Os jornais de hoje, dia 15 de março, noticiam, com algum estardalhaço e aprovação, a liberação de espaço para a construção do projeto da avenida Beira-Rio nas Graças, ligando o pé da ponte da Capunga ao pé da ponte da Torre. A liberação desse espaço, às margens do rio no lado da Ponte da Capunga, teria sido fruto da negociação com a Faculdade Maurício de Nassau para a liberação pelo Conselho de Desenvolvimento Urbano do Recife para a construção de um edifício-garagem na rua Joaquim Nabuco. Essa aprovação ocorreu de forma bastante obscura na reunião da última sexta, em que também seria discutida a transformação do Edifício Caiçara em Imóvel Especial de Preservação, trazendo à pauta um projeto protocolado em 2009 e que estava esquecido nas gavetas há quase três anos. Com essas duas decisões interligadas a Prefeitura sinaliza um retrocesso monstruoso nas suas políticas de mobilidade, insistindo num modelo centrado no carro, e que todo o discurso renovado de inversão de prioridades na mobilidade não resiste ao primeiro projeto que ultrapasse o nível do marketing.
Em resumo, não existe solução possível a favor do automóvel para o problema criado pelo automóvel, assim como não existe almoço grátis. Ou se enfrenta a carrocracia e se pensa na mobilidade como um todo, na mobilidade das pessoas, ou se lava as mãos e se espera o colapso. Esse projeto da Beira-Rio é somente uma gambiarra de R$ 57,5 milhões, dinheiro que não está sendo gasto em outras prioridades, para adiar o colapso de um modelo de mobilidade baseado, dentre outras coisas, em um suposto direito de circular de graça com seu automóvel. O almoço grátis dos usuários de carro nessa via está sendo pago por todo mundo nessa cidade.
mobilidade há décadas,mesmo com a criação de uma secretaria específica para o assunto, todo o processo tem que estar cercado de aspectos questionáveis. O projeto chegou ao CDU envolvido por algum segredo, sendo noticiado na imprensa somente às vésperas da reunião e sem nenhuma discussão pública, nem mesmo publicação em uma lista pública dos empreendimentos em análise, prometida por João Braga no começo do mandato de Geraldo Júlio e nunca publicada. A última etapa de análise do projeto antes de chegar ao CDU foi feita, como pede a lei, pela Comissão de Controle Urbanístico, em junho de 2011 (!!) e de lá pra cá o projeto ficou engavetado na Prefeitura, voltando à pauta de uma hora pra outra, sem publicidade, sem discussão, sem audiência pública com os vizinhos. Provavelmente dirão que o princípio da publicidade foi satisfeito pela publicação de edital em jornal de grande circulação à época em que o projeto foi proposto cinco anos atrás, mas como algum novo morador das vizinhanças poderia se manifestar? Como alguém poderia fazer pedido de informação se ninguém sabia que isso estava tramitando? E o mais elementar: como um projeto, baseado em estudos de tráfego de cinco anos atrás, pode ressuscitar do nada sem que os estudos e toda a discussão seja refeita? Como um projeto que foi inicialmente vetado pela CTTU, como se pode ver nesse resumo da documentação, porque àquela época as vias de acesso já estavam saturadas, pode ser aprovado cinco anos depois numa cidade em que a frota de carros vem crescendo num ritmo de 40 novos carros por dia?
projeto da avenida. Como noticiado pelos jornais, a principal compensação oferecida pela Faculdade Maurício de Nassau pela aprovação do edifício-garagem é a “liberação da área à beira do rio” para a passagem da avenida. MAS ESSA ÁREA CONSTA NO SISTEMA DA PREFEITURA COMO PÚBLICA! Como se pode ver na imagem ao lado, o lote correspondente ao prédio da faculdade acaba antes da área usada atualmente como estacionamento. E no Google Maps até aparece a denominação Av.Beira Rio no trecho! E, não bastando o caráter questionável desse acordo em que se negocia a devolução do que parece ser uma área pública, a matéria do JC ainda menciona que a Prefeitura irá desapropriar partes de imóveis que estão construídos no caminho projetado e talvez tenha que recorrer a um elevado sobre o rio para contornar dois edifícios construídos perto demais da margem do rio. O que a reportagem e a Prefeitura não falam é que esses prédios invadem área non aedificandi, são irregulares, violam a Lei de Uso e Ocupação do Solo. Mas como nessa cidade só se remove ocupação de margem de rio quando é palafita e não quando ela tem o selo Moura Dubeux, o município terá que gastar cerca de R$ 11 milhões em desapropriações e ainda mais em soluções de engenharia para contornar os prédios.
isso muitas vezes justamente pelas mãos do secretário de mobilidade, que usurpou pra si a competência para a aprovação dos grandes empreendimentos da cidade! Para piorar, neste caso ainda há o risco de que um dos possíveis passos à frente, o Parque Linear do Capibaribe, acabe sendo diretamente atingido pelo projeto e que o dinheiro já investido nos estudos seja perdido. O que se vê nisso tudo, à parte de todos os aspectos eticamente suspeitos, é muita falta de consistência nas ações da Prefeitura voltadas para o planejamento da cidade. Falta de consistência que vem de uma falta de integração entre as secretarias, a falta de um norte num projeto claro para a cidade, pensado de forma integrada, com um horizonte de longo prazo e com muita discussão com a população. Se essas propostas fossem discutidas com as pessoas interessadas, com as associações e grupos voltados para o debate sobre a cidade, com as entidades técnicas e a academia, certamente esses argumentos apareceriam, os erros seriam evitados, milhões de reais seriam poupados e avançaríamos rumo a uma cidade mais sustentável e com mais qualidade de vida. Mas será que isso interessa à Prefeitura?
No embalo das matérias sobre o Dia Mundial Sem Carro, o Diário de Pernambuco publicou uma matéria sobre o problema do estacionamento “gratuito” nas ruas e também os nos prédios, tornados obrigatórios pela Lei de Uso e Ocupação do Solo. É um tema que já foi abordado em um post no blog e que constitui mais um exemplo do “almoço grátis” que os donos de carros querem ter.
Por Juliana Colares
O Recife gira em torno do carro, mesmo quando ele está parado. Todos os dias, 40 novos automóveis são emplacados na cidade. A frota circulante diária chega a 1 milhão de veículos na RMR. Atender à demanda por estacionamento ficou impossível. E caro demais.
Com o metro quadrado avaliado em R$ 4,5 mil, uma vaga de 11 m2 em Casa Amarela, por exemplo, custaria R$ 49,5 mil, valor mais alto que o preço de um carro popular. Ainda assim, estacionar na maior parte da cidade, mesmo que o carro fique parado durante todo o expediente, das 8h às 18h, não custa nada – quando não tem um flanelinha “gerenciando” a vaga. A falta de um controle rígido dos espaços públicos usados como estacionamento estimula o uso do automóvel e, nos casos das vias onde é permitido estacionar dos dois lados, impede a criação de ciclofaixas, o alargamento das calçadas e a criação de faixas exclusivas para o transporte coletivo.
A “carrocracia” fez até ruas sem tráfego intenso virarem bônus. A Rua Arnoldo Magalhães, em Casa Amarela, por exemplo, já é usada como garagem privada por moradores dos edifícios e é apontada como “rua livre para estacionamento” em lançamento imobiliário que ganhou as redes sociais. A via tem cerca de seis metros de largura e meio fio pintado de branco em boa parte de sua extensão – da Estrada do Arraial à Avenida Norte. O diretor comercial de uma construtora é categórico: vias mais fáceis de estacionar pesam na escolha do terreno. “Hoje a facilidade para aquisição de carro é muito grande. É natural uma família com mais de um”, disse.
Para o especialista em transporte público e professor da UFPE Oswaldo Lima Neto, Recife carece de uma política de estacionamento nas vias públicas. Ele defende que a prefeitura demarque as vias, defina a quantidade de vagas que a cidade deve ter, delimite os horários de permissão para estacionamento e cobre caro pelo uso desses espaços, principalmente nas áreas mais críticas. “É inadmissível pagar só R$ 1 por até cinco horas de estacionamento no Centro da cidade”, disse, em referência à Zona Azul.
Oswaldo Lima Neto defende, inclusive, que medidas como essa, que são restritivas ao uso dos carros, não esperem a melhoria dos sistemas de ônibus e metrô para serem implementadas. “Muitas vezes essa questão é usada como desculpa por quem não quer usar o transporte público”, afirmou.“A tendência mundial é de restrição do estacionamento, principalmente em áreas críticas. A permissão da vaga gratuita na via é um incentivo ao transporte individual e representa prejuízo ao transporte público. Se o espaço é público, ele tem que ser usado em benefício público”, disse o professor de engenharia civil da UFPE Maurício Pina.
Para o presidente do Instituto da Cidade Pelópidas Silveira, Milton Botler, “todas as vagas de automóveis têm que ser absorvidas dentro do espaço privado”. Segundo ele, esse pensamento está por trás do projeto de construção de 10 mil vagas de estacionamento em edifícios-garagem, que seriam interligados ao transporte público. Concomitantemente à construção desses prédios, seria reduzida a quantidade de vagas nas ruas.
A construção dos edifícios-garagem já é alvo de críticas. Para Oswaldo Lima Neto, o ideal é localizar esses estacionamentos verticais próximo a estações de metrô ou ônibus para fazer as pessoas estacionarem fora do centro e usarem o transporte público. Segundo Botler, a decisão quanto aos edifícios-garagem só será tomada após a análise dos estudos feitos por três empresas que atenderam à chamada pública.“Eu posso ter edifício-garagem, inclusive, para substituir vaga de Zona Azul”, disse Botler. Expectativa é de que o edital seja lançado em novembro.
31.03.2012
Projeto de corredor viário na Agamenon Magalhães sofre modificação
http://pernambuco.com/ultimas/nota.asp?materia=20120331101853&assunto=62&onde=VidaUrbana
30.03.2012
Audiência pública debate construção de viadutos na Agamenon
http://www1.folhape.com.br/cms/opencms/folhape/pt/cotidiano/noticias/arquivos/2011/outubro/1154.html
Viadutos da Agamenon só terão início após estudos de impacto ambiental, diz Ministério Públicohttp://ne10.uol.com.br/canal/cotidiano/grande-recife/noticia/2012/03/30/viadutos-da-agamenon-so-terao-inicio-apos-estudos-de-impacto-ambiental-diz-ministerio-publico-335058.php
Todos contra os viadutos da Agamenon Magalhães. Pelo menos na audiência pública.
http://jconlineblogs.ne10.uol.com.br/deolhonotransito/2012/03/30/todos-contra-os-viadutos-da-agamenon-magalhaes-pelo-menos-na-audiencia-publica/
Governo lança edital e audiência discute obras do corredor da Agamenon
http://pernambuco.com/ultimas/nota.asp?materia=20120330071459&assunto=62&onde=VidaUrbana
Professor da UFPE: viadutos sobre Agamenon priorizam o transporte particular
http://www.diariodepernambuco.com.br/vidaurbana/nota.asp?materia=20120330111513
29.03.2012
Governador anuncia edital para obras na Agamenon
http://www.leiaja.com/noticias/2012/governador-anuncia-edital-para-obras-na-agamenon
Governo lança edital do corredor Norte-Sul na Agamenon Magalhães
http://pernambuco.com/ultimas/nota.asp?materia=20120329145709&assunto=62&onde=
VidaUrbana
Lançado edital para construção de corredor para ônibus na Agamenon
http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/cidades/noticia/2012/03/29/lancado-edital-para-construcao-de-corredor-para-onibus-na-agamenon-37500.php
22.03.2012
Audiência pública discute as obras dos viadutos na Agamenon
http://www.diariodepernambuco.com.br/nota.asp?materia=20120322142743
07.03.2012
Eduardo diz que não tem medo de briga judicial com elevados na Agamenon Magalhães
http://jc3.uol.com.br/blogs/blogjamildo/canais/noticias/2012/03/07/eduardo_diz_que_nao_tem_medo_de_briga_judicial_com_elevados_na_agamenon_magalhaes_127161.php
Em tempos em que a prefeitura de Recife tem a idéia infeliz de licitar até 25 edifícios-garagem na cidade, sem supressão de vagas nas ruas, sem integração com modais complementares e com localização nos pontos de destino e não fora das áreas de maior trânsito, veio bem a calhar a descoberta desse estudo feito por professores da USP sobre as exigências da legislação urbanística de São Paulo a respeito de vagas para os automóveis e sobre a evolução do espaço dedicado a garagens. Ele já tinha sido abordado nesse post do blog da Raquel Rolnik e nessa matéria do Estadão, mas a leitura do artigo traz várias lições interessantes. Destaco abaixo alguns trechos da introdução:
Os impactos das politicas públicas relacionadas a vagas fica claro quando olhamos, de um lado,para as regulamentações de Nova York (NY) e São Francisco (SF) e de outro lado, as leis que regem a construção de vagas em Los Angeles (LA) e São Paulo (SP). Nova York e São Francisco tem limites rígidos relacionados a quantidade máxima de vagas permitida nos centros destas cidades. Los Angeles e São Paulo porém, buscam um caminho diametralmente oposto – onde as legislações de NY e SF limitam o número máximo de garagens, LA e SP requerem um número mínimo de construção de vagas. Isto, não apenas encarece o custo para a construção de novos desenvolvimentos nestas cidades e consequentemente utiliza recursos naturais desnecessários e escassos, mas pode também incentivar as pessoas utilizarem seus automóveis. Considere os requisitos para garagens para o Centro de Convenções de LA e SF. LA requer, como mínimo, cinquenta vezes mais vagas do que SF permite como máximo. O Centro de Convenções Moscone, no centro de SF, tem 700.000 de pés quadrados de área de exibição, 123.000 pés quadrados de “pré-atividades” a nenhuma vaga. O Centro de Convenções no centro de LA tem 770.000 de pés quadrados de área de exibição, 54 salas de reuniões e 5.600 vagas. O Centro de Convenções Moscone ancora uma área de desenvolvimento imobiliário. O Centro de Convenções de LA é rodeado por milhares de automóveis. (….)
Leis que demandam ruas mais largas como condição para maiores densidades, silenciosamente subsidiam a condução de automóveis e o fazem as expensas de outros modais. Uma rua mais larga geralmente significa uma calçada mas estreita, ou a perda das árvores das ruas, que anteriormente separavam pedestres e veículos. A obrigatoriedade de vagas mínima funciona da mesma maneira, e muito na mesma lógica, que as leis que demandam ruas mais largas. (…)
Em lugares onde a maioria das pessoas dirige, congestionamentos urbanos são estimulados, porque extensões de vias não podem ser aumentadas tão rapidamente quanto aumentos da população, que trazem com elas aumento da quilometragem rodada. Exigências de número mínimo de vagas, porém, forçam o suprimento de áreas de estacionamento para acompanharem novos desenvolvimentos. De todos as formas de infraestrutura para automóveis, garagens são as que podem ser supridas mais dinamicamente. Os espaços destinados para estacionamento, portanto, cresce muito mais rápido do que os espaços destinados para eles transitarem. Esta assimetria entre vias e estacionamentos tornam os congestionamentos piores e minimiza um dos grandes benefícios da densidade – ruas com vida vibrante. (…)
Ruas e garagens tem propósitos diferentes, são providos de maneiras diferentes, e interagem com as pessoas de modos diferentes. Ruas são infraestrutura para automóveis, mas não de forma exclusiva; as ruas a tempos antecederam os automóveis. Garagem, porém, é totalmente um produto da cultura do automóvel. A maioria das vias são públicas, enquanto que a maioria das garagens são de propriedade privada, mas muitas vezes exigidas pelo poder público. (…)
Profissionais de planejamento usualmente consideram estacionamento apenas como um apêndice de um edifício; raramente são os custos e benefícios das garagens considerados isoladamente – mesmo em casos onde o estacionamento se torna o próprio edifício. Seria mais apropriado examinar o edifício e sua garagem separadamente, mas a obrigatoriedade de construção de vagas frequentemente faz o estacionamento condicional ao edifício. Usualmente não é realizada uma analise, por parte dos empreendedores, se seria melhor o edifício não ter vagas, pois não se pode conceber, por conservadorismo, força de lei, ou demanda de mercado, um edifício sem vagas.
Link para o texto completo da pesquisa: http://www.hamiltonleite.com.br/LARES2011.pdf