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LIBERDADE PARA O RECIFE ANTIGO! Corra que a polícia vem ai!

>Por Igor Alves (Frente Independente Popular) e Diego Martiniano

O Recife Antigo constitui hoje um ambiente de disputas entre cachorros bem grandes – Porto Digital, Porto Novo Recife e Prefeitura – e a sociedade civil. A noção de espaço público que ainda se tinha do bairro como um bem de uso coletivo vem sendo “tratorada” pelos principais atores desta disputa. De uma hora para outra, o espaço democrático de convivência deu lugar a um inusitado quadro de contrastes urbanos: Com sofisticados empreendimentos que parecem não dialogar com o lugar e as gentis que o frequentam.

Projeção feita pela FIP nos armazéns do Porto Novo

Projeção feita pela FIP nos armazéns do Porto Novo

Nos últimos anos o bairro do Recife Antigo foi marcado pelo abandono quase completo pelo poder público, o que levou a decadência da vida cultural e a falência de diversos pequenos empreendimentos como boates, bares e restaurantes. Esse abandono motivou a criação de um movimento espontâneo dos jovens que passaram a ocupar este espaço e que chegaram a promover alguns atos exigindo que o poder público retomasse a vida cultural do bairro. A resposta do poder público veio através da criação de atividades culturais, de lazer e esportivas, principalmente aos fins de semana, voltados a classe média. Como se fora sincronizada, a ação do poder público antecedeu a atual reinauguração dos antigos galpões com bares e restaurantes da mais fina gastronomia, e a ocupação do bairro por um forte efetivo militar : a Guarda Municipal, o GATI, a PM, o GOE e até a tropa de choque, transformando o Recife Antigo numa verdadeira UPP. Ironicamente, a sensação de insegurança e a violência parecem ter aumentado na mesma proporção da presença policial (da suposta “segurança” promovida pelo Estado).

Sob a alegação de tentar resolver essa celeuma da insegurança no Recife Antigo, o prefeito Geraldo Julio anunciou na última semana uma série de medidas a serem implementadas no bairro histórico da cidade após o carnaval. Dentre elas, estão a proibição da venda de bebidas em garrafas de vidro, a proibição de jovens menores de dezoito de terem acesso ao bairro sem a presença dos pais ou responsáveis, revistas com direito a detector de metais nas pontes que dão acesso ao bairro etc. Desde dezembro, a prefeitura do Recife já vinha distribuindo panfletos na região em que adverte a não ocupação do Marco Zero por skatistas, ciclistas e patinadores. A justificativa para tal restrição é motivo de divergências dentro da própria prefeitura – uns dizem que o intuito é preservar o piso da praça, enquanto outros afirmam que é para evitar acidentes. Ademais, comerciantes ambulantes também foram “advertidos” a deixarem o local.

Polícia no Marco Zero

Polícia no Marco Zero

As medidas apontadas por Geraldo Julio para garantir a segurança, no entanto, tornaram-se alvo de inúmeros questionamentos por parte da população assim que foram anunciadas. Tais questionamentos revelam a urgente necessidade de discussão junto a sociedade antes de qualquer implementação.

Na noite do último dia 11, integrantes da Frente Independente Popular de Pernambuco (FIP PRAIEIRA) estiveram na Praça do Arsenal e no Marco Zero fazendo panfletagens e projeções, denunciando o aumento da tarifa de ônibus na RMR e a ocupação militar daquele espaço. Durante as atividades, presenciaram dois momentos de correria: O primeiro motivado por um boato de arrastão que foi seguido pela inserção de um forte contingente policial que revistou e levou vários jovens detidos, sob o aplauso da multidão ali presente. Cerca de uma hora depois foram estas mesmas pessoas que aplaudiram a abordagem seletiva e a ação truculenta, que se tornaram vítimas da ação da PM. Além dos ativistas da FIP, dezenas de relatos na intenet dão conta que uma viatura da polícia militar, saindo de uma das ruas do entorno do Marco Zero, adentrou a praça dando ao menos cinco tiros para o alto, esvaziando quase por completo o local.

O lamentável episódio ocorrido naquela noite é de deixar qualquer um intrigado. Não se sabe se em algum momento houve arrastão ou tudo não passou de conflitos entre grupos rivais, também é certo que no momento dos tiros nada de anormal fora notado naquela praça. Ainda que houvesse, nada justificaria descarregar uma arma, mesmo que para o alto em uma praça lotada de pessoas. É de se questionar como é possível que, com tantos efetivos policiais em ação, a ação de criminosos possa ser possível, deliberada e generalizada como os veículos de comunicação tem retratado. E sendo, se este é o modus operandi que a população deve esperar da polícia militar de Pernambuco. O que mais chamou a atenção neste caso é que a responsabilidade do caos instalado naquele espaço repleto de famílias, crianças, amigos e comerciantes foi da própria polícia.

Batalhão de Choque na rua Tomazina

Batalhão de Choque na rua Tomazina

A presença policial é sempre mostrada como sinônimo de segurança ao cidadão, entretanto, essa lógica, tida como uma verdade pela classe média, parece ser posta em xeque na cidade do Recife. Desde que essa verdadeira UPP foi montada nos deparamos com relatos de abordagens de caráter preconceituoso dirigidas a determinados grupos de frequentadores do local. Um dos exemplos mais conhecidos é o do estudante de ciências sociais da UFPE, Siilas Veloso, que denunciou nas redes sociais que, no último dia 6, em menos de trinta minutos foi alvo de duas abordagens policiais promovidas, primeiro pelo GATI em seguida pela Guarda Municipal. Em comum o caráter vexatório, preconceituoso e intimidador das abordagens. A verdade é que existe um claro recorte de cor e de classe na escolha e na forma de abordagem feita pela polícia. É no mínimo curioso que com toda essa ostensividade o clima de medo e a violência cresçam com esse aumento da “segurança” promovida pelo Estado.

Parece de fato existir uma articulação para criar um clima de medo que justifique as medidas de segurança adotadas pela prefeitura e a ação violenta da polícia contra uma parcela da população que frequenta aquele local. Medidas higienistas, ilegítimas, continuidade do processo iniciado por Eduardo Campos para intimidar, expulsar e esconder a parcela da população que é indesejada naquele espaço pela clientela elitista dos empreendimentos recém-chegados. Uma juventude pobre, muitas vezes preta, que ocupou aquele espaço quando o poder público o tinha abandonado e que agora é alvo do mesmo.

CIDADE PRA QUEM?

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