsar de intervenções urbanísticas protagonizadas tanto pelo Poder Público quanto pelo grande capital imobiliário e neodesenvolvimentista (com a anuência, é claro, do próprio Estado).

No Recife não é diferente. A Copa das Confederações e a preparação para a Copa do Mundo geraram drásticas intervenções urbanas, diretamente ligadas aos megaeventos, tais como construção de uma Arena e de vias, realocamento da malha rodoviária e do transporte coletivo; e também, indiretamente, como é o caso das remoções de comunidades (como o Loteamento São Francisco) inteiras, expulsão dos comerciantes, ambulantes e trabalhadores do comércio informal das ruas e da praia, e a retirada dos feirantes do entorno dos mercados públicos. Ações tais sempre acompanhadas por violência e brutalidade estatal, e sem a apresentação de política pública alternativa para àquelas pessoas que perderam suas casas (no máximo, a inclusão delas no auxílio-moradia, pasmem, que não chega a R$ 160,00, além de irrisórias quantias indenizatórias – muitas ainda sub judice) e seus postos de trabalho (não só inexistem projetos de qualificação, como igualmente, não se tem destinação para acomodar estes trabalhadores/as).

Processos que são reflexos de um projeto de cidade em que não cabe a população pobre e trabalhadora, processos de higienização social que visam um “embelezamento” e elitização da área urbana do Recife, e que por vezes são “legitimados pela opinião pública” (opinião atinente a grande imprensa pernambucana, não raramente financiada pelas grandes construtoras e empreiteiras locais, e refletida por uma elite que consume este projeto de cidade elitista, com espaços públicos sendo privatizados para isto).

Portanto, incorreto dizer que Recife é uma cidade sem planejamento urbano, visto que ele ocorre, todavia elaborado pelo poder econômico local, qual seja, o grande mercado imobiliário, e assumido pelo Município e Estado como política oficial. O espaço urbano é verdadeiramente “fatiado” na Prefeitura pelas construtoras e imobiliárias, que definem e repartem, entre elas, os locais de atuação (intervenção) de cada uma. Decisões que acontecem nos grandes escritórios destas empresas e são aprovadas pela gestão municipal sem a devida participação popular (não realização de audiências públicas, aprovação sorrateira no Conselho de Desenvolvimento Urbano) e dos órgãos fiscalizadores, e sem os necessários estudos de impacto socioambiental (análise de como os empreendimentos reverberam na comunidade local e no meio ambiente, exigências do próprio Estatuto das Cidades).

Nesta esteira, apresenta-se o “Projeto Novo Recife”, um megaempreendimento imobiliário de luxo na área central do Recife e idealizado por um consórcio formado pelas principais construtoras e empreiteiras locais, quais sejam, Moura Dubeux, Queiroz Galvão, G.L. Empreendimentos e Ara Empreendimentos. O referido projeto visa à construção de 12 torres empresarias e residenciais em uma área antes pública e – propositalmente – abandonada durante anos (da União e que foi arrematada por este consórcio, leilão, inclusive questionado judicialmente, tanto pelo Ministério Público de Pernambuco quanto pelo Ministério Público Federal), no Cais José Estelita, a beira do Rio Capibaribe, e que liga o nobre Bairro de Boa Viagem ao centro da cidade. O que não impede, por amor ao debate, a responsabilidade socioambiental do setor privado na destinação da área.

Assim, questionando a destinação imobiliária, a degradação ambiental, paisagística, histórica e arquitetônica do espaço, acontecem desde 2012 inúmeras manifestações que se denominaram “Ocupe Estelita” (influenciado pelas ocupações dos espaços públicos – praças e ruas, na Europa, em um movimento que reivindicava Democracia Real). Nos “Ocupe Estelita”, ante a necessidade de se organizar aquela luta pontual e construir uma pauta política de resistência ao Projeto “Novo Recife” surgiu o grupo “Direitos Urbanos”, campo político plural e horizontal em que se deram as discussões sobre o Cais José Estelita, e em que, com o passar do tempo, desembocaram as diversas lutas urbanísticas em defesa da cidade e contra as intervenções imobiliárias e estatais violadoras dos direitos urbanos e humanos.

Na última quarta-feira (21/05), após controversa autorização do Poder Público Municipal, a construtora Moura Dubeux operava a demolição dos armazéns históricos no Cais José Estelita em plena madrugada. Logo, várias pessoas correram para lá e impulsionaram corajosamente a resistência contra aquela medida, que posteriormente foi suspensa pela Justiça Federal e embargada pelo IPHAN. A luta contra o Projeto “Novo Recife” desembocou em um acampamento que já dura 6 dias e consolida-se simbolicamente no Recife como uma luta contra hegemônica ao modelo de desenvolvimento urbano implementado pelo grande capital pernambucano e alicerçado pelo arcabouço estatal.  Luta que teve algumas vitórias e derrotas, ao longo deste tempo, mas que serve para nós cidadãos recifenses como um referencial de organicidade e possibilidade de intervenção direta em defesa da cidade e daqueles localizados na base da pirâmide social, trabalhadores e excluídos.

É claro e evidente que a lógica do Novo Recife guarda conexão íntima com os processos de remoções dos moradores de Camaragibe, com a expulsão dos trabalhadores do comércio informal, com o processo de higienização social nas comunidades dos Coelhos e Coque, e com a ausência de participação popular no atual modelo de expansão do transporte público, isso porque esta é uma lógica excludente, galgada em relações assimétricas entre sociedade civil organizada/movimentos sociais e o grande capital/poder público, onde não há espaços republicanos e democráticos para discussão sobre os rumos da nossa cidade.

Neste contexto, a existência de uma demanda consumeirista, que motivou a construção do Shopping Rio Mar, das torres gêmeas no Recife Antigo e do Projeto “Novo Recife”, chega a assustar, em tempo que temos números alarmantes de déficit de moradia e moradias sub-humanas.  Isto só revela que ao contrário do que amplamente propagado pelas agências estatais, vivemos sim em uma situação de caos para a imensa maioria da população, que se vê excluída dos processos políticos da cidade, mas também alijada do próprio “consumo” de serviços e bens de qualidade. Ou seja, é uma ilusão afirmar que Recife adentrou na era da “democratização do consumo”. O que temos é cada vez mais o fomento aos espaços “exclusivos”, “primes”, “vips” (FanFest da FIFA), “alphavilles”, bolhas imobiliárias, financiadas em sua imensa maioria pelos Bancos Oficiais, o que cria a falsa ideia na população de que um dia terá acesso a este tipo de “qualidade”. Neste tipo de desenvolvimento urbano, certamente, não terá.

Por fim, entendo que o acampamento do Ocupe Estelita é na verdade, para além de um “simples ato”, um verdadeiro ponto de encontro de pessoas que reivindicam a participação popular nas decisões dos rumos da nossa cidade, que protagonizam a ocupação dos espaços públicos e que questionam bravamente os processos de elitização, higienização social e privatização do urbano, impulsionados pelo advento dos megaeventos que aqui aportam.

Democracia viva: por que ocupar o Estelita?

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Texto de Érico Andrade, professor da UFPE

Galpões destruídos só são sinônimos do atraso quando a sua destruição traduz um modo de pensar a cidade de maneira atomizada; como se fosse possível que cada construção, realizada isoladamente e com interesses distintos, pudesse, de forma espontânea, se harmonizar com o resto da cidade ou mesmo se harmonizarem entre si. O Recife é a demonstração de que isso não é possível. O caos no trânsito, a falta de saneamento, o entupimento das encanações e os esgotos que jorram a lama representam a falta de planejamento e de um crescimento absolutamente desordenado porque está entregue à iniciativa privada. Cada construção, uma estrutura autor-referente, uma muralha de concreto e um isolamento da cidade. Ilhas dentro das ilhas: mutilação.

A mutilação da cidade é silenciosa e acontece na calada da noite. Tão covarde quanto o silêncio constrangedor do prefeitura. A conivência criminosa da prefeitura ganha contornos ainda mais dramáticos quando não apenas as estacas da impunidade são cravadas no Estelita, mas também os capatazes fazem da violência arma de intimidação ou quando as escavadeiras apontam para os militantes como forças repressivas. O novo Recife repete as práticas mais deploráveis da história da cidade. Arroga o termo novo para pintar de patina o coronelismo que autoriza a bater, a torturar quem se coloca contrário aos seus desmandos e a intimidar quem não esmorece em face das ameaças mais sórdidas.

Mais do que velho o novo Recife é retrocesso. É retrocesso não porque repete a política feita de modo unilateral. Nisso ele é apenas velho. O retrocesso está nos seus tentáculos que invadem o poder judiciário que, sob o mando dos coronéis, afasta quem luta pelo patrimônio público e, acima de tudo, pela o estado de direito. Não podemos esquecer do afastamento, inexplicável, da promotora Belize Câmara. É importante ressaltar a cooptação da imprensa que insiste que os militantes, especialmente, os dos direitos urbanos são guardiões de ruínas quando eles pretendem, em última análise, defenderem o estado de democrático, os trâmites legais e, sobretudo, uma cidade planejada em que cada construção espelhe uma visão comum de cidade, coletiva e com uso misto, sempre que possível, dos espaços privados. Uso tão comum em cidades europeias muitas vezes idolatradas por quem é a favor do novo Recife.

Está na hora de vencer o discurso maniqueísta que divide a sociedade entre os que são a favor do passado idílico, porque supostamente estariam preocupados apenas em defender ruínas, e os que enxergam as ruínas a marca indelével do passado cuja destruição é a única forma de fomentar o progresso. O que está em jogo no novo Recife é a oportunidade de reverter a lógica de que o passado e o futuro se excluem, a lógica de que a cidade pode ser construída sem que o estado de direito seja respeitado, sem que a devida e essencial discussão democrática, coletiva, sobre os destinos do espaço público seja realizada. É preciso entender que o novo realmente só acontece quando aprendemos que as ruínas do passado não devem ser o álibi para que a iniciativa privada invada o poder público, transgrida as leis e subjugue o Estado ao interesse das empreiteiras e dos seus capatazes travestidos de imprensa e políticos profissionais.

A serviço do progresso: semióforo, ideologia e sobre como o Jornal do Commercio tornou-se porta-voz do Consórcio Novo Recife

Ivan MORAES FILHO[1]

Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE

Resumo

A partir dos conceitos de Ideologia de John B. Thompson e de Semióforo, de Marilena Chauí, ambos de raíz marxista, constrói-se uma discussão acerca do papel da mídia em particular, para consolidar o discurso da necessidade do “crescimento” e do “progresso” em detrimento aos direitos humanos e aos mecanismos democráticos de tomada de decisões. Para isso, analisamos o papel do Jornal do Commercio do Recife nos episódios de discussão e manifestação popular que envolvem o projeto Novo Recife, especificamente a partir de matérias, anúncios e editoriais publicados pelo periódigo entre os meses de março e abril de 2012.  O uso da ideologia constatado na prática jornalística denota a função assumida pelo veículo não de promover o diálogo entre os segmentos da sociedade e o esclarecimento do público, mas para aliar-se ao mercado imobiliário naturalizando os processos nem sempre transparentes e democráticos que envolvem o debate sobre a função social do terreno de 101 mil metros quadrados às margens do Cais José Estelita.

Palavras-chave

Jornalismo; Ideologia; Semióforo; #ocupeestelita, Jornal do Commercio;

A classe que dispõe dos meios de produção material
dispõe também dos meios de produção espiritual

(Marx e Engels)

Introdução

“O país precisa crescer”. “Precisamos de grandes obras, de mais prédios, mais ruas, mais pontes, mais estradas”. “O desenvolvimento de uma nação, de um estado ou de uma cidade depende da geração rápida de empregos e da mudança da paisagem urbana”. “O velho deve ser descartado, o novo deve ser construído”. “Nada pode deter o progresso, a modernidade”. Todas essas afirmações são costumeiras de se ler, ouvir e assistir através dos meios de comunicação. Todas elas confirmam a existência do chamado “semióforo do desenvolvimento”.

Esta chamada “lógica do mercado e do consumo” é referência para a prática capitalista e vale tanto para a indústria quanto para corporações do comércio, tanto para o ramo imobiliário quanto para empresas do setor jornalístico. Ou para conglomerados que unem empreendimentos em dois ou mais desses setores.

Tendo boa parte de seus rendimentos obtidos através da construção civil, seja através de classificados ou anúncios de maior porte, já seria natural que jornais comerciais andassem lado a lado com estes seus clientes. No caso do Jornal do Commercio, em particular, esta relação é ainda mais estreita. O JC pertence ao Grupo JCPM[2], que também investe em Shopping Centers e no mercado imobiliário de forma mais ampla. É deste grupo empresarial, por exemplo, o Shopping RioMar, construído a poucos quilômetros da área do Cais José Estelita e que certamente lucraria com a construção de gigantes prédios de apartamentos no local, em oposição à destinação pública da área de 101 mil metros quadrados.

Através da leitura das edições situadas entre os meses de março e abril de 2012, vamos observar como o Jornal foi utilizado como porta-voz do mercado imobiliário em geral (e do Consórcio Grande Recife em particular) para invisibilizar as discussões pertinentes sobre a necessidade de democracia e transparência na discussão sobre a função social do terreno para naturalizar a ideia de que a área que hoje abriga galpões abandonados há décadas não tem outra saída senão a construção do empreendimento privado.

Ideologia, semióforo e Mito Fundador

Para Karl Marx a ideologia era a “falsa consciência”, uma forma de dominação que é fruto (e consequencia) do controle que as classes dominantes têm não só dos meios de produção  material, mas também dos meios de produção espiritual. Ou seja: o poder é mantido não só através da imposição política ou econômica, mas também através da conquista das mentes e do controle do discurso. A partir do que considera ser o “sentido latente”[3] da ideologia de Marx, John B. Thompson nos ajuda a compreender como atuam esses instrumentos, por exemplo, nos meios de comunicação em massa.  Apesar de alinhar-se à interpretação negativa do autor de “Ideologia Alemã”, o sociólogo inglês acredita que há outras formas de dominação além de classe (o que não discutiremos neste artigo). Mais além, para Thompson, não é necessário que as formas simbólicas sejam errôneas e ilusórias para que sejam ideológicas, como ele afirma em sua obra Ideologia e Cultura Moderna (1995, p. 76),

De fato, em alguns casos, a ideologia pode operar através do ocultamento e do mascaramento das relações sociais, através do obscurecimento ou da falsa interpretação das situações; mas essas são possibilidades contingentes, e não características necessárias da ideologia como tal.

Em seu livro “Brasil: Mito Fundador e Sociedade Autoritária”, a  filósofa Marilena Chauí  aprofunda a maneira com que a ideologia vem sendo utilizada para a manutenção da estrutura de classes nacional, identificando a utilização de semióforos: símbolos com multiplos significados que indicam caminhos a serem seguidos, que moldam o conhecimento que a sociedade tem sobre si mesma e que guiam as pessoas a orientar-se sobre a forma com que se comporta e sobre como faz suas escolhas.

Um semióforo é um signo trazido à frente ou empunhado para indicar algo que significa alguma outra coisa e cujo valor não é medido por sua materialidade e sim por sua força simbólica: uma simples  pedra se for o local onde um deus apareceu, ou um simples tecido de lã, se for o abrigo usado, um dia, por um herói, possuem um valor incalculável, não como pedra ou como pedaço de pano,  mas como lugar sagrado ou relíquia heróica. Um semióforo é fecundo porque dele não cessam de brotar efeitos de significação. (CHAUÍ, 2000, p.7)

Na lógica do capitalismo, são esses semióforos quem irão legitimar a lógica do mercado e do consumo, naturalizando a exploração dos trabalhadores à custa, por exemplo, de um projeto de desenvolvimento que apenas serve aos interesses de uma pequena parcela da sociedade, mas que no senso comum passa a ser compreendido como um caminho natural e benéfico para todos os estratos sociais (CHAUÍ, 2000, p.12-14).

Procurando compreender a forma de atuação dos semióforos na história brasileira, a filósofa também remete-se ao conceito de mito fundador como sendo o conjunto de símbolos (muitos deles falsos) que nos remetem a um vínculo eterno ao passado, à manutenção do status quo. O mito cria formas de de escamotear a realidade, evitando conflitos e fazendo com que as visões que temos da realidade possam ser adequadas de modo que tenhamos a ilusão de estarmos   passando por mudanças quando na verdade perpetua-se o mesmo modelo de dominação que existia antes mesmo da existência do Brasil enquanto país.

Um mito fundador é aquele que não cessa de encontrar novos meios para exprimir-se, novas  linguagens, novos valores e idéias, de tal modo que, quanto mais parece ser outra coisa, tanto mais  é a repetição de si mesmo.  (CHAUÍ, 2000, p.5)

Se não pode ser considerada uma afirmação falsa, a premissa de que o Recife precisa “modernizar-se”, aliada necessariamente com a opinião favorável à construção o conjunto de edifícios à beira do cais, pode levar o público leitor a acreditar que não há nenhuma outra alternativa de “modernização” para aquela área. Marilena Chauí (2000, p. 4)  adverte para o o “desenvolvimentismo” tido como elemento intrínseco ao mito fundador nacional:

Há, assim, a crença generalizada de que o Brasil: (…) é um “país dos contrastes” regionais, destinado por isso à pluralidade econômica e cultural. Essa crença se completa com a suposição de que o que ainda falta ao país é a modernização -isto é, uma economia avançada, com tecnologia de ponta e moeda forte -, com a qual sentar-se-á à mesa dos donos do mundo.

No caso do Estelita, é possível indicar a presença de elementos ideológicos nas formas com que os meios de comunicação em geral, e o Jornal do Commercio em particular, noticiam os planos do empresariado para o Cais? Há o uso de semióforos para indicar um caminho para que as pessoas sigam sem questionar possíveis agendas ocultas ou mesmo a existência de outras possibilidades de uso para aquela área?

Nenhuma linha

O Jornal do Commercio nada publicou em sua edição do dia 22 de março de 2012 sobre a audiência pública[4] na Câmara dos Vereadores que iria ser realizada neste dia e que discutiria o projeto Novo Recife, empreendimento do consórcio imobiliário homônimo que pretende, entre outras coisas, construir um complexo de 14 prédios de 40 andares numa área de 1,3 quilômetros de extensão, localizada numa área que majoritariamente pertencera à extinta Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima (RFFSA) e que há décadas permanece abandonada. O projeto é polêmico.

De um lado estão os responsáveis pela obra, que arremataram o terreno por R$ 52,5 milhões num leilão que despertou suspeitas do Ministério Público[5] apostam no discurso do desenvolvimento e do progresso, afirmando que o empreendimento trará mais empregos e oportunidades para o local, além de outros benefícios para a população, como a construção de ciclovias e áreas de lazer.

Do outro lado, ativistas do direito à cidade, particularmente o grupo intitulado Direitos Urbanos[6], que alega que a construção de arranha-céus não cumpriria a função social do terreno – visto que terá uso privado, além de ter potencial de impedir a ventilação de parte importante da cidade e trazer transtornos para o trânsito. Os militantes também acusam o poder público municipal de conivência de pular etapas no processo que autorizaria o início das obras, deixando de lado, por exemplo, estudos de impacto social e ambiental e discussões mais aprofundadas dentro do Conselho de Desenvolvimento Urbano (CDU) municipal. Ao que tudo indica, um prato cheio para a imprensa. Um prato cheio que permaneceu intacto.

Durante a semana que antecedeu o evento, o jornal diário que pertence ao grupo João Carlos Paes Mendonça manteve-se alheio ao iminente debate público. Nos cinco dias que antecederam a audiência pública (que foi realizada numa sexta-feira), nada foi publicado no JC sobre as discordâncias da sociedade civil ou mesmo sobre o empreendimento em si.

Às quintas-feiras, o periódico, um dos mais influentes do estado, tem um segmento inteiro dedicado ao mercado imobiliário, intitulado: “Imóveis”. No dia 22 de março, em que seria realizada a audiência que debateria o Novo Recife, este caderno contou com duas páginas, sendo metade de uma delas foi ocupado por um anúncio publicitário de uma loja de material de construção. No espaço dedicado ao conteúdo editorial (jornalístico), foram publicadas três matérias, quatro notas e uma coluna. Das matérias, a principal (de meia página, que abre o caderno) anunciava um novo empreendimento na praia de Muro Alto (“Exclusividade em Muro Alto), uma outra falava da tendência de se integrar estruturas de imóveis antigos a novas construções nos mesmos espaços (“Preservação e charme para os novos imóveis”) e a última falava da importância de se ter um imóvel bem conservado na hora de vender (“Conservação influencia no preço”). Toda as as quatro notas chamavam para novos empreendimentos e anunciavam ações de promoção de imobiliárias, enquanto a coluna tratava do tema do registro de imóveis. Não pode escapar à análise o fato de que, neste dia, houve 19 páginas de anúncios classificados imobiliários. Sobre a discussão de interesse público que aconteceria na casa legislativa municipal, nada. Nem no Caderno de “Política”, nem em “Economia”, nem em “Cidades”.

Enquanto isso, ativistas mobilizavam-se através das redes sociais. Utilizando-se principalmente das ferramentas do Twitter e do Facebook, compartilhavam artigos, cartazes e vídeos convocando a população para participar da audiência pública e conhecer melhor este projeto que tem o potencial de afetar as vidas de milhares de pessoa que moram no Recife e na região metropolitana da cidade.

A audiência acabou sendo realizada com o maior quórum do ano na Câmara dos Vereadores[7]. Na ocasião, sob vaias dos presentes, empreendedores e seus arquitetos tiveram a oportunidade de argumentar a favor da construção, enquanto a representação do Ministério Público e da academia criticaram deficiências técnicas, ambientais e legais do projeto[8]. Também presentes à audiência, representantes da prefeitura e do Iphan mantiveram-se neutros[9] durante a discussão.

No dia seguinte ao debate público, havia no Jornal do Commercio uma matéria, no Caderno de Cidades, intitulada “Novo bairro acende polêmica” que, embora tenha dado falas a representantes de ambas as partes (empresários e sociedade civil), apresenta elementos ideológicos que notadamente favorecem os empreendedores. A começar por já tratar o projeto como “novo bairro”, passando pela foto que ilustra o texto, em que é dado destaque ao arquiteto responsável pela obra.

Como o “verdeamarelismo”[10] (estudado por Chauí) faz com que as diferenças sociais e econômicas sejam jogadas para debaixo do tapete em nome de um pretenso “interesse nacional”, a retórica de que determinada obra é do interesse “do Recife”  escamoteia detalhes técnicos e a rejeição por grupos ativistas. Pretende, portanto, levar a entender que o desenvolvimento da área é de interesse não só do grupo empresarial que adquiriu o terreno e é responsável pela obra, mas de toda a coletividade.  Quando anuncia o “Novo Recife” (um projeto ainda em fase de aprovação pelos órgãos competentes) como sendo um “novo bairro”, o Jornal do Commercio aplica uma forma ideológica chamada por Thompson (1995, p.86) de unificação: “Ao unir indivíduos de uma maneira que suprima as diferenças e divisões, a simbolização da unidade pode servir, em circunstâncias particulares, para estabelecer e sustentar relações de dominaçao”.

Abaixo da matéria, um quadro infográfico “explica” os detalhes do que se pretende construir, ignorando qualquer referência à falta de licenças ou às divergências dos militantes. Mais interessante ainda: na capa do jornal não havia nenhuma referência à matéria, mas o destaque para uma “Carta do Leitor” de um cidadão que identifica-se como Luiz Melo, que defendia a importância do empreendimento ‘para o bem do progresso’: “Sou a favor da  construção do empreendimento no  Cais José Estelita. O Recife precisa modernizar-se”.

A carta destacada do leitor do Jornal do Commercio coaduna-se perfeitamente com uma declaração posteriormente dada pelo engenheiro Antônio Vasconcelos, superintendente comercial da Moura Dubeux, num dos vídeos produzidos pelo coletivo Vurto[11]:

O processo de verticalização, ao contrário do que as pessoas pensam, é benéfico para a cidade (…) O que faz a cidade ficar adensada não é o prédio alto, é a construção de habitações mais baixas. (…) O prédio grande é muito benéfico para a cidade.

Com curso superior completo, caucasiano, pertencente ao que o mercado convenciona como “classe A”, o perfil do funcionário da empreiteira combina bastante com o perfil do público leitor do Jornal do Commercio, de acordo com estatísticas do próprio periódico[12]. Faz parte, portanto, da parcela da sociedade que, embora menos numerosa, é detentora dos meios de produção e, consequentemente, controla de uma forma ou de outra o discurso ideológico nesta mesma sociedade.

Do silêncio ao ataque

Poucas semanas depois da realização da audiênia pública, o recado ficou mais claro. No editorial “O vazio em torno do Cais”, publicado em 6 de abril de 2012, o JC  posiciona-se favoravelmente à obra:

O propósito é construir 12 prédios, criação de praças, ciclovias, bares, restaurantes, quiosques, pista de cooper, abertura e criação de ruas para diminuir o impacto do trânsito na área. Como no Rio e todos os grandes centros urbanos que revitalizaram seus portos, o projeto do Recife tem um caráter estruturador para qualquer plano urbano que se queira fazer para a cidade

Mais adiante, no mesmo texto, o jornal diverge direta e formalmente de quem defende uma proposta diferente para a área:

 …a estrutura urbana do Recife em sua área mais central está completamente alterada, mas parece que algumas pessoas ainda não viram isso. (…) Não viram que a cidade precisa ser repensada e isso exige grandes empreendimentos, como esse que é oferecido para o Cais José Estelita

Aplicando-se o  conceito de ideologia de Thompson ao texto do Jornal do Commercio, percebe-se claramente os elementos de universalização (quando interesses de alguns indivíduos são apresentados como servindo aos interesses de todos (1995, p. 83) e o expurgo do outro, quando pretende afirmar que um determinado grupo não tem (ou não deveria ter) autoridade sequer para participar do debate. Estes mecanismos contribuem para a dominação e muitas vezes estão muito além do jornalismo:

Histórias são contadas tanto pelas crônicas oficiais como pelas pessoas no curso de suas vidas cotidianas, servindo para justificar o exercício de poder por aqueles que o possuem e servindo também para justificar, diante dos outros,  fato de que eles não têm poder

Como o sociólogo, Chauí (2000, p.55) também explica como a ânsia do crescimento material torna-se um semióforo importante de dominação e como a ideologia exerce influência sobre as próprias classes dominantes, de uma forma quase sagrada, contribuindo para o mito fundador:

(…)ele opera na produção da visão de seu direito natural ao  poder e na legitimação desse pretenso direito natural por meio das redes de favor e clientela, do  ufanismo nacionalista, da ideologia desenvolvimentista e da ideologia da modernização.

Em todos os jornais, o Editorial é o único espaço em que se publica, necessariamente, a opinião oficial, institucional, do grupo responsável pela publicação – seja uma organização da sociedade civil, uma empresa ou um partido político. Em tese, é o único espaço em que a publicação deixa de lado o mito da imparcialidade para posicionar-se formalmente. O único espaço em que “os textos publicados refletem necessariamente a posição da publicação”. A partir dele, porém, pode-se perceber como este discurso, não raro, acaba ‘contaminando’ o espaço dedicado ao jornalismo, digamos, isento.

Mais uma vez entra em cena o desenvolvimentismo do mito fundador de Chauí. E mais: quando releva a segundo plano as opiniões contrárias sem que seus argumentos sejam efetivamente discutidos, o texto do periódico controlado por João Carlos Paes Mendonça utiliza o modus operandi que Thompson (1995, p.86): “Relações de dominação podem ser mantidas não unificando as pessoas numa coletividade, mas segmentando aqueles indivíduos e grupos que possam ser capazes de se transformar num desafio real aos grupos dominantes”.

O editorial não deixa de lado a estratégia da unificação, como fica claro em sua frase final: “Honestamente, não dá para enten der esa posição contrária à melhoria do Centro da cidade do Recife.” (grifo nosso).

É importante perceber como a perspectiva do direito à moradia se ausenta do discurso do JC, o que torna-se claro numa matéria publicada em 7 de abril daquele ano e que tem como tema as pessoas que, devido à falta de políticas públicas que garantam uma habitação adequada, sobrevivem nas ruas e embaixo dos viadutos do Recife. O que se poderia chamar de “cenário de negaçao de direitos humanos”, para o jornal  tem outro nome, como se pode afirmar no texto que abre o caderno de Cidades:

Quatorze horas. Este foi o intervalo entre a ação da Prefeitura do Recife para retirada de famílias abrigadas sob o Viaduto Presidente Médici, na Avenida Norte, e o retorno de alguns moradores de rua ao local, na terceira tentativa recente do poder público de acabar com a ocupação irregular. (grifo nosso)

Ou seja: o problema não é exatamente o fato de haver um contingente significativo da população que não tem condições dignas de moradia. A questão que serve de gancho para a reportagem é que estas pessoas estão infrigindo a norma vigente ao desobedecerem o poder público ao estabelecer moradia numa área em que isso não é regulamentado. Ou, como informa mais na frente o texto jornalístico: “Apesar de viverem em condições sub-humanas, os sem-teto insistem em negar a assistência social do município” (grifo nosso).

#ocupeestelita

Após a audiência pública na Câmara dos Vereadores, a articulação dos grupos da sociedade civil interessados na discussão sobre o que fazer na área do Cais José Estelita ganhou força. A comunidade da rede social Facebook intitulada Direitos Urbanos ganhava membros a cada dia e em pouco tempo ultrapassou os cinco mil participantes[13] que diariamente debatiam alternativas para que o terreno abandonado tornasse uma área de convivência para o público. Também através das redes sociais, começou a ser mobilizado o primeiro #ocupeestelita. Espécie de “protesto cultural” a ação convidava as pessoas e suas famílias a passar um domingo de sol na beira do Cais, aproveitando a brisa do mar e a sombra que restava dos velhos armazéns. Ocupando o espaço costumeiramente obsoleto, os ativistas urbanos procurariam chamar a atenção do poder público e dizer que havia outras formas de utilização para a área.

Durante quase toda a semana que antecedeu o ato, as páginas do Jornal do Commercio mantiveram-se fechadas como de costume. Não houve novidades no caderno de Imóveis daquela semana (publicado no dia 12 de abril), que trouxe mais uma vez matérias semi-publicitárias anunciando os lançamentos do mercado.

Um dia antes da ocupação, porém, uma surpresa: o caderno de Cidades é aberto com uma manchete que convidava para o protesto. Intitulada, mesmo que equivocadamente, de “Unidos para preservar o cais”[14], a matéria tinha como fontes principais os integrantes do grupo Direitos Urbanos, que propunham uma discussão ampla sobre o papel social da área pública, inclusive considerando os efeitos colaterais que o projeto Novo Recife poderia causar no trânsito do centro da cidade.

Era sábado, dia em que normalmente já pouco movimento nas redações. Como a maior parte dos jornais de domingo é fechado ainda na sexta-feira, apenas alguns editores e repórteres de plantão estavam a postos para preencher as últimas lacunas da edição que seguiria para os assinantes no outro dia, pela manhã. Contribuindo para dar voz aos que discordavam do projeto original do consórcio encabeçado pela construtora Moura Dubeux, o texto que convocava a população para ir ao José Estelita não agradou a alta cúpula do Jornal do Commercio. Sabendo da publicação, diretores da empresa que estavam em férias fora do país telefonaram para a redação para cobrar esclarecimentos dos profissionais. Afinal de contas, não pegava bem para o JC chamar a população para rebelar-se contra um punhado de parceiros comerciais – principalmente porque a construção das torres nas cercanias do novo shopping center do patrão era importante para “a casa”.

Neste momento, quem estava responsável pelas edições do final de semana não perdeu tempo. Dirigiu-se à redação do caderno de Cidades, repassou a mensagem da direção e deixou claras as regras da cobertura do #ocupeestelita: “Agora que já publicamos, vamos ter que cobrir. Mas a matéria principal vai ser com os benefícios do empreendimento. O protesto vai numa matéria vinculada, seca”.[15]

Dito e feito. Como diz Patrick Charaudeau (2009, p. 139), “a agenda não inclui apenas os fatos, mas os fatos com seu tratamento”. No domingo, dia 15, centenas de pessoas responderam ao chamado e ocuparam o Cais José Estelita. Houve shows musicais, oficinas de grafite e estencil e uma série de intervenções artísticas nos velhos armazéns. As pessoas começaram a chegar pela manhã, ao cair da noite, ainda lotavam a área em disputa. Duas emissoras de tevê[16] fizeram matérias sobre o evento, assim como multiplicaram-se fotos e relatos em blogs e redes sociais. Muitos chamavam a atenção para a necessidade urgente de se consultar a sociedade sobre a melhor forma de utilização daquele terreno e para possíveis irregularidades no processo de compra.

No dia seguinte, porém, o Jornal do Commercio optou por dar destaque, em sua Capa Dois, para as promessas feitas pelo consórcio imobiliário numa matéria intitulada “Novo Recife terá áreas públicas”. Mais uma vez, dá o empreendimento como certo, ignorando o fato de que o projeto ainda não havia passado (como ainda não passou) por todas as etapas de aprovação necessárias perente o poder público. Cerca da metade do texto é composto por declarações diretas do diretor de Desenvolvimento Imobiliário da Moura Dubeux, Eduardo Moura.

A ordem dada para o relato sobre a manifestação foi seguida à risca. Uma matéria vinculada de tamanho equivalente à metade da principal dava conta que houve um dia de “atividades e protestos”. Dos integrantes do grupo dos Direitos Urbanos, apenas uma declaração, feita de indireta indireta, atribuída ao filósofo Leonardo Cisneiros, um dos mais atuantes na comunidade: “ninguém está contra o desenvolvimento da cidade, mas acredita que o modelo que está será implantado precisa ser revisto”. Ao deixar em aberto a opinião dos grupos que divergem do uso planejado pelo Consórcio Novo Recife

A primeira ocupação do Cais José Estelita[17] e a forma com que a movimentação da sociedade civil ocupou espaços na grande mídia em geral e no Jornal do Commercio em particular servem de ponto de base para se perceber a maneira emblemática com que o discurso dos meios de comunicaçao tradicionais está alinhado com o discurso daqueles que detém o controle do capital no Recife. Embora haja excessões ao longo dos meses que se seguiram àquele abril de 2012, a linha ditada via telefonema internacional passaria a vigorar com bastante clareza, ao menos nas páginas do JC.  TV Jornal, empresa que faz parte do mesmo grupo empresarial, chegou a veicular uma matéria sobre o protesto do dia 15 de abril, mas jamais[18] voltou a falar no tema.

Conclusão

Em se analisando as edições do Jornal do Commercio entre março e abril de 2012, pode-se perceber a forma com o veículo de comunicação, um meio de produção espiritual, no dizer de Marx, comportou-se de forma a legitimar a forma com que a classe dominante dos meios de produção material (no caso, os empreiteiros responsáveis pelo projeto Novo Recife) procurava fazer com que seu empreendimento fosse visto como uma solução para os problemas da cidade, eliminando o debate democrático e invisibilizando a discussão sobre outras maneiras de se intervir na área degradada onde hoje (ainda) situam-se os armazéns do Cais José Estelita.

Em diversos momentos, foram encontradas indicações do uso de semióforos como o do desenvolvimento, que fazem com que a sociedade seja levada a crer que o único caminho possível é o do mercado e o do concreto. Diversas formas ideológicas apresentadas por Thompson também encontraram-se visíveis nos textos analisados, principalmente a unificação e a universalização, que fazem com que todos os indivíduos  da sociedade sejam vistos (ou pareçam ser) iguais, com interesses semelhantes. Assim, tanto é naturla que a única alternativa válida para os velhos armazéns é sua transformação em gigantescos edifícios residenciais e comerciais, esta construção moderna e arrojada servirá necessariamente aos interesses de toda a população, seja o empresário da incorporadora, o proprietário do jornal, o repórter ou a dona de casa da favela.

A leitura crítica das reportagens publicadas no JC desde a semana anterior à primeira audiência pública sobre o projeto Novo Recife – e a percepção dos tantos pontos de vista que eclodiam pela cidade e que deixaram de ser publicados nesta mesma época – fez com que fosse possível perceber claramente a função ideológica do jornal e de seus controladores. O ato rebelde (ou descuidado) da reportagem ao publicar uma matéria dissonante em relação às demais (e a maneira com que a direção do jornal comportou-se) diante disso, são passagens emblemáticas que apenas confirmam nossa observação: nas páginas do JC pode-se até haver espaço para a discussão de urbanismo e mesmo de mobilidade no Recife. Pode-se noticiar estratégias do poder público para desafogar vias congestinadas ou mesmo para fomentar o desenvolvimento de determinadas áreas da cidade. Mas que não se ouse em questionar o poder do mercado imobiliário ao definir onde e de que modo se dará este desenvolvimento.

Referências:

CHARAUDEAU, Patrick. Discurso das mídias. São Paulo, SP: Contexto, 2009.

CHAUI, Marilena. Brasil:Mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo, SP: Fundação Perseu Abramo, 2000.

JORNAL DO COMMERCIO. Recife: SJCC, 03        /2012-04/2012.

MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã (Feuerbach). São Paulo, SP: Editorial Grijalbo, 1977.

THOMPSON, John B. Ideologia e cultura moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.


[1]        Jornalista, escritor, militante de direitos humanos, integrante do Centro de Cultura Luiz Freire, mestrando no Programa de Pós Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco. Este artigo visa à conclusão da disciplina Mídia e Ideologia, ministrada no semestre 2013.1 pelos professores Alfredo Vizeu e Heitor Rocha

[2]        Grupo empresarial pernambucano que atua nos setores imobiliário, de comunicação e de shopping centers. Apenas em Pernambuco, o JCPM controla o maior sistema de comunicação do estado (um jornal impresso, um portal de internet, uma emissora de televisão e duas rádios), além de cinco shopping centers e diversos empreendimentos imobiliários.

[3]        De acordo com a intepretação de Thompson (1995, p. 75), a ideologia de Marx passa por três tipos de concepção: polêmica, epifenomenológica e latente.  A latente caracteriza-se por ser “um sistema de representações que escondem, enganam, e que, ao fazer isso, servem para manter relações de dominação”.

[4]        Audiências públicas são instrumentos de participação popular em que uma casa legislativa (ou outro órgão governamental) convidam a população para discutir um determinado assunto de interesse coletivo. Em alguns casos, estas oitivas são obrigatórias. Nesta ocasião, embora a convocatória deve ser obrigatória, partindo do poder público municipal (Estatuto das Cidades, art. 2, XIII: “audiência do Poder Público municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população”), a convocatória foi da própria Câmara de Vereadores, através do vereador Múcio Magalhães (PT), a partir de uma solicitação do grupo intitulado “Direitos Urbanos”, que reúne ativistas das causas do urbanismo e da mobilidade na Região Metropolitana do Recife.

[5]        http://www1.amppe.com.br/cms/opencms/amppe/servicos/clipagem/2012/jun/clipagem_0045.html

[6]        Grupo de militantes (arquitetos, professores, profissionais liberais, jornalistas) que tem como foco principal a discussão do direito à cidade a partir de políticas de urbanismo e mobilidade. Tem como principal canal de comunicação interna e externa uma comunidade no Facebook que conta com aproximadamente 7 mil integrantes.

[7]        “Apenas” 119 pessoas assinaram a ata de frequência no auditório em que cabem apenas 80 pessoas sentadas. Impressões colhidas junto à assessoria de imprensa, porém, dão conta que número total de público superou o dobro dos que se registraram. Havia gente espremida nos corredores da Câmara e incusive acomodadas embaixo da mesa onde se realizava o debate.

[8]        Ocuparam lugares na mesa principal, além do vereador Múcio Magalhães (PT), a secretária de Controle, Desenvolvimento Urbano e Obras do Recife, Maria José De Biase, o professor de arquitetura da UFPE Tomás Lapa, a promotora do Ministério Público de Pernambuco Belize Câmara e o superintendente do Iphan em Pernambuco, Frederico Almeida

[9]        Foram palavras da secretária de Controle, Desenvolvimento Urbano e Obras do Recife, Maria José De Biase: “A prefeitura não é contra, nem a favor”.

[10]        O verdeamarelismo consiste no uso dos chamados “símbolos nacionais” para que as pessoas de diferentes classes sociais possam sentir-se dentro de uma mesma realidade, de um mesmo contexto. As vitórias da seleção brasileira, o uso da bandeira nacional e algumas festas populares  fazer parecer que a desigualdade não existe no país e, assim sendo, entorpece a percepção de que existem, sim, classes dominantes e dominadas.

[12]        De acordo com o kit de mídia distribuído pelo Jornal do Commercio a seus assinantes, 51% dos seus leitores estão situados entre as classes chamadas A e B (94% ABC), sendo que 43% tem curso superior completo. É importante relembrar que esta classificação de “classes” parte do próprio jornal, sob a influência do mercado e não tem a mesma significação dos conceitos de Marx, embora possa haver óbvias correspondências entre ambos os conceitos.

[13]        Em maio de 2013, a comunidade virtual já contava com mais de 11 mil integrantes.

[14]        Equivocadamente já que, como a própria matéria informa, o objetivo não era “preservar” o cais, mas discutir novas formas de uso para o terreno onde se encontravam (e ainda se encontram) os armazéns abandonados.

[15]        O diálogo foi presenciado por alguns jornalistas que estavam na redação naquele momento e que repassaram as informações para o autor, solicitando para isso que permanecessem anônimos.

[17]        Neste mesmo ano de 2012, a sociedade ocupou aquela área da cidade em pelo menos mais duas vezes, sempre protestando contra o Projeto Novo Recife e propondo alternativas diferentes para o uso do terreno ainda ocupado pelos galpões abandonados.

[18]         Ao menos até agosto de 2013, nenhuma outra matéria foi veiculada na emissora sobre protestos e ocupações do Cais José Estelita.

O Despreparo e Destempero de João da Costa

Prefeito do Recife mostra, em entrevista ao Diário,  por que não tem condições de conduzir a avaliação do Projeto Novo Recife e, consequentemente, por que a votação deveria, pelo menos, ser adiada para a próxima gestão.
Segue abaixo a entrevista, feita por Aline Moura, em itálico e os comentários em tipo normal

Meme que se formou no grupo Direitos Urbanos depois dessa inacreditável entrevista do quase ex-prefeito João da Costa

João da Costa diz que Novo Recife é apenas o lote de um projeto

Publicação: 28/11/2012 18:21 Atualização: 28/11/2012 19:30

O prefeito do Recife, João da Costa, defendeu, hoje (28), o projeto Novo Recife, que prevê a reformulação do Cais José Estelita e inclui a construção de 13 torres.

Prefeito, o projeto do Novo Recife vai ser aprovado na sexta-feira com tanta polêmica?
Não tem polêmica. O conselho técnico da Dircon já analisou e o Iphan já deu todas as autorizações. Qualquer construção no Recife depende do Iphan. Isso não sou eu que analiso, são os técnicos, de acordo com a legislação em vigor.

“Qualquer construção no Recife depende do Iphan.” – O IPHAN cuida do Patrimonio Histórico-Cultural a nível federal! Mas é bom saber dessa declaração do prefeito: tem uma construção aqui na esquina da minha rua que desconfio que não tem parecer do IPHAN. Pode mandar parar?

Mas, fora essa incrível amostra de ignorância, ainda está incorreto dizer que a aprovação do Novo Recife só dependia da autorização do IPHAN. Depende também da anuência da ANAC para a construção de um heliporto, da FUNDARPE, da FIDEM e de vários órgãos. No próprio processo entregue pela prefeitura aos conselheiros do CDU, há um ofício de analistas da DIRCON elencando nove pendências que deveriam ser resolvidas antes de se marcar uma reunião como a de sexta.

Mas só houve uma audiência pública para discutir um tema tão importante, de interesse da cidade?
Qualquer tema interessa à cidade. Não é um tema, isso é um lote de um projeto como qualquer outro.

Qualquer tema interessa à cidade” – então por que não discuti-los todos? Se todos os temas interessam à cidade, então não discutimos nenhum?

Não é um tema (…)” – Ah, “qualquer tema interessa à cidade”, mas o Novo Recife, com seu paredão de mais de 100m de altura por 1km de comprimento, mais de cinco mil vagas de garagem, interferência em cartões postais da cidade, proximidade com bens tombados a nível federal e muitos etc. não é um tema. Tudo interessa à cidade, mas isso não. Por que?

(…) isso é um lote de um projeto como qualquer outro” – Ahhhh! Justo o contrário absoluto do que tínhamos dito aqui! Em termos de importância urbanística para o centro da cidade o Cais José Estelita jamais pode ser tomado como o “lote de um projeto como qualquer outro”. Já cansamos de dizer isso aqui: o terreno tem proporções que não se confundem com um terreno qualquer, 10ha, fica no ponto de articulação entre a Zona Sul e o Centro da cidade e é vizinho de uma área do Centro degradada e sub-utilizada (a região da rua Imperial) mas também de outra com intenso uso popular (o entorno do Mercado de São José). O projeto que será feito ali pode determinar uma mudança de rumo no desenvolvimento da cidade, com um Centro vibrante, novamente referência da cidade como um todo, ou pode enterrar essa possibilidade, agravando problemas de mobilidade na ligação com Boa Viagem, isolando ainda mais a área degradada do entorno da rua Imperial e segregando ainda mais ou levando a uma expulsão branca dos usuários populares do bairro de São José. Só alguém completamente cego para a cidade, suas possibilidades e suas fragilidades, e surdo a um debate que vem sendo feito desde 1920, quando o engenheiro Domingos Ferreira fez um plano urbanístico para aquela área (obg, Amelia Reynaldo!), vai dizer a completa estupidez de que aquele é um terreno qualquer. Não bastasse isso, qualquer empreendimento daquele porte é classificado pela legislação urbanística federal e municipal como um empreendimento de impacto, sujeito a análise especial, mais detalhada e que, mesmo segundo a lei de uso e ocupação do solo de 1996, que é ruim, não tem aprovação automática garantida. A aprovação de empreendimentos de impacto dependem do interesse social neles. Portanto, mesmo se o prefeito quisesse agir como um papagaio legalista, ele não poderia falar a bobagem de que o Cais José Estelita é um “lote como outro qualquer”.

Mas que vai trazer muito impacto no trânsito…
Qualquer projeto que tenha na cidade causa impacto e a gente está exigindo contrapartidas que não estão nem na lei. Por exemplo: ele (o consórcio privado) ficou comprometido de demolir o Viaduto das Cinco Pontas que esconde o museu. No projeto, foram abertas três vias públicas dentro do lote, um deles inclusive fazendo prolongamento da Dantas Barreto com a Avenida Sul. As pessoas, às vezes, não conhecem um detalhe do projeto. Tem três vias abertas e mais duas internas para mobilidade.

“a gente está exigindo contrapartidas que não estão nem na lei” – segundo documento entregue aos conselheiros do CDU, há uma lista de dezessete contrapartidas, por sinal insuficientes, feita em 2010, mas que foram sendo esquecidas no caminho. Outros documentos alertam para isso. E aparentemente  pelo menos uma das contrapartidas originalmente pedidas para tornar o projeto viável foi assumida pela prefeitura: a construção de uma alça no viaduto Capitão Temudo.

“prolongamento da Dantas Barreto com a Avenida Sul.” – Essa é a melhor contrapartida de todas, de todas as obras em andamento no Brasil: ligar duas avenidas que já estão ligadas desde que eu me entendo por gente. Qual será a próxima contrapartida exigida? Colocar água no rio Capibaribe?

“As pessoas, às vezes, não conhecem um detalhe do projeto.” –  Prefeito, as pessoas NÃO PUDERAM conhecer o projeto, porque não houve a menor transparência!  É JUSTO ISSO que se reclama! Falta de transparência e participação popular! Basta isso para o processo todo ter sido ilegal, por contrariar explicitamente o inciso XIII do artigo 2º do Estatuto das Cidades: “audiência do Poder Público Municipal e da população interessada nos processos de implantação de empreendimentos ou atividades com efeitos potencialmente negativos sobre o meio ambiente natural ou construído, o conforto ou a segurança da população”.  Agora, é mais grave ainda o prefeito não conhecer detalhes do projeto…

Mesmo com isso, são 13 torres?
O que você quer perguntar? Porque qualquer prédio tem impacto. Eu não vou analisar isso achando que não causa impacto. O shopping Rio Mar não causa impacto? Você acha que a gente deveria ser contra? Tem mais impacto no trânsito do que o Rio Mar? Quem é que foi contra? Você é contra? Ninguém me fez essa pergunta. Você já me perguntou cinco vezes, Aline. O Rio Mar causa muito mais impacto. O que é isso? Tem interesses econômicos, urbanísticos, tem gente que é contra, tem gente que é a favor. Tem gente que não gosta.

“O Rio Mar causa muito mais impacto” – e mesmo assim não foi objeto de Estudo de Impacto ambiental e de vizinhança! O trânsito está uma desgraça na região. Uma pessoa já morreu no shopping porque não conseguiu ser levada a um hospital a tempo. Mas a lógica do prefeito é: se já fizemos uma grande besteira (eufemismo), por que reclamar agora? Se já abrimos a perna uma vez, por que fechar agora? Se a prefeitura não teve moral nenhuma diante da iniciativa privada durante quatro anos, por que vai fingir que tem agora?

“Tem interesses econômicos, urbanísticos, tem gente que é contra, tem gente que é a favor. Tem gente que não gosta.” – não é uma questão de gosto, nem simplesmente de que dá para se adotar soluções salomônicas para tudo. Em certos momentos críticos, como o em que Recife vive, com o seu colapso de mobilidade, mero sintoma do colapso da urbanidade, é preciso tomadas de posição firmes, como mostrou o exemplo tão incensado de Enrique Peñalosa em Bogotá. Mas, mesmo assim, assumindo a existência de vários pontos de vista válidos e legítimos sobre a questão, então por que não fazer a danada da discussão pública sobre que cidade queremos? A reposta é porque, apesar desse papo de que há gente de todo tipo pensando de tudo, só um tipo de gente consegue falar no ouvido do prefeito. Há um plano para o futuro da cidade, só não é um plano feito pela cidade.

Não destoa da arquitetura do Recife, não pode criar ilhas de calor, ilhas econômicas?
A aprovação de projetos aqui não pode ter méritos subjetivos. Tem que ter méritos objetivos que é a lei, é isso que a gente analisa, não é gosto. Eu posso não gostar de muita coisa, mas tenho que aprovar se o cara está dentro das regras. Vocês é que ficam tentando fazer uma confusãozinha.

“A aprovação de projetos aqui não pode ter méritos subjetivos. Tem que ter méritos objetivos que é a lei,”  – aqui fecho o problema central das três respostas anteriores. Isso, prefeito, precisa de objetividade, dentro da lei! E isso se consegue com a exigência de elaboração de um Estudo de Impacto de Vizinhança, tal como definido no Estatuto das Cidades (arts.36 e 37) e o Plano Diretor (arts. 187 a 190),  não aquele memorial de impacto seboso, no qual o próprio empreendedor avalia o impacto do seu empreendimento!  Segundo o Plano  (art. 189), o EIV deve conter a análise dos seguintes itens: meio ambiente,  sistema de transportes,  sistema de circulação,  infra-estrutura básica, estrutura sócio-econômica, uso e ocupação do solo,  adensamento populacional,  equipamentos urbanos e comunitários, valorização imobiliária, ventilação e iluminação, paisagem urbana e patrimônio natural e cultural, definição das medidas mitigadoras dos impactos negativos, bem como daquelas potencializadoras dos impactos positivos,  impactos do empreendimento no sistema de saneamento e abastecimento de água, e  proteção acústica e outros procedimentos que minimizem incômodos da atividade à vizinhança. Além disso, tem que ter ampla divulgação e ser objeto de audiência pública. As medidas para a mitigação ou compensação dos impactos descritos têm força legal, não são um acordo só de boca, como é o costume nessa prefeitura.

Já o Memorial entregue pelo Consórcio Novo Recife, ao contrário disso, além de ser bem mais superficial do que o exigido para um EIV, só foi divulgado porque alguém que teve acesso a ele fez o upload para um servidor de compartilhamento de arquivos na internet, e isso só uma semana antes da reunião decisiva do CDU.

Ofício da prefeitura listando possíveis contrapartidas e mitigações para o Projeto Novo Recife, quase um ano antes da apresentação do Memorial de Impacto do projeto. Essas exigências já eram bem fracas, mas nem foram todas incorporadas ao projeto. Destaque para a exigência nº6 que sugere que a alça do Viaduto Capitão Temudo recém-inaugurada pode ter sido uma exigência a ser cobrada do empreendedor e acabou sendo assumida pela prefeitura com dinheiro público. (clique para aumentar)

Mas o mais interessante mesmo é que esse Memorial de Impacto é datado de Setembro de 2011, enquanto que a lista oficial de mitigações e contrapartidas exigidas pela prefeitura ao empreendedor data de de 28 de Dezembro de 2010, como mostra o documento na imagem ao lado! Isso significa que a prefeitura fez a lista de exigências para permitir a obra ANTES de saber quais os impactos a obra causaria mesmo pelo instrumento mais mixuruca para avaliar isso. Que tal essa objetividade?

“Vocês é que ficam tentando fazer uma confusãozinha.” – Prefeito, isso se chama participação popular, fiscalização por parte da sociedade, democracia, lembra?  Quando os espaços institucionais para isso estão fechados, gritamos por onde podemos. Mais sobre isso adiante.

O prefeito eleito, Geraldo Julio, tem conversado com o senhor sobre isso?
Ele não tem conversado comigo sobre as ações do meu governo. Ele tem conversado sobre as informações. E eu tenho repassado tudo. Mas, porque, particularmente, você é contra ou a favor do projeto.

A bomba vai estourar no governo dele. No plano de governo do prefeito eleito havia a declaração da necessidade de reforçar os espaços públicos e uma preocupação com a revitalização do Centro do Recife. Mas a realização desse projeto vai reduzir drasticamente o espaço de manobra para qualquer intervenção decente naquela área da cidade e pode aumentar a já enorme lista de problemas urbanos que o futuro prefeito terá que resolver. Se eu fosse ele, ficaria mais preocupado…

Sete mil pessoas estão discutindo isso no Facebook.
Mas a cidade tem um milhão e meio de pessoas. A gente tem que escutar as sete mil, mas tem que levar em conta os interesses de um milhão e meio, os empregos que vão ser gerados, o desenvolvimento urbano de uma área. Vocês acham bonito aquilo ali? Eu acho estranho.

“mas tem que levar em conta os interesses de um milhão e meio” –  de um milhão e meio de pessoas ou da meia dúzia que gerenciam as empresas que financiam a maior parte dos orçamentos eleitorais e mandam na cidade? Vamos mesmo cair no conto do “o que é bom para a ADEMI, é bom para o povo”? Dá para levar a sério a idéia de que um empreendimento que bloqueia o acesso de boa parte do Centro da Cidade à frente d’água com condomínios fechados de até cinco torres e apartamento avaliados em mais de um milhão de reais atende ao interesse da maioria da população do Recife?

A falácia está no fato de que não existe a alternativa exclusiva, ao contrário do que dizem as frases finais do prefeito, entre fazer esse projeto e não fazer nada. Vários projetos já foram apresentados para a área e, em pelo menos dois dos mais discutidos recentemente, o Recife-Olinda e o resultado do Workshop Nosso Cais, realizado pela UNICAP, o volume construído seria o bastante para deixar as construtoras salivando. A questão não é só bater um número de crescimento do PIB, nem uma meta de empregos gerados não importa o que. Os empregos gerados no RioMar poderiam ter sido gerados no comércio de rua (ou podem estar suprimindo os empregos existentes no comércio da região). Nessa variável pareceria não haver diferença, mas em termos de qualidade da urbanidade há toda diferença do mundo. O que não se pode permitir é que a desculpa de que a incorporação imobiliária gera empregos leve à conclusão de que ela não deve ter amarras e isso acabe criando uma cidade completamente inviável, inclusive economicamente, no futuro. A versão desse argumento aplicado às montadoras de carro já mostrou seu efeito sobre as cidades.

Essas sete mil pessoas se reúnem no Facebook para discutir a cidade (muito mais a fundo do que se discutiu em quatro anos de gestão desse prefeito) porque simplesmente foram eliminados pouco a pouco os espaços de participação popular real na gestão da cidade como um todo. Também porque a própria idéia de planejamento urbano, sistemático e de longo prazo, desapareceu. E porque o contexto político do estado de Pernambuco fez a oposição praticamente desaparecer. Não existe contraditório, não existe confronto de idéias, quebrou-se o sistema de freios e contrapesos que é vital para o bom funcionamento da democracia. Nem mesmo a Justiça se presta a esse papel: foi conivente no caso das Torres Gêmeas e agente da injustiça social no caso da Vila Oliveira. Assim, quem quer fazer algo contra isso, precisa se encontrar, precisa trocar idéias, precisa pensar junto, e é isso, antes de qualquer coisa, que o grupo Direitos Urbanos é. Não achamos que a internet substituirá a discussão pública que falta na cidade do Recife e nem ficamos só na internet. Sexta-feira, por exemplo, se o senhor quiser dar uma passadinha pelo prédio da PCR para uma conversa, talvez o senhor se lembre de como as coisas eram e pare de achar estranho o povo participar da política.

Depoimento pessoal: a didática prática do Direitos Urbanos

 

Por João Paulo (Jampa) Lima, em 16 de julho de 2012

 

Direitos Urbanos (D.U) mudou minha rotina de vida e com isso a minha forma de entender e olhar para a cidade. Eis uma afirmação concreta, que toma como base analítica decisões aparentemente despretensiosas, como a de me deslocar o máximo possível de bicicleta, ou ter passado a usar com menos parcimônia os locais públicos ainda existentes na cidade: 13 de Maio, o centro do Recife, e mesmo as ruas que, em cima de minha magrela, têm tomado outra dimensão. Melhor dizendo, as ruas e avenidas ganham outra escala, como aprendi a falar no vocabulário mais preciso dos arquitetos e urbanistas que participam dos debates e discussões do grupo. Uma escala de dimensão mais humana. Mais humana porque nela (nessa escala) é percebido em sua inteireza o nível de relação quase íntimo efetivado nos deslocamentos não motorizados e ao ar livre, liberados do ar condicionado. Passei a ocupar espaços deixados de lado por mim em minha aculturação de classe média, e comecei a perceber os malefícios da incorporação de um estilo de vida que, ao longo do tempo, vem alimentando e cultuando, na lógica típica da distinção de classe, o desprezo por ambientes de mistura social, espaços de convivência pública que por definição não filtram os tipos que os desfrutam pela capacidade de consumo das pessoas, para pegar o exemplo caro dos nossos espaços de convívio coletivo (não públicos) denominados Shoppings Centers.

Pensar o D.U a partir dessa perspectiva prática é, a meu entender, dar-se a si mesmo o direito de tentar entende-lo dentro da relação propriamente prática que ele estabelece com o mundo, uma presença pré-ocupada e ativa ligada à cidade por onde o lugar chamado urbes, esse mundo urbano, impõe-se como presença, com suas urgências, suas coisas a dizer e a fazer que comandam as atividades sem jamais se apresentar como espetáculo.  Estamos nele, dentro dele, experimentando-o e, a partir dele, vivendo a cidade e percebendo melhor seus horrores e delícias. Mas mais do que isso, o D.U trouxe uma novidade revigorante: nele aceitamos o desejo político de interferir nas dinâmicas que hipertrofiam a percepção da cidade, aprisionando-a na lógica hegemônica agenciada pelo mercado imobiliário e não contrabalançada, como devido, pelo poder público. Nessa dinâmica uma luta realmente política se dá pela construção de uma visão de cidade sensível aos clamores mais concretos de sua existência real.

Nesse sentido o D.U é um movimento que provoca nossa inteligência e sensibilidade. No D.U à pergunta “que cidade queremos?” se agrega a que indaga sobre “que cidade já temos?”.  Espécie de realismo pragmático que surge em meio a culpas históricas de uma classe média ao mesmo tempo vítima e protagonista de seu próprio estilo de vida. No seio da maior contradição objetiva e estrutural do movimento, no seu demérito de ser um movimento de classe média, abre-se paradoxalmente uma brecha de liberdade analítica com amplo poder heurístico e político. Fazendo-se de defeito uma qualidade, criaram-se as condições de perguntar-se para qual cidade existente – e não experimentada também por muitos de nós do movimento, desse lugar do qual indagamos que cidade queremos, e no qual vivemos nossa sociabilidade específica – para qual cidade real e já efetivada estamos também nós cegos? Às duas perguntas são seguidas de duas outras delas decorrentes: se não a vemos é porque não a queremos? Sabemos o que estamos denegando e as razões dessa denegação?  E já mais politizados continuamos nossa busca: vale mesmo a pena apostar nessa crítica que tem revelado as várias facetas da força motriz que impulsiona e modela os estilos de vida das classes dominante e média tentando generalizá-los para o resto da cidade? Vale a pena acreditar que é possível vencer o tipo de aparato publicitário usado para modular sonhos de distinção social, para criar esse verdadeiro efeito de hegemonia que é o que torna o estilo de vida de uma minoria algo aparentemente desejado por uma maioria? Sobre essa última pergunta, minha experiência de D.U diz que é possível entender o que estamos perdendo ao aceitar a imposição desse modelo sem nenhuma resistência: a simples mudança de certos hábitos foi capaz de instaurar uma impressão de liberdade própria às grandes descobertas que, como no mito da caverna, provoca o desejo de liberar dos limites de uma experiência limitada de mundo os que continuam a pensar que as sombras, que são apenas parte aparente dele, são o mundo inteiro.

Mas a contradição de classe do grupo vai mais além e pode ser ainda mais ilustrativa e didática em seu propósito político. Com quem estamos dialogando? O estranhamento antropológico com uma parte da cidade já existente e vivida por tantos não pode ser apenas um método falseado e artificial de viver a cidade como experimento esporádico, como já fiz por aqui. Como dizer para alguém que sempre andou de bicicleta por necessidade que ele deve continuar andando por opção? Como dizer a massa de pessoas que se tornou consumidora,  seria esse o maior legado do governo Lula?, como dizer para ela… “- olha, agora que nós da classe média histórica estamos enfrentando problemas de mobilidade com os carros,  isso não é uma coisa tão boa assim, é melhor usarmos o transporte coletivo ( que na verdade, eu sei, você sempre usou por necessidade), hrum, olha, agora que você pode, sei que é difícil entender, mas entenda, é ruim morar em apartamento, a coisa da verticalização não é nada bom. Vê só,  cara, entenda de uma vez por todas que o carro que te tira da invisibilidade e te dá status é um grande vilão!

Que cara de pau tenho eu para isso? Nenhuma. E isso força uma reflexão sobre o papel do poder público nas políticas que dizem respeito a direção que a cidade deve tomar: como produzir a famosa e formosa cidade boa para cohabitação de todos? A cidade boa de se viver? Existe algo extremamente didático nesse lugar de crítico que ocupamos quando defendemos uma outra visão de cidade. E devemos aprender com o incômodo oferecido por esse lugar contraditório que estamos ocupando. A contradição nos coloca no olho do furacão. E isso é bom.  O fato, e aqui falo mais por mim que nunca nesse texto, é o seguinte:  percebo que esse lugar paradoxal no qual me encontro quando faço parte desse movimento reforça a percepção da  marca de classe que esses problemas urbanos conformam. A pauta do D.U faz ressurgir também uma memória suburbana tensa: durante muitos anos de minha vida tomei ônibus para ir do subúrbio à cidade e dela voltar. A experiência do trajeto foi sempre confusa. De início uma sensação de liberdade, de ampliação do horizonte de deslocamento. Mas depois, com o avanço das percepções sociais naturalizadas,  a lembrança é de uma vergonha ligada às marcas sociais indexadas ao lugar que você mora e ao tipo de transporte que utiliza. Sei o quanto essa prática de usar o transporte coletivo, específicamente o ônibus, é aviltante, porque justamente atrelada às mais diversas formas de representar a pobreza, o que vem de baixo, a ralé e a escória da sociedade. Ônibus numa cidade que se representa de cima para baixo de maneira tão excludente vai ser sempre sinônimo de “coisa de pobre”, tal qual essa ideia depreciante está presente em minhas lembranças.

O D.U, contudo, não deve ser travado por sua contradição elementar, como já dito. Isso porque sua pauta tem caráter didático e deve ser encarada como um processo longo, como todo bom processo educativo. Digo isso na mesma perspectiva de leitura política que o Safatle fala da “paciência histórica” que os movimentos de esquerda deveriam adotar para pautar a persistência de seus projetos políticos. Sem temer o contraditório, mas evitando a inconsistência da denegação das contradições existentes, o movimento vai revelando um momento de leitura da história da cidade do Recife, estabelecendo outro vocabulário para tratar de seus problemas ao mesmo tempo em que enfrenta, por conta de sua própria ambivalência, a si mesmo. O caminho é longo e tortuoso porque é, em muitos sentidos, contra-intuitivo e contrário ao senso comum. Quem dos muitos de nós, participantes do grupo, em momento ou outro, não compartilhou de parte dos valores que a partir das reflexões do D.U hoje podemos criticar de maneira mais sistemática ou perceber as limitações? Que esse apredizado, mesmo quando difuso e incoerente, seja  bem prolongado e continue aprofundando a percepção dos problemas da cidade e, com isso, produza outro efeito concomitante : que possamos também aprender um pouco mais sobre nós mesmos. Afinal, o Recife somos nós, ligados como pele ao seu tecido e ela a nós. Não apenas aos outros.

Foto: http://www.flickr.com/photos/direitosurbanos/

Originalmente publicado em http://jampapernambuco.wordpress.com/

Direitos Urbanos e as eleições 2012

O Recife viveu nas últimas semanas dias de debate político intenso. Começamos fomentando um debate fantástico no Cinema São Luiz, com a I Mostra Direitos Urbanos e o segundo encontro do grupo do filme Eleições: Crise de Representatividade. Depois vieram a expulsão das famílias que ocupavam o túnel de Boa Viagem, a ocupação da Câmara de Vereadores, os protestos na Prefeitura do Recife, a remoção das pessoas para abrigos e até para o Geraldão e, por um outro lado, a anulação das prévias do PT e toda a confusão (eleitoral) que veio em seguida.

Espero que o debate continue intenso até as eleições. Mas, esse texto, entendendo que o Direitos Urbanos é um grupo amplamente heterogêneo, tem o objetivo de começar a discutir a postura que o grupo deve ter nas eleições municipais que se aproximam. Um candidato a vereador recentemente afirmou que o grupo não deve entrar na discussão partidária, “mas pode cumprir um papel muitíssimo importante na qualificação do processo eleitoral e na qualificação de nossa frágil democracia”.

A cobertura jornalística na semana da expulsão das famílias que ocupavam o túnel, por exemplo, privilegiou com dezenas de valiosas páginas dos cadernos de Política a disputa interna do PT. Pessoalmente, como jornalista, acredito que foram poucas as matérias e em espaço menos nobre que abordaram a remoção de famílias que ficaram desabrigadas. Ou seja, acredito que é necessário politizar o debate urbano ou se vocês preferirem urbanizar o debate político. Mas vou tentar, a partir de agora, resumir uma discussão que tivemos pelo Facebook.

É evidente que dentro de 6.000 pessoas vamos ter eleitores com as mais diferentes visões e que isso vai gerar conflitos, mas será possível criar um ambiente de discussão em alto nível. Afinal, é como fala Edilson Silva, que foi candidato majoritário nas últimas três eleições pelo P-Sol: “dá uma tristeza danada não termos espaços de “nível” para poder debater com os demais candidatos. Os formatos de debates são viciados, é tudo marquetado, os veículos de imprensa, em regra, permitem e até garantem que os debates sejam mera propaganda eleitoral. Falas de um minuto, réplica e tréplica de 30 segundos, etc. Com a autoridade que este grupo está adquirindo – felizmente -, pode-se cobrar dos candidatos que venham ao debate, de forma franca e aberta, assumam compromissos, registrem com assinatura (como o programa Cidades Sustentáveis está fazendo) e se permitam ao controle social via estes grupos como o Direitos Urbanos”.

Por isso, faço questão de publicar esse texto que começou a ser gerado há algumas semanas, logo após irem ao ar as propagandas do candidato a prefeito Daniel Coelho, do PSDB, nas quais aparecem algumas cenas gravadas no Cais José Estelita. São, afinal, os dois lados do antigo espectro direita-esquerda, se colocando positivamente em relação a um debate iniciado por nós.

O filósofo Leonardo Cisneiros lembra que foi dito #ocupesãoluiz: “se a gente não tem pragmatismo, a Moura Dubeux tem. Daqui a pouco a gente vai deixar de discutir que cidade a gente quer para ficar lembrando da cidade que a gente queria…” E ainda lembra que “um problema tão grande ou maior do que termos esse prefeito, é a falta de gente na Câmara de Vereadores que exerça efetivamente a fiscalização do Executivo. Nesses problemas que o DU vem discutindo, um vereador não cooptado pelo poder executivo ou pelo “poder imobiliário” conseguiria mudar um bocado o jogo. E foi assim que o Marcelo Freixo construiu seu nome para uma candidatura que está criando tanta expectativa lá no Rio”.

O sociólogo Jampa destaca a fala do professor Fernando Fontanella, também no evento realizado no Cinema São Luiz. Para eles, “a pragmática desse grupo heterogeneo que é o DU concretizasse em suas ações, uma distinção entre lógica tática (sem projeto definido) e estratégica (com um projeto de poder bem delimitado). De minha parte acredito, concordando com o Fontanella, que para além da estratégia de tomada de poder (que concretamente não temos), para bem e para mal, o mais importante da caracterização efetiva de nossas ações tem sido, por várias e diversas razões (cada um tem a sua, inclusive partidária), a de seguir um fio tênue onde a política tem sido conduzida pelo debate a respeito dos problemas da cidade. Sem nenhum pronunciamento oficial (como poderia ter num grupo que agrupa de maneira tática?), a questão de nomes (própria de um projeto programático da tomada do poder) deve sempre, é o que defendo, ser subtraída ao debate que importa: como os candidatos (qualquer que seja, independente de partido) incorporam ou deixam de incorporar os temas, as propostas, as críticas, as ideias, as ações, etc. do Direitos Urbanos em seus programas de governo, em seus discursos, em suas plataformas”. João Paulo conclui, afirmando que, “fora desse procedimento moderado pelo veio anarquico, vejo apenas um tipo de acirramento político tradicional, a meu ver bem nocivo ao desenvolvimento pleno das potencialidades táticas acima citadas”.

No entanto, nesse ambiente de pouco mais de 6.000 pessoas eu já encontrei três candidaturas a vereador, além do candidato a prefeito do PSDB. Sem falar do pessoal do Partido Pirata, que hasteou a bandeira no último #ocupeestelita, de muitos amigos petistas como o próprio Jampa, das respostas que recebemos de pré-candidatos ao debate que estamos criando (Paulo Rubem, Raul Henry, Raul Jungman e o próprio Daniel Coelho), temos tido a participação efetiva nas atividades dos pré-candidatos a vereador Gustavo Carvalho (PV), Flavio Campos (PSB) e Edilson Silva (P-Sol).

Pessoalmente, acho muito importante que eles participem, como cidadãos e que mantenham a mesma postura que têm tido até hoje. E tomei inclusive a liberdade de convidar a diversos outros candidatos a prefeito (via twitter) para a I Mostra Direitos Urbanos, porque acho que o debate que estamos travando é de questões que deveriam estar no topo das discussões dos candidatos a prefeito e vereador. Mas a maioria só tem falado em listas e filiados e abuso de poder econômico em uma prévia, de um partido específico.

Leonardo Cisneiros, antes de mim, sugeriu um debate sobre a necessidade ou o erro do grupo fazer alianças. No caso, ele se referia aos partidos de esquerda, mas talvez haja também quem veja possibilidade do próprio DU fazer alianças táticas? Sem exigir de ninguém, mas sugerindo algumas possibilidades. Ele também acha “que o blog pode vir a servir de centralizador de alguns debates levantandos pela eleição e do interesse do DU, mas não estou sugerindo que vire plataforma para este ou aquele candidato. É só que a gente pode levantar temas e pedir a eles, mas também aos outros candidatos, que escrevam algo a respeito”.

Honestamente, acho muito difícil manter a coerência quando se está no calor do debate eleitoral. E eu acredito que o Direitos Urbanos, por mais que atue fortemente em questões políticas e que seus membros possam ter atuação partidária, tem que como coletivo se precaver para não se meter no meio dessa ou de outras disputas por espaço político.  Por outro lado, esse grupo tem despertado muitas esperanças. Assessor de João Paulo no primeiro mandato de um vereador eleito pelo PT no Recife, Edzen Ribeiro, está desiludido com o PT, mas diz que “se nós não acreditarmos no “começar de novo”, é melhor parar de lutar e pendurar as chuteiras”.

“Essas variações de percepção sobre a política tradicional se refletem no tipo de tática e de possibilidade que consideramos. Vai se refletir também no tipo de demandas, nas metas que colocarmos e nas decepções. Se a gente consegue uma alteração no gabarito dos prédios do Novo Recife, isso é uma vitória? (pra mim, sim) O que é negociável e o que não é? Tudo isso, que diz respeito também a aspectos táticos do grupo, depende dessas perspectivas sobre esse conflito entre utopia e pragmatismo. Esses e outros temas de reflexão levantados pelas eleições são temas que dizem respeito a tudo o que estamos fazendo no DU mesmo não sendo uma questão urbana concreta. Isso precisa ser discutido se a gente quiser partir para a discussão mais geral e mais fundamental que a gente tanto promete”.

Fernando Fontanella interpreta “que esses movimentos recentes aparecem de uma certa dificuldade de lidar con os canais institucionais, oferecidos pela política tradicional e partidária ou pelo Estado (na forma de “Orçamentos Participativos”. Cidadãos de grupos diversos, vivendo em uma sociedade desarticulada e atomizada em vários sentidos, sentem uma necessidade de uma política mais espontânea, e querem se ver mais representados, mas encontram diversas barreiras. Remetendo muito ao que Gabriel Mascaro falou no debate que encerrou o #ocupesãoluiz, a busca de relações intersubjetivas, de sentimento, muitas vezes oferece um caminho para a reconexão, e é por isso que muitas vezes encontramos mais representatividade em provocações estéticas do que em política institucionalizada. Nesse sentido, discussões como a do DU têm uma força muito mais tática, mas o desafio (e a ansiedade cada vez mais manifesta) é como isso pode se desenvolver em uma estratégia (e uma estratégia VIÁVEL). O tático não exclui o estratégico, mas é a ênfase do DU no momento, e esse nível tático ganha força pela urgência das questões que nos preocupam”.

Cristina Gouvea lembra “que sobre os pontos em que as eleições atravessam o DU acho que no São Luiz realmente chegamos num debate bem consistente. Sem soluções mas com ótimo encaminhamento e reflexão”.

Fontanella se preocupa porque “Os Occupy flertam muito com os movimentos anarquistas, que conseguiram sempre ter uma força inspiradora muito grande, conseguiram sempre ter uma força tática de impacto muito efetiva, mas foram extremamente ineficientes estrategicamente e não conseguiram constituir uma alternativa viável aos grupos hegemônicos que tomam o Estado, e acabaram sendo engolidos”. Para depois explicar que se refere aos movimentos americanos, já que movimentos europeus mais fundamentados em grupos de resistência mais organizados conseguem exercer uma pressão maior.

Com a experiência de quem vive a política partidária desde criança, Jampa lembra que “É preciso encontrar um equilíbrio entre as duas coisas. Acho que o DU, pela tensão que sofre a esse respeito, tem condições de chegar a isso se não sucumbir de imediato as forças que puxam para um lado e para o outro dessa linha tênue aí”. Cristina Gouvea “do que consigo entender do DU, tão de dentro e tentando afastar o olhar pra ver de fora, ele não se enquadra nem num lugar nem no outro, é uma plataforma, um aglutinador, uma estrutura de suporte que se relaciona com uma das duas formas de atuação, mas não se define por nenhuma delas. Não sei o que ele vai ser, mas creio que se pudermos sustentar por mais tempo essa condição amorfa teremos por mais tempo como aproveitar a potência que o DU tem mostrado que tem”.

Fontanella responde: “acho que é por isso que eu falei tanto de ansiedade, e acabo enfatizando muito uma coisa que percebo quando todos manifestam essa dificuldade de encontrar uma representatividade política. Como diz a Ana Paula Portella, tá difícil e isso deprime. Uma alternativa seria entrar na política, fundar um partido ou “ocupar” algum, mas todo mundo teme ser engolido por “executivas” ou por “correntes”. Por isso muita gente adere a alternativas mais difusas, é um jogo de risco constante, é instável, mas na medida em que se mostra efetivo para representar ALGUMA resistência, alguma vontade política, ganham mais força. Problema é que direção essa força essencialmente emergente pode tomar.

Para Claudio Guedes Fernandes “Pragmatismo não pode ser trocado por oportunismo. O que há na política partidária é oportunismo ao quadrado, pois oportunamente querem se auto entitular pragmáticos, sujando este conceito que busca eficiência e elegância (tanto material quanto intelectual), algo muito distante de nossa história política, guardadas as mui raras e gratas exceções”. Beto Azoubel discorda afirmando: “concordo muito com Claudinho. mas também penso que (ainda) há um jogo a ser jogado que é o da política institucional, logo partidária. E fico matuando aqui quais seriam (e serão) as nossas mui raras e gratas exceções…”

Foto: Leonardo Cisneiros

Ata da audiência sobre o Cais José Estelita – 18.05.12

Na sexta-feira, dia 18 de maio de 2012, aconteceu na sede da Promotoria de Justiça do Ministério Público do Estado de Pernambuco uma audiência sobre a preservação e manutenção do Cais José Estelita.

Veja a ata da reunião em pdf:
https://docs.google.com/file/d/0B4sUjKxSGz6QbmloVW96RFJlcEU/edit?pli=1

Na ocasião representantes da prefeitura prestaram esclarecimentos sobre o andamento do processo de aprovação do Projeto Novo Recife pertencente ao consórcio formado pelas construtoras Moura Dubeux, Queiroz Galvão, GL Empreendimentos e ARA Empreendimentos. Os promotores do MPPE José Roberto da Silva e Belize Câmara questionaram a Gerente da 1º da Regional da Dircon, Ana Carolina Pitanga, sobre os procedimentos de análise e aprovação do projeto pela PCR, o destelhamento dos galpões existentes no Cais José Estelita e a apresentação por parte dos empreendedores do memorial de impacto entre outros assuntos.

Apesar dos esclarecimentos prestados pela Gerente, muitos dos questionamentos não foram devidamente respondidos, assim uma nova audiência foi marcada para o dia 30/05 onde os processos originais relativos ao projeto Novo Recife deverão ser apresentados para a apreciação do MPPE. As arquitetas Clara Moreira, Cristina Gouvea, Rebeca Vieira e o Professor Paulo Reynaldo acompanharam à audiência a pedido do MPPE.